Áreas da Fazenda Argentina, na Unicamp, e do Ceagesp, na capital paulista, poderão ser transformadas em ambientes de inovação e criatividade
O Estado de São Paulo pode ganhar, nos próximos anos, dois distritos de inovação – como são chamadas as áreas em regiões já consolidadas de cidades que reúnem empresas, universidades, instituições de pesquisa, incubadoras e startups, favorecendo o surgimento de ideias inovadoras e criativas, como no Vale do Silício, nos Estados Unidos.
Um dos distritos deverá ser situado onde hoje está instalada a Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), na Vila Leopoldina, e o segundo na Fazenda Argentina – uma área de 1,4 milhão de metros quadrados (m²), em Campinas, adquirida, em 2014, pela Unicamp.
A fim de viabilizar esses projetos, a FAPESP, em parceria com a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), está desenvolvendo um projeto com o objetivo de estabelecer parâmetros conceituais e operacionais para a instalação desses ambientes de inovação e criatividade em São Paulo e Campinas.
“A FAPESP está comprometida com essas iniciativas, que exigirão agregar nessas áreas diferentes esferas dos governos, atores da sociedade civil, grandes empresas e startups. Também será preciso estabelecer uma governança compartilhada a fim de garantir tempo e estabilidade para a maturação desses projetos”, disse Eduardo Moacyr Krieger, vice-presidente da FAPESP, durante a Conferência Internacional Distritos de Inovação, que ocorreu dia 22/11, na FAPESP.
A oportunidade de criar um distrito de inovação onde hoje está localizada a Ceagesp surgiu com a recente decisão do governo do Estado de São Paulo de transferir o maior entreposto atacadista de alimentos do país para outra área.
A partir dessa decisão, expressa por meio de uma manifestação de interesse público, representantes da Prefeitura Municipal de São Paulo começaram a se mobilizar para iniciar um projeto com o objetivo de estudar novos cenários de ocupação da área da gleba Ceagesp, de 650 mil m², e firmaram uma parceria com a FAPESP.
Em razão da vizinhança da Ceagesp – localizada ao lado da Universidade de São Paulo (USP), do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e do Instituto Butantan –, uma das propostas surgidas foi a de transformá-la em um distrito de inovação.
“O projeto tem um eixo jurídico importante, além de um urbanístico e outro econômico, com o intuito de constituir as base de financiamento das iniciativas de inovação que se pretende realizar naquela área”, disse Andrea Calabi, coordenador do projeto de implantação de ambientes de inovação e criatividade no Estado de São Paulo.
Recentemente, a Unicamp também decidiu transformar a Fazenda Argentina – situada no polo II da Companhia de Desenvolvimento do Polo de Alta Tecnologia de Campinas (Ciatec) – em um hub internacional para o desenvolvimento sustentável.
A Prefeitura Municipal de Campinas concordou em criar ao redor da área um distrito de inovação. O projeto pode ser a semente para a criação de uma smart city (cidade inteligente), disse Marco Aurélio Pinheiro Lima, diretor executivo de planejamento integrado da Unicamp.
“O projeto foi apresentado à FAPESP, que aceitou nos ajudar a viabilizá-lo, uma vez que apresenta grandes desafios de implantação”, disse Lima durante o evento.
A fim de desenvolver as modelagens jurídica, institucional, financeira e urbanística para viabilizar os projetos de construção de distritos de inovação na gleba Ceagesp e na Fazenda Argentina, a FAPESP convidou a Fipe para participar da iniciativa.
“Sabemos que esses dois empreendimentos são de longo prazo. Só a transferência da Ceagesp vai exigir um longo tempo de maturação do projeto, mas ele precisa ser pensado e planejado com muita antecedência”, disse Carlos Américo Pacheco, diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo (CTA) da FAPESP, durante o evento.
Concentrados de cidades
De acordo com Danilo Camargo Igliori, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, há mais de 100 distritos de inovação mapeados no mundo. Entre eles estão o 22@ em Barcelona, na Espanha, o Ruta N, em Medellín, na Colômbia, o Distrito Tecnológico de Buenos Aires, na Argentina, o Porto Digital no Recife, em Pernambuco, e o MaRS, em Toronto, no Canadá.
Em comum, esses distritos de inovação só foram possíveis de serem construídos por meio do apoio público e de parcerias com a iniciativa privada, avaliou.
“Em alguns lugares no mundo, há alguns distritos de inovação que se formaram sem apoio público. Mas isso é muito raro”, afirmou.
“Sabemos que, para viabilizar esses ambientes de inovação, é preciso ter uma articulação entre o setor público e o privado e as universidades e instituições de pesquisa”, disse.
Outra semelhança entre esses distritos de inovação, segundo Igliori, é que são “concentrados de cidade”, no sentido de que potencializam interações formais e informais que acontecem na cidade, mas em um espaço menor.
“As interações que acontecem nos distritos de inovação também ocorrem nas cidades quando elas funcionam bem. A diferença de um distrito de inovação é que ele possibilita multiplicar essas interações”, afirmou.
Os resultados das interações que acontecem nos distritos de inovação acabam transbordando e mudando a paisagem das cidades, como comprovaram os exemplos internacionais.
Um dos primeiros distritos de inovação no mundo, junto com o de Boston, o 22@ em Barcelona, que entrou em operação em 2000, possibilitou transformar a região industrial de Poblenou em um polo pujante de inovação e criatividade.
Conhecida como a “Manchester catalã”, a região começou a entrar em declínio no início da década de 1960. A reconfiguração começou a ser planejada no final da década de 1990, quando Barcelona passou por transformações urbanísticas em razão das Olimpíadas e se começou a pensar no que fazer com aquela área industrial.
Uma das ideias era convertê-la em novos bairros residenciais. Um grupo de intelectuais, economistas e urbanistas defendeu, contudo, que não se devia perder o caráter econômico e produtivo de Poblenou. A proposta foi encampada pelo prefeito da cidade na época, que decidiu criar as bases para transformar a área de um polo de manufatura obsoleto em um polo de economia do conhecimento.
“O 22@ representa uma estratégia urbanística, econômica e social”, disse David Martínez Garcia, diretor do comitê do 22@ na Câmara Municipal de Barcelona, durante o evento.
“A ideia foi atrair para Poblenou empresas de base tecnológica, além de universidades, para ajudar a introduzir novas atividades econômicas na região baseadas, fundamentalmente, na economia do conhecimento, que era algo inédito nos anos 1990”, afirmou.
Segundo Garcia, das 10.308 empresas de Barcelona, 4.342 estão localizadas no 22@. O distrito de inovação catalão é responsável pela geração de 51% dos empregos e 52% do faturamento de Barcelona.
O projeto passa atualmente por um processo de atualização e entrou em uma segunda fase. Participam dessa etapa do projeto todos os envolvidos, como as empresas, universidades, investidores, representantes do governo e a comunidade no entorno.