Linha de pesquisa do IEL-Unicamp investiga os diferentes aspectos envolvidos na elaboração de artigos científicos
A produção de um artigo científico exige o domínio de diferentes competências por parte do autor. Uma das premissas a serem atendidas é a compreensão de que a escrita acadêmica deve ser antes de tudo estratégica, além de técnica e objetiva. A afirmação é da professora Inês Signorini, do Departamento de Linguística Aplica do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp. “O artigo científico é a ponta de um longo processo, que tem início com as primeiras anotações sobre o projeto, passa pelas relações dentro do grupo de pesquisa e com as redes internacionais e culmina com a compreensão sobre as características tanto da revista na qual se pretende publicar quanto do público que a lê”, explica a docente.
A professora Inês coordena uma linha de pesquisa sobre Letramento Acadêmico, que tem como interface a linguagem. De acordo com ela, há uma corrente que considera que a escrita e a leitura estão essencialmente relacionadas com a questão cognitiva. A premissa é a de que o sujeito que pensa bem, escreve bem. “Nas teorias de letramento, o aspecto cognitivo está presente, mas não é o único elemento considerado. Há outros pontos a serem analisados, todos eles permeados pela prática da escrita” assinala.
O cientista, continua a docente, é composto pela escrita que produz e consome, pelas relações profissionais que estabelece e pelo conhecimento que detém sobre o segmento em que atua, entre outros tantos pontos. “Existe a tendência de se pensar que o cientista bem-sucedido é aquele que pensa bem, e por isso se destaca. Segundo essa visão, a competência pertenceria exclusivamente ao plano individual. Entretanto, não é assim que as coisas funcionam na prática. O pesquisador está inserido num processo que lhe escapa como indivíduo”, afirma a professora Inês.
Para tornar essa ideia mais clara, ela oferece um exemplo real. Um pesquisador com considerável experiência submeteu um artigo a uma importante revista cientifica. Os pareceristas deram retorno com críticas relacionadas à estrutura do texto. O problema apontado estava ligado ao uso do idioma inglês. A informação contida no trabalho, embora de interesse, não estava sendo apresentada, em termo formais, como deveria. A conclusão do grupo de pesquisa foi que a maneira mais rápida de superar aquele entrave era convidar um nativo para se tornar coautor do artigo e assumir a revisão do texto.
Ocorre que esta pessoa, obviamente, tinha que estar envolvida com o grupo de pesquisa e com o tema investigado. “Ou seja, o episódio demonstra que o cientista precisa cada vez mais estar inserido nas redes internacionais de pesquisa, que podem facilitar o processo de publicação. Essa interação, porém, não acontece do dia para a noite. Ela é resultado de anos de investimento”, detalha a docente do IEL. Dentro do tema Letramento Acadêmico, a professora Inês tem trabalhado mais frequentemente com estudantes de graduação e pós-graduação do curso de Letras, embora demandas de outras áreas estejam surgindo.
Nesse contato, a especialista diz ter identificado que os autores de artigos cumprem um caminho inverso do recomendado. Primeiro eles escrevem o trabalho para depois pensar em que periódico publicar. “Também nesse aspecto é preciso ser estratégico. A escrita tem que ser produzida em função da revista. Você precisa analisar o perfil da publicação, o seu público e quais os assuntos que têm merecido mais destaque. Em outras palavras, é preciso identificar o que interessa àquela publicação e aos seus leitores. Esta é uma leitura em altíssimo nível, que dificilmente será feita de forma isolada. É uma prática que tem que ser feita pelo conjunto do grupo de pesquisa, através de discussões e trocas de experiências.
Produzir um artigo científico, prossegue a professora Inês, exige o cumprimento de diversas etapas. Uma delas pode ser comparada ao ingresso num dado mercado. Nesse sentido, não basta ao interessado expor sua mercadoria e esperar pela manifestação do consumidor. “O processo é muito mais complexo. No caso do cientista, ele vai competir com seus pares. Assim, para publicar um artigo, ele precisará conhecer quais são as regras daquele ‘mercado’, que ‘produtos’ têm maior aceitação e quem vai consumi-los. É por isso que a escrita é estratégica. Quando falo em escrita, não estou me referindo somente à língua, à gramática. Também estou falando sobre gênero, geopolítica, relevância de temas etc. É preciso conhecer bem todos os aspectos do jogo, para que você possa jogar bem”, pondera.
Em ambientes de formação de pesquisadores, conforme a docente do IEL, há muita contrariedade por parte dos autores quando recebem pareceres com críticas aos seus artigos, que por vezes são rejeitados para publicação. “Os pesquisadores ficam melindrados, mas deveriam tirar proveito disso. O caminho é reescrever o artigo e, eventualmente, submeter a outra revista. A tendência é de que o trabalho ganhe em qualidade e seja aceito na segunda tentativa. É preciso encarar essa experiência como um processo de aprendizagem”, defende.
Esses e outros aspectos relacionados com o Letramento Acadêmico serão trabalhados pela professora Inês no Workshop de escrita científica, que ela ministrará nos dias 13 e 19 de agosto, dentro do projeto Espaço da Escrita, mantido pela Pró-Reitoria de Pesquisa (PRP) da Unicamp. No primeiro dia, será trabalhada a parte teórica, a partir de quatro eixos: Situação da escrita acadêmica em tempos de internacionalização; Comunidades de produção e consumo de conhecimento válido ou publicável; Convenções e práticas de produção e consumo de conhecimento válido ou publicável e Convenções e práticas de elaboração do artigo científico em revistas valorizadas.
No segundo dia, os participantes terão a oportunidade de desenvolver exercícios de preparação e desenvolvimento de resumos e planos de escrita de artigo científico em função dos conhecimentos adquiridos na primeira parte do curso e de experiência de produtor e consumidor de artigos em sua área específica. As inscrições para o workshop estão encerradas.