Autor de dissertação de mestrado avaliou mais de mil empresas cafeeiras em 233 municípios brasileiros
Regiões brasileiras que passaram ou passam por um processo de especialização na produção de café, com nível tecnológico mais elevado e diferenciação em termos de qualidade de grãos e de bebida, apresentam uma gestão mais eficiente e obtêm produtos de melhor qualidade – caso das regiões de Ribeirão Preto, oeste da Bahia e Cerrado mineiro. Esta é a conclusão apresentada pelo economista Adriano Augusto Bliska na dissertação de mestrado “Indicadores de gestão dos arranjos produtivos cafeeiros no Brasil: Uma análise de correspondência múltipla”, orientada pelo professor Gustavo Oliveira Aggio, do Instituto de Economia (IE) da Unicamp.
O autor da pesquisa avaliou 1.122 empresas cafeeiras entre 2014 e 2017, em 233 municípios, sendo 795 minifúndios, 236 pequenas, 72 médias e 19 de grande porte. “Em função da crescente diversificação das estratégias competitivas no segmento cafeeiro, decorrentes da instabilidade dos preços do café, bem como da expansão do mercado de cafés especiais, este estudo analisa se a adoção de uma das estratégias genéricas de Porter [Michael Porter, renomado professor da Harvard Business School] por um empresário rural está relacionada com um sistema de gestão eficiente, e se esses resultados são perceptíveis nas principais mesorregiões cafeeiras brasileiras”, justifica Adriano Bliska na dissertação.
O professor Gustavo Aggio afirma que é preciso destacar a grande mudança ocorrida no mercado nos anos 1980 e 90, com o fim da interferência estatal na regulação da produção de café. “A liberalização impactou, a princípio, as produções mais vulneráveis, seja de pequenos produtores ou mesmo de grandes empresas que não estavam preparadas para a mudança. Do ponto de vista histórico, se o café chegou a ser o principal produto da pauta produtiva brasileira até antes da metade do século 20, hoje ele não tem a mesma importância. No entanto, o Brasil ainda é o maior produtor mundial, o maior exportador e, também, o maior consumidor – o mercado interno é um diferencial em relação a outros países produtores.”
Dados reunidos na dissertação dão conta de que a produção brasileira corresponde a aproximadamente 32,2% do volume de café produzido mundialmente, vindo depois o Vietnã (19,2%) e a Colômbia (9,4%). “No Brasil, a produção cafeeira ocorre em 190,5 mil propriedades rurais (IBGE, 2006), distribuídas em cerca de 1.500 municípios, sendo que 38% do volume de café são produzidos por agricultores familiares. Atualmente a produção se concentra em Minas Gerais, que responde por 59%, seguido pelos estados do Espírito Santo (17%), São Paulo (12%), Bahia (4%), Rondônia (3%) e Paraná (2%),” destaca o autor.
Adriano Bliska lembra que o mercado brasileiro de café sofreu uma forte regulamentação governamental durante décadas, sendo beneficiado por políticas agrícolas específicas quanto a preços e venda. No início dos anos 90, porém, deixou de vigorar o Acordo Internacional do Café (AIC), que garantia preços atrativos e estabilidade da oferta, e extinguiu-se o Instituto Brasileiro de Café (IBC). Estas mudanças, escreve o economista, levaram à desregulamentação do preço e absorção do risco pelos agentes da cadeia produtiva e à falta de coordenação estratégica do setor. O longo período de garantias fez com que a cafeicultura brasileira se especializasse no produto de baixa qualidade; finda a tutela estatal, os produtores depararam-se com um novo cenário caracterizado pelo acirramento da concorrência e queda nos lucros.
Segundo Gustavo Aggio, dentro deste processo, empresas cafeeiras buscaram não apenas uma, mas várias estratégias para minimizar os custos, através da melhoria de processos e introduções tecnológicas. “Mais recentemente, empresas vêm procurando aumentar a qualidade do produto, surgindo assim os cafés especiais, vistos pelos consumidores como produtos pelos quais vale a pena pagar mais, oferecendo ao produtor um retorno maior. As estratégias não são exclusivas umas das outras, pois mesmo empresas que produzem um café diferenciado, não se especializaram totalmente nesse produto especial, buscando processos mais eficientes também para elevar o lucro com o chamado café de commodity, mais homogêneo e que as pessoas compram mais pelo preço que pela qualidade. As duas atividades são complementares.”
Questionários
O autor da dissertação é filho de Flávia Maria de Mello Bliska e Antonio Bliska Júnior, ela do Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e ele da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp, que desenvolveram um projeto Fapesp cujo resultado foi um banco de dados gigantesco sobre o grau de gestão da produção nas regiões cafeeiras brasileiras – trabalho destacado pelo Jornal da Unicamp. Foi por meio desta ferramenta, denominada Método de Identificação do Grau de Gestão (MIGG Café), que Adriano Bliska elaborou os 1.122 questionários e obteve o nível de gestão das empresas; outra técnica, a Análise de Correspondência Múltipla (ACM), permitiu extrair e analisar as combinações das variáveis qualitativas.
As estratégias competitivas preconizadas por Michael Porter são relativas ao custo (produzir em grande volume para minimizar gastos de todo o processo), diferenciação (opção por investir na imagem e marca de um produto diferenciado) e foco (escolher segmentos ou nichos específicos por meio da diferenciação ou dos custos). “O questionário é bem extenso e traz um número grande de perguntas sobre gestão de resultados, armazenamento, questões técnicas e valorização dos negócios (ética, responsabilidade, certificação). Uma evidência extraída dos questionários é que as empresas que mais pontuaram no índice de gestão foram aquelas que utilizam as estratégias de minimização de custos e de busca de qualidade e diferenciação do seu produto”, informa o professor do IE.
O orientador da pesquisa afirma que foi identificado, por exemplo, que as mesorregiões de Ribeirão Preto e do oeste da Bahia são caracterizadas também pela produção de cafés de qualidade diferenciada, inclusive com certificação de origem. “A certificação é importante para que os consumidores construam suas preferências aceitando pagar mais pelo produto, com maior margem para o produtor. Os questionários apontam que essas duas regiões tinham níveis de gestão melhores. Basicamente, podemos reduzir as várias dimensões da pesquisa a duas: a primeira, relacionada à qualidade do produto, processos e eficiência econômica e operacional; e a segunda, referente a liderança, ética, pessoas e resultados.”
Aggio, que é professor de teoria econômica, costuma explicar aos alunos que há diversos vetores de boa gestão, podendo a empresa visar a minimização dos custos, maximização dos lucros, o seu crescimento ou mesmo a satisfação pessoal do empresário que ambiciosa produzir um vinho ou café premiado e reconhecido internacionalmente. “Acontece que em economia é preciso ter lucro. Quando ensinamos sobre maximização dos lucros, parece evidente que os gestores têm controle sobre isso, quando, no mundo real, muitos deles sequer conhecem esta informação. Por isso, temos instrumentos que analisam custos e as técnicas de melhores práticas – é a racionalização da gestão, para saber o que está acontecendo na produção.”
O docente da Unicamp cita outros vetores importantes, como a relação com funcionários ou fornecedores e a construção da reputação no mercado para que as transações ocorram mais naturalmente. “Tudo isso pode ser mapeado. Foi construído um índice de gestão com pontuação de 1 a 9: entre as notas altas, 19% das empresas consultadas obtiveram a máxima de 9, 16% tiveram 8 e 18% receberam 7 – mais de 50% ficaram na faixa de 7 a 9. Dentre as notas baixas, nenhum teve 1, enquanto 1% recebeu 1 e 4%, nota 3. Uma constatação interessante é que 46% das grandes empresas e 11% dos minifúndios tiveram a nota máxima, havendo, portanto, uma heterogeneidade entre tamanho da empresa e também entre regiões.”
Conforme Gustavo Aggio, o índice mostra que no grau mais elevado encontram-se pequenas e médias empresas situadas nas regiões de Ribeirão Preto, que tem tradição em café e em pecuária (considerando a possibilidade de produção conjunta), do Vale do Rio Doce e do extremo oeste baiano. “Existe uma inércia na produção brasileira de café, devido a uma marca construída mundialmente, um bom mercado interno (as pessoas não vão mudar esse hábito de consumo) e, agora, com os cafés especiais, que também podem virar produtos de exportação.”