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Mães e filhos com deficiência se reencontram na dança

Metodologia desenvolvida na Faculdade de Educação Física trabalha significados e relações por meio do movimento

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A maternidade, mesmo com todo seu esplendor, pode ser, também, um momento crítico na vida de muitas mulheres. Seja no próprio corpo, ou na estrutura da vida cotidiana, as modificações causadas pela chegada dos filhos são profundas. No caso de mães de crianças com deficiência, os cuidados e os acompanhamentos em terapias, consultas médicas e atividades específicas revelam um quadro ainda mais exigente. A frequência dos relatos de mães que passaram a dedicar-se inteiramente aos filhos e a escassez de atividades voltadas ao autocuidado e lazer dessas mulheres levaram Keyla Ferrari a destinar a elas seu doutorado. A pesquisa foi desenvolvida na Faculdade de Educação Física (FEF) da Unicamp, sob orientação de Paulo Ferreira de Araújo.

Keyla Ferrari, bailarina e pedagoga, colocou as mães juntamente com seus filhos com deficiência para dançar. Os resultados ultrapassaram o prazer e a ludicidade da prática, produzindo movimentos expressivos de leveza, criatividade e expressão artística singulares. De um grupo de mães que nunca tinham dançado, algumas passaram a atuar profissionalmente atuando com seus filhos e dando palestras.

Foto: Perri
Keyla Ferrari, autora da pesquisa: “Uma cadeira de rodas girando é muito leve, muito bonita, e quebra esse paradigma de deficiência como algo pesado,  como algo ruim,  como incapacitante”

“Antes eu era mãe da fulana. Agora sou fulana de tal, bailarina. Não sou mais aquela pessoa que empurra uma cadeira de rodas. Eu tenho identidade”, relata a pesquisadora, na fala de uma das participantes.

O impacto do trabalho na autoestima das mães, bem como na compreensão familiar do significado social da deficiência, foram surpreendentes de acordo com a pesquisadora.A questão do autoconceito, que eu já tinha percebido durante o mestrado, no universo dos bailarinos cadeirantes, agora apareceu nas mães. Ser aplaudido,  fazer uma coisa bonita e ter orgulho de dizer: fiz, fui aplaudida e meu filho também!”, contou Ferreira. 

De acordo com Keyla, a prática teve efeito também sobre as concepções negativas e limitantes da deficiência, ao mostrar possibilidades estéticas dentro desse universo.  “Uma cadeira de rodas girando é muito leve, muito bonita, e quebra esse paradigma de deficiência como algo pesado,  como algo ruim,  como incapacitante”, explicou.

Os diferentes tipos de deficiência presentes nos grupos também buscaram contribuir para romper o isolamento de filhos e mães. “A maioria das crianças com Síndrome de Down faz aulas apenas com crianças com Síndrome de Down. A mãe, por sua vez, também conhece apenas aquelas mães. Há muito pouco contato com realidades de outras deficiências”, relatou.

Keyla Ferrari tomou como base a Metodologia de Contato e Improvisação, do coreógrafo norte-americano Steve Paxton, e a adaptou para mães e filhos com deficiência. “A dança contato ou contato improvisação é uma metodologia que permite a qualquer pessoa se exercitar, independente de sua idade ou corpo físico. Como não é uma metodologia rígida, permite fazer adaptações e colocar sua cara”, explicou.

A proposta metodológica de Ferreira incluiu elementos da dança criativa, com a introdução de objetos cênicos, que cumpriam ao mesmo tempo função estética e terapêutica. “Os objetos cênicos dão forma à coreografia,  dão sentido na dança e no teatro.  Em terapia, são chamados de elementos terapêuticos, porque fazem com que a criança interaja com a cor, a forma, a textura. Uma bola, por exemplo, pode ser ao mesmo tempo um objeto cênico, pois vai dar características à coreografia e atuar como elemento terapêutico, motivando o movimento”, relatou. Entre os elementos usados, além da bola, a pesquisadora destacou o tecido, a cadeira e a água.

A metodologia elaborada por Keyla parte primordialmente do conhecimento sensível da mãe sobre o corpo do filho, buscando de alguma forma resignificá-lo através da dança. “A mãe faz tanta força para carregar, dar banho, levar a terapia, trocar... Por que não utilizar esse conhecimento do corpo do filho para dançar com ele?  A dança torna esse conhecimento mais leve, mais o lúdico”, conta.

De acordo com Ferreira, sua proposta metodológica mantém a mesma flexibilidade do contato improvisação, podendo ser recriada e adaptada a outras realidades e populações. 

O instrumento de investigação utilizado por Keyla Ferrari foi de pesquisa qualitativa, por meio de entrevistas, práticas, observação e grupos focais, de dois grupos de mães e filhos com deficiência. O primeiro grupo era composto por mães que já tinham se juntado aos filhos nas práticas de dança ministradas por Keyla, no CIS-Guanabara. O segundo, para quem a dança era uma novidade quase absoluta. Na interação entre eles, a pesquisadora estruturou sua metodologia e pontuou os resultados de sua utilização.

 

 

Imagem de capa JU-online
Imagem em perfil e de corpo inteiro, duas mulheres ao centro da imagem, uma com olhar fixo para a outra, sendo que a da esquerda está em cadeira de rodas e mantém o braço direito esticado para a frente, dando a mão à outra mulher que se encontra à frente dela, abaixada e com o joelho esquerdo encostado no chão. Elas realizam movimento de dança. A mulher na cadeira de rodas usa vestido longo com estampas abstratas nas cores vermelho, preto e branco, e a outra calça legue preta e camiseta preta. Imagem 1 de 1

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