Especialista britânico destaca interesse do Reino Unido pelos desdobramentos da eleição presidencial no Brasil
As eleições presidenciais brasileiras nunca despertaram tanto interesse no Reino Unido como as de 2018. A constatação é do professor de geografia urbana Gareth Jones, da prestigiada London School of Economics (LSE), um profundo conhecedor da situação política, econômica e social dos países da América Latina e do Caribe. Segundo Jones, que dirige na LSE um centro de estudos sobre a região – o Latin America and Caribbean Centre –, a academia e a imprensa britânicas situaram o debate público sobre a campanha eleitoral no Brasil no espectro entre a preocupação e o alarme, e seguem acompanhando com atenção os desdobramentos da vitória de Jair Bolsonaro. Do lado da academia, o maior motivo de inquietação, na visão do especialista, é a incerteza com relação à continuidade das parcerias de pesquisa e do intercâmbio de alunos entre Brasil e Reino Unido.
Na entrevista a seguir, concedida no último dia 7 durante visita à Unicamp, Jones explica as razões do maior interesse britânico pela disputa presidencial brasileira e compara as reações no Reino Unido às eleições de Bolsonaro, no Brasil, e de Donald Trump, nos Estados Unidos. Formado em economia e geografia pela University College London e doutor em geografia pela Universidade de Cambridge, Jones analisa também a chegada de Andrés Manuel López Obrador à presidência do México, país que está no centro de muitas de suas pesquisas.
Estudioso, entre outros assuntos, da violência em cidades como a capital mexicana e o Rio de Janeiro, Jones fala ainda de como o crescimento da criminalidade em determinadas áreas urbanas pode afetar as futuras gerações. A violência, aliás, será o tema central de uma série de workshops que a LSE pretende realizar no ano que vem em parceria com a Unicamp e com a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), cujos detalhes também são tratados na conversa abaixo:
Qual o propósito de sua visita ao Brasil e, mais especificamente, à Unicamp?
Gareth Jones – Vim a São Paulo por duas razões. Uma delas foi para reunir-me com representantes de instituições locais – principalmente de universidades, mas também da Fapesp e do British Council. Nosso objetivo é fortalecer as colaborações que temos em São Paulo, ampliar nosso contato com pesquisadores brasileiros e levar a pesquisa "feita no Brasil" para uma posição de mais destaque no debate acadêmico na Europa. A outra razão representa um pequeno passo nessa direção. Temos uma pequena verba conjunta do British Council e da Fapesp para realizar uma série de workshops no ano que vem, com a Unicamp e a PUC-SP, sobre violência e segurança. Estou aqui na Unicamp com a missão de entender a universidade e pensar em futuras colaborações; e, muito especificamente, por causa desses futuros workshops.
As datas dos workshops já foram definidas? Quais são os resultados esperados?
Gareth Jones – Ainda temos de resolver alguns detalhes, mas acredito que os workshops serão realizados em outubro. Traremos 18 alunos de doutorado, não só da LSE, mas também de outras partes do Reino Unido, para que se reúnam com professores e com mais ou menos o mesmo número de doutorandos da Unicamp e da PUC-SP. Queremos que os alunos falem sobre suas pesquisas, colaborem entre si, aprendam uns com os outros e, talvez, produzam resultados na forma de artigos, blogs, etc. Esperamos, obviamente, que esses workshops venham a fazer parte de uma colaboração maior e mais rica entre as universidades – colaboração que, tomara, se desenvolva para além do tema violência e segurança.
Violência e segurança foram um dos temas centrais das eleições brasileiras deste ano. Como o senhor avalia a vitória de Jair Bolsonaro na disputa presidencial e o que espera de seu futuro governo?
Gareth Jones – Vou evitar a pergunta sobre as minhas expectativas porque eu simplesmente não sei o que vai acontecer. O que posso dizer é que aconteceu algo muito interessante no Reino Unido no que se refere à discussão pública sobre as eleições brasileiras. As eleições e o contexto político do Brasil sempre atraíram a atenção do público britânico, seja com relação a Lula, Dilma, Temer ou qualquer outro. Mas o interesse era mais pelo discurso, e não tanto pela mecânica das eleições. Pela primeira vez em minha vida – e eu não sou jovem –, vi um interesse realmente muito intenso em torno da mecânica das eleições.
A que o senhor atribui esse maior interesse?
Gareth Jones – Pela primeira vez, um relativo outsider do sistema eleitoral – alguém que pelo menos se apresentava como não pertencente ao establishment político – poderia vencer a disputa presidencial brasileira. E havia, é claro, os ecos do Brexit, de Trump, da Itália, da Espanha. Ainda não compreendemos as respostas sobre como aconteceu o Brexit, como Trump venceu as eleições americanas e talvez até mesmo sobre como Erdogan se reelegeu na Turquia. Por isso, a vitória de Bolsonaro nos pareceu simplesmente uma repetição desses cenários.
Como os britânicos enxergaram a possibilidade de que esses cenários se repetissem no Brasil?
Gareth Jones – De maneira geral, a discussão pública das eleições brasileiras na imprensa foi muito similar à que se deu na academia. Diria que ambas ficaram no espectro entre a preocupação e o alarme – e não muito no lado positivo da agulha. As declarações de Bolsonaro sobre sexualidade foram muito mal recebidas no Reino Unido, assim como o cancelamento do papel do Brasil na Conferência do Clima da ONU. Acabo de vir de Cuba, de um seminário que organizamos sobre segurança sanitária. Uma das palestras foi sobre o programa Mais Médicos. Antes, algo como o Mais Médicos não receberia nenhuma atenção no Reino Unido; agora, vira manchete. Ainda estamos vivenciando a explosão emocional das eleições. Seja qual for o tema, estamos acompanhando-o com certo grau de preocupação, tentando imaginar a direção do movimento. Da perspectiva da universidade, a preocupação é com o futuro das colaborações de pesquisa e do intercâmbio de alunos entre o Reino Unido e o Brasil – ou seja, se essas parcerias se tornarão menos estáveis, menos seguras, ou se sofrerão algum tipo de direcionamento.
O que causou mais surpresa no Reino Unido: a eleição de Trump nos Estados Unidos ou a de Bolsonaro no Brasil?
Gareth Jones – Entendo que a eleição de Trump foi muito mais surpreendente, embora o sistema político americano nos permita ver a competição desaparecer, tanto no lado republicano, como no democrata, durante as primárias. O que se tem, então, é uma disputa um contra um – algo incomum na política europeia, na qual normalmente há múltiplos partidos, múltiplos candidatos. Assim que se definiu que seria Trump contra Clinton, e sabendo como funciona o colégio eleitoral, não penso que a vitória de Trump tenha sido um choque. Eu estava nos Estados Unidos nas ocasiões de dois debates televisionados. Em uma delas, lembro-me que estava assistindo ao debate em um quarto de hotel em Miami e, lá pela metade, pensei: "caramba, o Trump vai ganhar". Isso foi, é claro, um medo reativo. Mas depois me dei conta de que aquela não era uma eleição baseada em argumentos tecnocráticos, precisão e racionalidade. Era uma eleição em torno das duas extremidades do espectro. No clima atual em que vivem os Estados Unidos, o sistema eleitoral trabalha muito em favor desse tipo de disputa. Vocês também estão se movendo nessa direção.
A eleição de Bolsonaro não causou nenhuma surpresa, então, no Reino Unido?
Gareth Jones – Do nosso ponto de vista, foi muito menos uma surpresa quem ganhou, porque entendemos que não houve reconhecimento nacional do nome do candidato do PT. Na esteira do impeachment [da ex-presidente Dilma Rouseff], da Lava Jato e tudo mais, havia um candidato com um argumento emocional – convincente ou não – para apresentar, e outro que não podia contra-argumentar de forma muito convincente. Foi essa a impressão que se teve internacionalmente. A vitória em si de Bolsonaro, portanto, não nos surpreendeu, embora haja uma surpresa emocional com relação a tudo o que ele diz. O interessante é que as declarações dele causam surpresa, mas não é surpreendente que ele as faça. Você pensa que ele vai dizer alguma coisa sobre sexualidade, por exemplo: "Sim, ele disse algo. Não estou surpreso. Uau! Estou surpreso que ele o tenha dito dessa forma".
O centro que o senhor dirige promoveu há poucos dias um painel intitulado "Beyond Populism: the rise of Bolsonaro in Brazil", no qual se discutiu o resultado da eleição presidencial brasileira. O que o senhor destacaria com relação a esse encontro?
Gareth Jones – O argumento presente no título do evento é o de que Bolsonaro está além até mesmo do populismo – além de Trump, de Orbán [Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria], etc. Lamentavelmente, eu estava em Cuba na ocasião, mas posso contar algo que ilustra a intensidade do interesse pelo tema. Reservamos para esse evento uma sala com capacidade para cerca de 70 pessoas. Normalmente, esperaríamos receber as 70 inscrições dentro de um ou dois dias. Em três horas, porém, já havíamos chegado a 70 inscritos e tínhamos outras 90 pessoas na lista de espera. Acabamos acomodando cerca de 120 pessoas na sala, apesar do regulamento contra incêndios. A discussão começou por volta das 18h30 e foi até as 21h30, muito depois do horário em que as luzes do nosso centro costumam se apagar. Voltando à eleição de Dilma, penso que um evento como esse atrairia um público significativo, mas relativamente identificável. O mesmo ocorreria com relação a Lula. Provavelmente teríamos de voltar a 1989 para atrair um grupo tão espontâneo como o de agora, formado não só por brasileiros ou pessoas interessadas no Brasil, mas por gente que, de alguma forma, enxerga o que está acontecendo no país como parte de um fenômeno que precisa de fato ser compreendido. Essa compreensão não é necessária para já, nem para o próximo ano, mas para daqui a meia geração, pois os efeitos [da eleição de Bolsonaro] serão sentidos no decorrer desse período.
Na contramão do Brasil, o México, país sobre o qual o senhor tem profundo conhecimento, acompanhou há poucos dias a posse de um político de esquerda no cargo de presidente. Que análise o senhor faz da vitória de Andrés Manuel López Obrador nas eleições mexicanas?
Gareth Jones – A eleição de AMLO permite uma comparação interessante com o Brasil e outros países ao redor do mundo. Há três eleições – ou seja, há 18 anos, no caso do México –, AMLO era o "malvado", o candidato de esquerda a ser evitado, visto como populista e considerado inelegível em um sistema baseado em política racional tecnocrática. Ele conseguiu transformar sua imagem mantendo, de modo geral, a mesma mensagem. Com isso, deixou de ser o "anti-isso", "antiaquilo", e passou a ser visto como um outsider racional, cuidadoso, experiente. Ele conduziu uma campanha eleitoral magnífica, muito organizada, detalhada e carismática. Em geral, as pessoas parecem tranquilas com relação à transição de AMLO da oposição, de uma postura populista, para o governo. Há preocupações na elite, mas o que ouço em privado é que a maioria está vendo que ele escolheu um ministério sensato e começou já em seus primeiros a lidar, como havia prometido, com um alguns assuntos sobre os quais há consenso na sociedade. Se olharmos para o México a partir do efeito Bolsonaro, veremos um contraste interessante com um presidente que é também um outsider, mas parece ter conhecimento do que faz e ser bastante confiável. As indicações iniciais são de que AMLO não está fora dos parâmetros da normalidade política. Acho que há uma quantidade razoável de esperança consciente em relação ao México neste momento. Há um nível de boa vontade, academicamente e no debate público. Até aqui, tudo bem.
Voltando ao tema dos seminários que a LSE realizará com a Unicamp e a PUC-SP: em que medida o senhor acredita que a recente explosão das taxas de violência no Brasil pode afetar o país do ponto de vista macroeconômico?
Gareth Jones – Não estudei o assunto a partir dessa perspectiva. Mas posso fazer uma comparação com a Colômbia, embora se trate de tipos muito diferentes de violência. Existe uma boa quantidade de dados que mostram que a violência afetou tanto o PIB, a riqueza da Colômbia, como a distribuição dessa riqueza e a vitalidade da economia. No caso colombiano, a violência, que era amplamente rural, semiurbana, atraiu a vitalidade da economia, durante 20, 30 anos, para certas cidades e certos setores dentro cidade. Isso obviamente teve efeitos negativos no resto do país, onde a violência se concentrava, no que se refere a orçamento público, empregos, etc. Trazendo para o Brasil, não creio que se possa fazer a mesma comparação empírica por causa da natureza da violência, que aqui é mais urbana. Mas acho que a mensagem é similar. A violência causa um impacto real sobre a distribuição da assistência pública. Dizem-me, por exemplo, que é impossível levar a assistência médica universal a certas áreas de São Paulo ou do país por causa da falta de segurança. Isso tem um impacto de longo prazo, intergeracional, que se traduz em números clínicos, índices epidemiológicos, taxas de mortalidade, diferenças de expectativa de vida entre populações, etc. Ou seja: não se trata só de pessoas sendo mortas ou feridas diretamente, mas também indiretamente, durante um período de 10, 20 anos. Além disso, a diferenças de expectativa e de qualidade de vida têm um efeito real de capital humano sobre o funcionamento da economia, decisões relativas a investimentos e produtividade, nível de risco que as pessoas assumem com seus orçamentos domésticos. Alguém que precisa gastar dinheiro com saúde ou outros bens públicos deixa de ampliar sua loja, de formalizar seu pequeno negócio.