Participação no maior laboratório de física de partículas do mundo favoreceria o desenvolvimento da ciência e da indústria nacionais
O Brasil reafirmou no final de junho o interesse em participar como país membro do Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (CERN, na sigla em inglês), o maior laboratório de física de partículas do mundo. A manifestação foi feita pelo ministro Marcos Pontes, que visitou aquele núcleo de pesquisa juntamente com uma missão diplomática do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). Para o professor Jun Takahashi, do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) da Unicamp, que que também esteve no CERN na ocasião, caso seja confirmado, o ingresso do Brasil como país membro do laboratório deve trazer uma série de vantagens tanto para a ciência quanto para a indústria nacionais.
As negociações para a admissão do Brasil como membro do CERN tiveram início há alguns anos. Com a visita de Pontes ao laboratório, a expectativa é que os trâmites sejam acelerados. O Centro foi fundado em 1954. Atualmente, conta com 23 países membros. O laboratório é dotado de seis aceleradores de partículas, sendo que o maior deles, batizado de LHC, foi colocado em operação em 2008. O equipamento tem 27 km de circunferência e foi construído a mais de 100 metros de profundidade, nas proximidades de Genebra, na fronteira entre Suíça e França.
De acordo com Takahashi, os pesquisadores brasileiros já utilizam os recursos disponíveis no CERN. Ocorre, porém, que essa participação é a título de colaboração. Caso venha a se tornar um país membro do laboratório, o Brasil passará a ter algumas prerrogativas. “De acordo com os estatutos da organização que administra o CERN, somente as empresas de países membros podem atuar conjuntamente em pesquisas desenvolvidas no laboratório e comercializar os produtos por elas gerados. Este é um ponto importante e sobre o qual o ministro Marcos Pontes demonstrou bastante interesse”, informa o docente do IFGW-Unicamp.
Takahashi dá um exemplo hipotético de como a indústria brasileira poderia se beneficiar da participação mais efetiva do Brasil no centro de pesquisa. Ele lembra que o país detém a maior reserva mundial de nióbio, metal utilizado, por exemplo, na produção de imãs supercondutores, como os que compõem o acelerador LHC. “Se uma empresa nacional se interessasse em desenvolver uma nova geração de imãs supercondutores, ela poderia se valer tanto do ferramental quanto do conhecimento compartilhado proporcionado pelo CERN”, infere.
Além disso, como país membro, o Brasil também poderia ter seus cientistas contratados para trabalhar no laboratório, bem como teria direito a um dado número bolsas destinadas a docentes, pesquisadores e estudantes de pós-graduação. “Atualmente, nós temos acessos a algumas bolsas, mas o número é bem inferior que o destinado aos países membros”, esclarece Takahashi. Outra vantagem gerada por um possível novo status do país no laboratório é que a troca de conhecimentos entre os diferentes grupos de pesquisas, que já ocorre, seria intensificada.
Como usuário do CERN há vários anos, Takahashi conhece bem o ambiente do laboratório. Segundo ele, um dos aspectos mais importantes é a forma colaborativa como os projetos são tocados. “Nós fazemos ciência com a participação de especialistas de diferentes países. O mais interessante dessa diversidade é que cada pessoa tem uma visão diferente em relação a um determinado problema, o que faz com que as soluções surjam de maneira mais criativas”, entende. O professor do IFGW-Unicamp integra um projeto de pesquisa denominado ALICE, que reúne cerca de mil físicos e técnicos de 30 países. O experimento tem por objetivo promover e analisar colisões de íons pesados. As informações relativas a essas colisões são captadas por meio de diferentes tipos de detectores internos, que possibilitam que os pesquisadores observem os fenômenos causados no interior do experimento.
Tanto o ALICE quanto os demais projetos em andamento no CERN têm uma missão que não tem nada trivial: elucidar enigmas como “o que é a matéria?”, “do que é feita a matéria?”, “qual a origem da matéria?” e “o que aconteceu com a antimatéria do universo?”. Dito de outro modo, o que os cientistas procuram é decifrar fenômenos intimamente ligados à origem do universo e, consequentemente, da espécie humana. Nesse aspecto, o CERN se diferencia em boa medida do Projeto Sirius, que está em construção em Campinas. O laboratório brasileiro também é dotado de um acelerador de partículas. O equipamento, que emite luz sincrotron, funciona como um microscópio gigante.
Ao incidir a luz sobre um determinado material, os pesquisadores têm como analisar a sua estrutura molecular, atômica e eletrônica, o que abre perspectiva para a realização de pesquisas em praticamente todas as áreas do conhecimento, com potencial para resolver alguns dos grandes problemas da atualidade. “Eu diria que o Sirius e o CERN são laboratórios complementares. O primeiro está mais voltado à pesquisa de base. Nossa maior preocupação é entender as leis fundamentais da natureza. Já o segundo é mais dirigido à pesquisa aplicada. Penso que a tendência é que, caso o Brasil assuma a condição de país membro do CERN, as colaborações já existentes entre os dois centros de pesquisas se tornem ainda mais frequentes”, antevê Takahashi.