Unicamp sedia o primeiro laboratório do país voltado a pesquisas que integram metabolismo e imunologia
A integração entre metabolismo e imunologia, duas disciplinas historicamente distintas, fez surgir nos últimos anos uma novíssima área na fronteira do conhecimento: o imunometabolismo. Nesta fronteira está o professor Pedro Manoel Mendes de Moraes Vieira, que criou o Laboratório de Imunometabolismo, o primeiro do país, no Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, onde ingressou há apenas três anos. Aos 38, ele é o único do Hemisfério Sul entre os 18 indicados mundialmente para o prêmio HelDi-Award, dedicado a jovens pesquisadores e organizado pela Helmholtz Zentrum Munchen – os dois vencedores serão escolhidos durante conferência sobre diabetes, em setembro, na Alemanha.
Pedro Vieira afirma que o crescente interesse pela área de imunometabolismo vem sendo alimentado pela epidemia global de obesidade e pelo achado recente de que esta doença afeta o sistema imunológico e promove a inflamação. “O que sabemos hoje é que mais da metade da população brasileira está com sobrepeso, o que é muita coisa, e que mais de 20% dessas pessoas estão obesas, ou seja, com índice de massa corporal (IMC) acima de 30. Temos um quadro comparável ao dos Estados Unidos e de outros países desenvolvidos, sendo que a China também já apresenta índices bem altos para obesidade e diabetes.”
Segundo o professor do IB, as terapias existentes são relativamente eficazes, mas durante muito tempo a parte imunológica foi negligenciada. “Quando o tecido adiposo em uma pessoa obesa se expande, pensamos apenas em gordura; ocorre que as células imunes também se expandem e podem representar mais de 50% do tecido – nesse caso, o obeso possui mais células imunológicas do que adipócitos, que são as células do tecido adiposo que acumulam a gordura. E ainda entendemos muito pouco sobre como o sistema imune modula esta expansão (inflamação) que acontece na obesidade.”
Pedro Vieira acredita que entendendo como a modulação de macrófagos ou de linfócitos, por exemplo, pode influenciar para a obesidade e a resistência à insulina (diabetes tipo 2), será possível chegar a novas terapias. “As terapias de hoje atuam principalmente nos adipócitos, ficando esquecidos os 50% de outras células ali presentes. Quando se tem a metade da população com sobrepeso, atingir uma glicemia acima de 120 não é muito difícil. Uma percentagem dessas pessoas tende a se tornar diabética em algum momento, fazendo crescer o número de doentes, sobretudo de diabetes infantil.”
Apesar do foco em diabetes, o pesquisador vai concorrer ao prêmio HelDi-Award com um conjunto de trabalhos desenvolvidos no Laboratório de Imunometabolismo que relacionam a obesidade também à regulação imunometabólica de doenças autoimunes como esclerose múltipla e doença de Crohn (que afeta o aparelho digestivo). “Uma contribuição é de que a obesidade leva a níveis aumentados de leptina, um hormônio associado ao consumo alimentar e à maior propensão de rejeição de órgãos por transplantados. O obeso se torna resistente à leptina, cuja função é inibir o apetite, e passa a comer cada vez mais. Portanto, a rejeição não se deve necessariamente à obesidade, e sim aos níveis elevados deste hormônio no sangue.”
Vieira vai demonstrar também que temos um fator no sangue responsável por transportar vitamina A para os diferentes tecidos e que, na obesidade, ele está aumentado. “O fator aumentado induz ao quadro de resistência à insulina encontrado em pessoas com diabetes tipo 2. Mostramos que essa proteína ativa os macrófagos residentes no tecido adiposo fazendo com que iniciem um processo inflamatório que agrava o quadro da doença. Outra contribuição é a descoberta em 2014 de uma família nova de lipídeos, juntamente com colegas de Harvard (Boston): esses lipídeos estão aumentados em pessoas com maior sensibilidade a insulina e diminuídos em diabéticos com resistência a insulina: animais obesos tratados com o lipídeo se tornam sensíveis a insulina, ou seja, se curam da diabetes tipo 2.”
O professor da Unicamp afirma que os lipídeos, em si, têm potencial para se transformar em medicamento – e seguros, pois são produzidos em nosso próprio corpo. “É possível oferecer lipídeos como suplemento oral para pacientes com diabetes. Mas ainda acho que o potencial maior está nas vias bioquímicas em células imunes que desconhecemos e que poderiam facilmente ser alvos terapêuticos. A partir do momento em que soubermos de sua importância, podemos intervir nessas vias e levar a uma melhora do quadro inflamatório do paciente, por exemplo.”
Perfil
Pedro Vieira é veterinário de formação e, já no primeiro semestre do curso da UnB, entrou para a iniciação científica atuando em laboratório de biotecnologia e imunologia molecular, lidando com anticorpos. “Sempre tive interesse na pesquisa acadêmica e a iniciação científica foi a ponte para que viesse fazer o mestrado em patologia no Incor [Instituto do Coração, da Faculdade de Medicina da USP], junto a pacientes transplantados. No doutorado em imunologia, também na USP, comecei a trabalhar com leptina e a estudar sobre como vias bioquímicas regulam a resposta imunológica.”
O interesse pelo imunometabolismo, contudo, foi ainda mais despertado em estágio no exterior, com o já falecido professor Terry Strom, em Harvard, onde também acabou contratado para o pós-doc no laboratório de diabetes da professora Barbara Kahn. “Como eu já tinha a bagagem em imunologia, utilizei esse conhecimento na parte de bioquímica e metabolismo. Havia pouquíssima gente trabalhando em imunometalismo e acabei trazendo essa área de conhecimento para o Brasil. Logo que passei no concurso para ingressar na Unicamp, entrei com o pedido de financiamento no programa Jovem Pesquisador Fapesp [para centros emergentes]. Já comecei financiado, o que foi muito bom.”
Premiação
O prêmio HelDi-Award, ao qual concorre Pedro Vieira juntamente com mais 17 pesquisadores considerados estrelas em ascensão no campo da diabetes, é concedido pelo Helmholtz Zentrum Müchen, centro de pesquisa alemão para saúde ambiental, que realiza sua sétima conferência anual de 23 a 25 de setembro, em Munique. O evento deste ano focará a conexão metabólica entre câncer, diabetes e outros componentes da disfunção metabólica. Os dois melhores trabalhos serão escolhidos por uma banca de pesquisadores altamente renomados internacionalmente.
Pedro Vieira considera que só o fato de ter sido indicado para o prêmio já é muito importante, ainda mais como o único pesquisador representando o Hemisfério Sul. “Nós temos melhorado nos últimos dez anos em termos de qualidade, mas em competitividade ainda ficamos bem aquém. O financiamento é muito menor, o que reflete diretamente na pesquisa e faz com que América do Norte e Europa tenham grupos na área de diabetes altamente competitivos. Meu grupo no Laboratório de Imunometabilismo é de 16 pessoas, sendo que três alunos de pós-graduação estão agora em estágios em laboratórios do exterior, tentando, justamente, fazer o que temos limitação de fazer aqui.”