Organismo modelo, que mede no máximo 1 mm, é utilizado por pesquisadores na investigação de mecanismos moleculares do envelhecimento
Cientistas do Laboratório de Biologia do Envelhecimento, do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, encontraram uma droga capaz de estender o tempo de vida do verme Caenorhabditis elegans. A droga é o enoxacino, um agente antimicrobiano da classe das fluoroquinolonas, que já foi usado para tratar infecções urinárias em humanos.
Segundo o professor Marcelo Mori, coordenador do laboratório, estamos em um ponto crítico para definir intervenções clínicas que possam prevenir ou atenuar a inevitável degeneração que ocorre quando envelhecemos. Em 2050, 20% da população mundial vai ter 60 anos ou mais.
Nesse cenário, doenças relacionadas ao envelhecimento serão um problema de saúde pública, com graves implicações socioeconômicas. "Quando pensamos em envelhecimento, não queremos simplesmente aumentar o tempo de vida das pessoas, mas aumentar também o tempo de vida saudável", diz.
Os animais tratados com o enoxacino viveram aproximadamente 18% mais dos que os animais que não receberam a droga. "Nós observamos um aumento bastante robusto e consistente no tempo de vida dos animais".
"Também mostramos que houve aumento da vitalidade dos animais", aponta. O enoxacino fez com que o vermes se movimentassem mais, suportassem melhor o estresse e se mantivessem saudáveis por mais tempo. O estudo foi conduzido pelo aluno de doutorado Silas Pinto da Silva, em colaboração com pesquisadores da Unicamp e da Unifesp. Os resultados foram publicados em setembro deste ano, no periódico científico Redox Biology.
Um modelo para o envelhecimento
O C. elegans é um verme que mede no máximo 1 mm – para efeito de comparação, do tamanho de um grão de sal. Os pequenos animais são frequentemente usados como organismo modelo em estudos sobre envelhecimento. Isso porque o C. elegans tem um ciclo de vida curto, em geral vivendo menos de 30 dias. É possível fazer vários experimentos para medir o tempo de vida em pouco tempo.
Fernanda Marques da Cunha é pesquisadora na Unifesp e estuda como as mitocôndrias – as organelas celulares que produzem energia – se comportam nos vermes. Diversos mecanismos para estender a vida do C. elegans envolvem a alteração do funcionamento das mitocôndrias. "Mas quando fomos procurar medidas clássicas de bioenergética, de bioquímica, nesses modelos, não encontramos", diz.
Assim, Marques da Cunha e seu grupo investigaram as mitocôndrias de dois modelos de longevidade em C. elegans. No caso, a restrição calórica – limitar o consumo de alimentos é uma das maneiras mais consistentes de estender a vida dos animais– e uma mutação no gene glp-1, que causa esterilidade.
Eles encontraram algumas semelhanças entre as mitocôndrias dos vermes longevos. "Os animais que vivem mais têm mitocôndrias mais eficientes", ressalta. De acordo com a pesquisadora, essas mitocôndrias são mais competentes em usar lipídios para produzir energia.
A cientista conta que, como organismo modelo, o C. elegans oferece várias vantagens. "O C. elegans pode ser facilmente manipulado geneticamente e o cultivo dos vermes é relativamente fácil e barato".
Além disso, muitos genes do C. elegans têm um alto grau de similaridade com genes humanos. Isso permite que cientistas usem o modelo para estudar os mecanismos moleculares de doenças humanas e do próprio envelhecimento.
Os diminutos animais têm sido até levados ao espaço para ajudar a entender problemas humanos. Sabe-se, por exemplo, que mitigar a atrofia muscular é um desafio para astronautas em baixa gravidade. Para compreender melhor quais os eventos moleculares que levam à atrofia em viagens espaciais, C. elegans foram carregados para Estação Espacial Internacional. Após o retorno à Terra, diversas alterações foram detectadas nos animais.
Do verme para o humano
Não causa surpresa, portanto, que vários dos fenômenos biológicos descobertos em C. elegans se mostraram verdadeiros também para humanos. Um exemplo são os microRNAs, importantes moléculas reguladoras que foram encontradas primeiro nesses animais.
Os microRNAs são uma classe de pequenos RNAs que são encontrados no genoma de muitos organismos, desde plantas até animais. Ao invés de codificar proteínas, essas fitas curtas de material genético regulam a expressão de muitos dos genes das células.
Um dos focos de estudo do Laboratório de Biologia do Envelhecimento é entender como os microRNAs influenciam a longevidade e a saúde dos animais. Para isso, os cientistas buscaram uma droga que interferisse com o processo de síntese dessas moléculas. "Foi assim que encontramos o enoxacino, uma droga que vem sendo utilizada como antibiótico, mas que também afeta a produção de microRNAs", conta Mori.
O grupo descobriu que o tratamento com enoxacino provocou uma diminuição nos níveis de um microRNA (miR-34). A redução do microRNA, por sua vez, gerou um nível moderado de estresse nos animais. E foi justamente esse estresse que parece ter sido a causa do aumento da longevidade do organismo.
Esse processo é chamado de hormese e significa, contra o senso comum, que um certo nível de estresse pode ser bom para o organismo. Especificamente, a presença de um estresse oxidativo em níveis controlados, leva à ativação de genes de proteção, o que acaba causando efeitos positivos para saúde.
Um pouco de estresse pode ser bom
"A célula percebe que tem alguma coisa errada e toma providências para tentar controlar esse estresse. E, com isso, a célula fica preparada e mais resistente a uma injúria maior", diz Mori. O cientista compara o fenômeno com as adaptações ao exercício físico: para que o músculo se torne mais resistente, é necessário estressar o músculo.
"A percepção das pessoas é de que antioxidantes são bons porque combatem as moléculas oxidantes, que são supostamente ruins. Mas isso não é necessariamente verdade, essas moléculas oxidantes podem ser boas em concentrações baixas", aponta. Segundo o cientista, já existem ensaios clínicos mostrando que o uso crônico de antioxidantes não é benéfico. "Ao contrário, em alguns casos pode ser até deletério".
Embora a hormese seja um fenômeno conhecido, mais estudos são necessários para entendê-lo completamente. De acordo com Fernanda Marques da Cunha, é necessário desenvolver ferramentas melhores para chegar a conclusões mais precisas sobre os mecanismos envolvidos na hormese.
Longevidade com saúde
Segundo Marcelo Mori, o estudo mostra que é possível que medicamentos como o enoxacino, da classe das fluoroquinolonas, sejam desenvolvidos como um novo tipo de droga anti-envelhecimento.
Contudo, o fato do enoxacino possuir propriedades antimicrobianas pode ser um problema. O uso crônico de antibióticos pode ter consequências negativas, como o surgimento de bactérias resistentes.
É por isso que o Laboratório de Biologia do Envelhecimento está trabalhando no desenvolvimento de drogas similares ao enoxacino. Os pesquisadores esperam encontrar uma substância que mantenha a capacidade de estender a vida, porém sem as propriedades antibacterianas.
De acordo com os cientistas, um dos próximos passos é estudar se essa classe de moléculas poderá contribuir para um aumento da longevidade e qualidade de vida de mamíferos. Se o resultado for positivo, é possível que futuramente sejam realizados testes clínicos em humanos.
Mas, para Mori, os testes clínicos para envelhecimento ainda enfrentam desafios, mesmo dentro da comunidade científica. "Muita gente considera o envelhecimento um simples estado natural e inevitável dos indivíduos. Na realidade, envelhecer é o fator de risco mais importante para várias doenças crônicas, e algumas pessoas envelhecem mais rapidamente que as outras". Por isso, o pesquisador destaca que o envelhecimento, bem como o processo de fragilidade que o acompanha, são processos que merecem ser alvos de intervenções médicas.
"A ideia não é só prolongar o tempo de vida, é garantir ao idoso um envelhecimento mais digno e com saúde", diz Mori. "Não adianta nada você prolongar o tempo de vida e ficar um terço da sua vida no hospital".