Tese desenvolvida no Instituto de Artes conquistou o primeiro lugar no 32º Prêmio Design Museu da Casa Brasileira
Tese de doutorado sobre a identidade visual da Pinacoteca do Estado de São Paulo, a partir da memória gráfica da instituição, conquistou o primeiro lugar no 32º Prêmio Design Museu da Casa Brasileira, na categoria “Trabalhos Escritos” modalidade “não publicados”. Em seu estudo de caso, a designer e professora Jade Samara Piaia analisou peças gráficas institucionais datadas nos cem anos entre 1912 e 2012 – preservadas no Centro de Documentação e Memória da Pinacoteca –, dando ênfase à assinatura gráfica e suas transformações. A tese orientada pelo professor Edson do Prado Pfutzenreuter, do Instituto de Artes (IA), faz parte da exposição que acontece até 27 de janeiro de 2019 no Museu da Casa Brasileira, em São Paulo.
Jade Piaia explica que memória gráfica, pensando em termos de museu de arte, pode ser entendida como todo suporte que carrega fisicamente alguma menção a este museu. “Esta memória gráfica envolve catálogos de obras de arte, catálogos do acervo, cartazes, folhetos de exposições, sinalização interna aos visitantes, comunicação visual externa do edifício, a identificação dos funcionários e até mesmo souvenires vendidos nas lojas. No caso da Pinacoteca, o recorte é de mais de 100 anos de peças preservadas em acervo.”
A autora da tese adotou como fonte primária de pesquisa o Centro de Documentação (Cedoc) do museu, onde teve acesso físico aos documentos. “A primeira peça é um catálogo de obras de 1912, todo composto em tipografia e em que as pinturas, esculturas e outras obras são listadas junto aos nomes dos respectivos autores. Selecionei catálogos institucionais da Pinacoteca e também documentos impressos, como ofícios, independente do conteúdo. Os primeiros ofícios eram manuscritos e em seguida datilografados, só mais tarde passaram a ser redigidos em um computador e impressos.”
Na opinião de Jade Piaia, o caso da Pinacoteca do Estado de São Paulo, em comparação com outros museus, mostrou-se mais adequado como objeto de pesquisa em virtude do tempo de atividade museológica da instituição e o extenso acervo de memória gráfica, em períodos históricos vividos pela instituição. Na intenção de investigar a relação da identidade visual de outras instituições museológicas com sua memória gráfica, a pesquisadora também traçou as linhas gerais do cenário artístico em São Paulo e do surgimento dos principais museus da cidade, como o Masp, o MAM e o MAC.
Fases conturbadas
A designer conta que a Pinacoteca do Estado de São Paulo foi fundada oficialmente em 1905, a partir de uma doação de quadros do Museu Paulista, funcionando em uma sala do segundo andar do icônico edifício do Jardim da Luz, projetado por Ramos de Azevedo para sediar o Liceu de Artes e Ofícios. “As três primeiras décadas foram mais conturbadas, de formação do acervo, inclusive com exposições realizadas em outros lugares. Mas em termos de memória gráfica, temos o período de uma identidade produzida nas tipografias existentes na cidade, que levantei através do registro de impressão de cada um dos catálogos.”
Os agentes do campo gráfico envolvidos com esta memória gráfica foram: Tipografia Siqueira Nagel, Tipografia Augusto Siqueira, Casa Vanorden, Cia. Paulista de Papéis e Artes Gráficas, Gráfica Paulista de João Bentivegna, Escolas Profissionais Salesianas, Gráfica Canton e Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. “É interessante notar que as gráficas produziam o material, mas alguém tomava a decisão, que era por um estilo art nouveau bem nítido”, observa Edson Pfutzenreuter, sobre a forma que se repete desde 1912 até o catálogo de 1926.
Jade Piaia acrescenta que, de uma tendência art noveau curvilínea, como a composição em arco no titulo do catálogo, vai se passando para elementos mais retilíneos, geométricos e mais preenchidos. “Variava a tipografia, mas a estrutura de composição se mantinha. Temos um catálogo extremamente despojado dos elementos visuais, minimalista, de estrutura centralizada e sintética, que reflete algumas características da década de 30. Até então os catálogos não continham imagens, embora já houvesse tecnologia para imprimi-las.”
Subordinação ao Estado
Segundo a autora da tese, por longa fase da década de 40 até a de 80, a Pinacoteca esteve subordinada a diferentes secretarias estaduais de governo, com uma identidade visual ligada sempre ao brasão do Estado de São Paulo ou das armas da República. “Esta subordinação ao Estado ficou muito evidente nesses 40 anos, sob secretarias diversas como de Ciência e Tecnologia, Cultura, Esportes e Turismo, Educação, Saúde. Vemos inclusive uma marca de campanha do governo Carvalho Pinto, com o brasão associado à Secretaria de Estado dos Negócios.”
O crescimento do museu nesse período, porém, levou à conquista de sua autonomia no final da década de 1980, com o tombamento do edifício (1982) e a saída das últimas instituições que ali funcionavam, caso da antiga Faculdade de Belas Artes. “O edifício já havia passado por várias reformas, mas agora o sentido era de propriedade, de pertencimento. Foi quando a diretora Maria Alice Milliet contratou o designer Rogério Lira, que consegui entrevistar, para criar uma assinatura gráfica fazendo a primeira relação imagética com o edifício: ele redesenhou a fachada e usou uma tipografia garamond um pouco mais esticada, que disse ser a tendência da época.”
Jade Piaia também entrevistou o designer Carlos Perrone, convidado para redesenhar a identidade visual da Pinacoteca na gestão de Emanoel Araújo, depois de uma grande reforma conduzida por Paulo Mendes da Rocha e Eduardo Colonelli, visando adaptar o museu aos padrões museológicos internacionais. “Perrone trabalhou com a geometrização da fachada, ou seja, mantendo esta marca clássica do museu, e utilizou a fonte futura, que considera a mais antiga dentre as modernas. Ele criou tanto a assinatura gráfica quanto a sinalização produzida por recortes em vinil, coladas em placas metálicas e encaixadas em trilhos, evitando perfurações excessivas nos tijolos do edifício tombado.”
Assinatura gráfica
O professor Pfutzenreuter ressalta que este conceito de assinatura gráfica foi desenvolvido pela própria orientada, diante da variedade de elementos da memória gráfica. A justificativa é de que o campo do design foi institucionalizado a partir da década de 60, com a vinda de empresas estrangeiras e o surgimento das primeiras escolas, o que impede o uso de terminologias como logotipo, marca ou mesmo assinatura visual para todo o período recortado na tese de doutorado. Daí, a assinatura gráfica para identificar a instituição nos meios impressos, desde as técnicas de composição analógica alcançando os dias em que essas assinaturas são criadas em softwares gráficos.
Jade Piaia afirma que o recorte termina em 2012, com o que havia no acervo do Cedoc no momento da coleta, enquanto muitas peças de identidade visual criada pela agência de publicidade F/Nazca ainda estavam em uso pelo museu. “A agência criou uma nova identidade em 2010 e outra em 2016, esta lançada na véspera da qualificação da minha tese. Foi uma mudança radical, pautada por gestão – troca-se a gestão e a assinatura gráfica muda novamente, o que faz com se perca um pouco da identidade institucional da Pinacoteca enquanto museu de arte.”
A ideia de se trabalhar a fachada do edifício, observa a pesquisadora, já se perde bastante em 2010 e, com isso, a pregnância, tanto na identificação imagética quanto na leitura da assinatura gráfica. “O redesenho de 2016 ficou até interessante, pois mantém a proposta de Perrone quanto à questão da fachada, mas o diretor do museu quis mudar o nome para Pina, alegando que as pessoas assim a chamavam, o que foi questionado – eu, particularmente, nunca ouvi essa referência. Mas é uma tendência internacional, em que alguns museus estão se apelidando para ficar mais 'descolados', casos do MoMa [Museum of Modern Art] e do The Met [The Metropolitan Museum of Art], de Nova Iorque.”
Prêmio Design
Um aspecto curioso destacado pelo professor Edson Pfutzenreuter é que a bela diagramação criada por sua aluna para o volume apresentando os resultados da pesquisa foi rejeitada no programa de pós-graduação, por não se adequar aos padrões exigidos para uma tese de doutorado na Unicamp. “Mas foi o volume com esta diagramação que distribuí aos membros da banca e que submeti ao Prêmio Design do Museu da Casa Brasileira”, diz Jade Piaia. “É a 32ª edição da premiação, que tem como categorias mais tradicionais as de design de produtos – mobiliário, construção, utensílios, iluminação, têxteis, eletroeletrônicos, transportes – e, mais recentemente, de trabalhos escritos, em duas modalidades: publicados (livros já no mercado) e não publicados (dissertações e teses).”