Trabalho abre perspectivas para ação interdisciplinar que oferece segurança para as equipes pedagógicas e amplia seus campos de atuação
Face aos imperativos da vida moderna, os bebês são cada vez mais encaminhados pelos pais para creches e berçários a partir dos primeiros meses de vida. É consenso entre os especialistas que a educação infantil, que ocorre do zero aos cinco anos, é fundamental no desenvolvimento da aprendizagem e na formação da personalidade que se dá com a interação da criança com o meio ambiente. Constatações como estas levaram o Departamento de Educação Física e Humanidades, da Faculdade de Educação Física (FEF) da Unicamp, a criar o Grupo de Estudos de Educação Física no Desenvolvimento Infantil (GEEFIDI), que teve início em 2007, coordenado pelo professor Ademir De Marco, que mantém linhas de pesquisas orientadas para a educação infantil.
Em seu bojo está inserido o projeto da Sala Cri Cri – Espaço para a criança criar, sigla alusiva à criança e a criar e que tem como símbolo o grilo, destinado a crianças de seis meses a cinco anos. Nele são investigadas as possíveis ações do professor de educação física na educação infantil, sob a perspectiva interdisciplinar, com vistas a intervenções em parceria com professores da área. Constitui também seu intuito criar materiais complementares, introduzir jogos e brincadeiras e montar ambientes adaptados para as atividades motoras no âmbito desse segmento educacional.
Os estudos orientados pelo docente, psicólogo de formação, responsável pela disciplina Educação física na educação infantil do curso de licenciatura da FEF, envolvem trabalhos de conclusão de curso, pesquisas de iniciação científica, dissertações de mestrado e teses de doutorado. Nesse contexto, se inclui o mestrado do educador físico Geovane Silva Ramirez que, se valendo do projeto Cri Cri, aborda ambiente e materiais como recursos pedagógicos para o desenvolvimento de bebês dos seis aos 24 meses. No estudo foram investigadas estratégias para a criação de ambiente mais adequado e que oferecesse materiais para exploração sensorial e motora dos bebês. Houve ainda a preocupação com a integração do professor de educação física junto às equipes pedagógicas que atuam nessa área em que as experiências interdisciplinares informais se dão mais comumente com professores de música, de dança, de artes e até de biologia, mas raramente ocorrem com educadores físicos.
A pesquisa envolveu planejamento, confecção e instalação dos materiais para a Sala Cri Cri em uma instituição de educação infantil; a análise das interações dos bebês com os materiais; a verificação das possibilidades de suas utilizações; a realização de atividades para a interação materiais-bebês; a programação de intervenções e interações pedagógicas interdisciplinares com todos os profissionais envolvidos nos cuidados e nos desenvolvimentos dessas crianças.
Giovane conta que começou a trabalhar com bebês de seis meses a dois anos de idade já na graduação, quando ingressou no grupo de pesquisa do professor De Marco, contemplado com a Bolsa Auxílio Estudo Formação (BAEF), oferecida pelo Serviço de Apoio ao Estudante (SAE) da Unicamp e destinada a alunos no final da graduação. A propósito, diz ele: “Foi quando me dei conta de que havia muitos questionamentos em relação aos materiais pedagógicos empregados, normalmente disponibilizados e comercializados para esse segmento, quanto aos melhores momentos e maneiras de utilizá-los e de como deveriam ser pensados e confeccionados. Decidimos então analisar as formas mais adequadas de propô-los, procurando estudar as interações dos bebês e dos professores com eles e também de como poderia ser estabelecido o processo de interação do profissional de educação física com as equipes de pedagogos”.
Percepções
A metodologia utilizada centrou-se na análise qualitativa descritiva e na pesquisa-ação da qual participaram 87 bebês entre seis a 24 meses e 20 professores de creche de uma universidade estadual do interior do Estado de São Paulo. Foram realizadas 224 sessões práticas com as crianças. A interação do educador físico com a equipe pedagógica contribuiu para a estruturação de um espaço físico e a elaboração de materiais que possibilitaram aos bebês conhecer o mundo através da exploração sensorial, motora e da socialização. Concluiu-se ainda que a escolha dos materiais deve ter como base ao menos três parâmetros: segurança – para impedir acidentes; higiene – para evitar contaminações; e funcionalidade – para garantir o desenvolvimento sensorial e motor. Para tanto, devem ser pensados, confeccionados e organizados de maneira a atrair a atenção dos bebês com a utilização de grande variedade de cores, formatos, tamanhos, aromas, sabores e sons, proporcionando um ambiente aconchegante, acolhedor e desafiador.
Nesse contexto, afirma o pesquisador, a percepção foi a de que ao professor de educação física, além de orientar as tarefas programadas, deve também contribuir para o planejamento do ambiente e para a escolha dos materiais e do momento mais adequado para seu uso. Durante as atividades ele pode ainda auxiliar o bebê em seus manejos e promover sua comunicação e interação com o meio, facilitando sua exploração, experimentação, observação e ressignificação do mundo por meio de vivencias sensoriais – visão, audição, tato, olfato, paladar e cinestesia e motoras – apoio, sustentação, equilíbrio, deslocamento e manipulação de objetos. O desenvolvimento desse processo foi possível em decorrência da intervenção prática e integrada da equipe pedagógica, da participação do educador físico e dos demais funcionários envolvidos no atendimento dos bebês.
O professor Ademir acrescenta: “Interagindo com os profissionais da pedagogia, percebemos que a educação física dispõe de recursos do circo, da ginástica, de lutas, perfeitamente adaptáveis à educação infantil, mas as pedagogas sentem-se inseguras em utilizá-los. Para transmitir-lhes segurança pensamos na montagem da Sala Cri Cri que dispõe de tatame e materiais espumantes, montada com recursos conseguidos junto à Capes. Concluída a pesquisa, a sala e os objetos criados ficam para uso da escola”.
Com o desenvolvimento de novos elementos pedagógicos, o grupo de pesquisa procura mostrar que é possível criar novos objetos, com as funcionalidades desejadas e com os recursos já existentes na própria escola, o que é particularmente significativo no sistema público em que os recursos são mais escassos. Além do que, os materiais disponíveis no mercado acabam muitas vezes limitando a ação dos professores que, com a autonomia da criação de objetos próprios, ampliam o leque de oportunidades de uso e, mais importante, se dão conta de que têm condições de elaborá-los.
Em decorrência das interações consolidadas no decorrer no trabalho, o docente considera promissora a participação do educador físico na formação continuada de todos os profissionais envolvidos na educação infantil: “As professoras vivenciaram experiências que não tiveram nos cursos de pedagogia e esse me parece o ponto crucial das parcerias que mantemos com escolas. Além do que, o educador físico pode garantir formação continuada do professor, transferindo segurança e abrindo caminho para novas experiências. Na verdade, trata-se de um percurso de duas vias, pois nas trocas de experiências aprendem e ganham todos, professores de educação física e pedagogos”.
Considerações
A partir do estudo o autor infere que, para atrair a atenção dos bebês, os espaços e os materiais devem ser pensados, confeccionados e organizados em diferentes cores, formatos, texturas e conjugados a diferentes sons. Em suas elaborações devem ser considerados os aspectos funcionais, ligados aos estímulos desejados; higiênicos, para evitar contaminações por microrganismos e a disseminação de doenças; de segurança, com vistas a prevenir acidentes, principalmente quedas em superfícies duras e com objetos que possam ser engolidos; e criação de um ambiente aconchegante, acolhedor e desafiador.
Esse arcabouço propicia que o professor de educação física, por meio de propostas interdisciplinares, proporcione experiências que permitem aos bebês o desenvolvimento de suas próprias relações com o movimento de forma que experimentem seus diferentes sentidos e significados, ampliando suas experiências motoras e sensoriais.
É verdade, lembra Geovane, que inicialmente houve certo estranhamento das professoras que provavelmente não entendiam o papel de um profissional de educação física naquele espaço, mas aos poucos e em sucessivas reuniões a interação foi ocorrendo e culminou em um trabalho efetivamente interdisciplinar em que, de alguma forma, participaram todos os colaboradores da instituição, a nutricionista, a equipe da cozinha, a enfermeira, o pessoal de limpeza, cada qual contribuindo para que tudo pudesse ser desenvolvido de acordo com a programação elaborada conjuntamente.
As ações interdisciplinares possibilitaram concatenar a teoria pedagógica com a prática do cotidiano, ampliando a elaboração e realização de propostas com conteúdos sensoriais, motores e de socialização. Nesse contexto, o educador físico atuou também como agente na busca de novas estratégias para o planejamento pedagógico, facilitadas pelo uso da Sala Cri Cri. Verificou-se, ainda, que o professor de educação física pode mediar as tarefas programadas, orientar a escolha dos locais de suas realizações e dos materiais e equipamentos e suas construções.
Geovane conclui: “O estudo nos permitiu constatar que, mesmo quando o educador físico não participava ativamente das atividades com os bebês, ele atuava como agente provocador e desafiador na busca de novas estratégias para o planejamento pedagógico. O diálogo entre as áreas de educação física e pedagogia possibilitaram a ampliação da compreensão de cada tema abordado, contribuindo para o desenvolvimento integral dos bebês e promovendo a comunicação/integração deles com os mediadores e com o meio ambiente”.