Posição foi manifestada pelo presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC) durante workshop promovido pelo IMECC-Unicamp
O Brasil precisa definir uma agenda nacional de desenvolvimento, que deverá necessariamente ser baseada no avanço da ciência, da tecnologia e da inovação no país. No mundo atual, esse fator é essencial para o progresso das nações. A afirmação foi feita por Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC). O físico esteve na Unicamp para participar do workshop “O cientista do Século XXI”, promovido nos dias 15 e 16 de agosto pelo Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (IMECC), com o apoio de diversas instituições.
De acordo com Davidovich, para a elaboração dessa agenda nacional primeiramente será necessário identificar prioridades para o incremento científico e tecnológico do país, que possui riquezas ainda inexploradas. Ele citou como exemplo a biodiversidade brasileira, que representa perto de 20% do patrimônio natural mundial. “Nós conhecemos somente 5% dessa biodiversidade, que pode ser base para projetos importantes na área de biotecnologia, como a produção de novos fármacos. Temos que considerar que o Brasil já conta com uma estrutura que favorece essa estratégia. Nós temos um amplo mercado consumidor para os remédios a serem produzidos, que podem ser utilizados pelos SUS [Sistema Único de Saúde]. Isso fecha o ciclo”, apontou.
Esse tipo de estratégia, continuou o presidente da ABC, contribuiria também para a redução do desmatamento da Amazônia e agregaria valor à balança comercial brasileira. “Outro exemplo são as energias renováveis. O Brasil tem vocação e grandes potencialidades para fazer mais nessa área. A ciência brasileira já fez muito pelo país. O pré-sal e a Embraer não existiriam sem essa ciência. A Embrapa enriqueceu o Brasil graças a essa ciência. Chegamos a um ponto em que é preciso encontrar grandes projetos para o desenvolvimento do país, para aumentar o seu protagonismo internacional e para beneficiar a população brasileira”, defendeu Davidovich.
O cientista reconheceu, porém, que essas tarefas enfrentarão dificuldades, notadamente por causa do momento atual, no qual as agências de fomento, as universidades e os institutos de pesquisas enfrentam ataques e cortes significativos de recursos. “Certamente a ciência enfrenta uma grande ameaça com os cortes sucessivos de verbas, que ocorrem há alguns anos. Este ano, tivemos um contingenciamento de 42% no orçamento do MCTIC [Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações], que tem prejudicado o desenvolvimento científico do país. Além disso, o CNPq [Conselho Nacional de desenvolvimento Científico e Tecnológico] está ameaçado em sua própria existência”, lembrou o presidente da ABC.
No dia 18 de agosto, o Conselho Deliberativo do CNPq divulgou carta aberta ao governo federal e ao Congresso, na qual reivindica o aporte imediato de recursos suplementares da ordem de R$ 330 milhões, para que órgão possa cumprir os seus compromissos, entre eles o pagamento de bolsas desde a iniciação científica até a pós-graduação. “Esse montante não é nada comparado com o orçamento nacional. A situação do CNPq reflete, a meu ver, uma insensibilidade da área econômica do governo com um setor que é importantíssimo para o desenvolvimento do país”, afirmou Davidovich.
O físico considerou que, no contexto de defesa da ciência brasileira, é fundamental que a comunidade acadêmica reflita sobre a importância de aprimorar o diálogo com a sociedade. “Nós, pesquisadores e professores, temos que divulgar nossos trabalhos, no sentido de mostrar que os recursos públicos estão sendo bem utilizados e que trazem benefícios para a sociedade e para o avanço do país. A primeira responsabilidade em relação a essa aproximação é nossa. Obviamente, nós gostaríamos que os órgãos de imprensa também dessem maior espaço para essa divulgação”.
Na opinião de Davidovich, é essencial que a sociedade brasileira tenha maior entendimento em relação às questões da ciência, não apenas para que ela apoie o sustento das instituições públicas de pesquisa, mas para que possa analisar temas que são cada vez mais importantes para a vida do país. “Isso fortalece a democracia, na medida em que fortalece a compreensão da população sobre questões relativas à produção de energias alternativas, produção de fármacos e outros projetos que, eventualmente, tenham que passar pelo Congresso Nacional”.
Fosso
Sônia Baó, diretora de Avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), agência vinculada ao Ministério da Educação, também participou do workshop promovido pelo IMECC. De acordo com ela, um dos desafios a serem vencidos para o avanço da CT&I no Brasil é a redução do fosso existente entre a academia e a indústria. “Nós precisamos ampliar a transformação do conhecimento em algo que realmente faça a diferença no desenvolvimento da nossa sociedade. Essa é a visão de futuro que devemos cultivar, sem nunca nos esquecermos que a ciência básica é que vai garantir essa aplicabilidade”.
A diretora de Avaliação afirmou que a Capes está se preparando para atuar dentro desse cenário. A agência deverá promover mudanças na avaliação dos programas de pós-graduação do país. Propostas nesse sentido ainda estão sendo avaliadas. “Tem duas coisas que não podemos deixar de fazer: formar mestres e doutores qualificados e garantir que essa formação gere conhecimentos adequados às respectivas áreas. Esse conhecimento pode ser materializado na forma de livro, artigo, patente, produto artístico, produto tecnológico, entre outros”.
Além disso, acrescentou Sônia, a Capes tem como meta ampliar a internacionalização dos programas de pós-graduação. “Uma das questões a serem analisadas é: eu preciso internacionalizar os 7 mil programas existentes ou posso ter programas voltados para resolver problemas regionais? Outra pergunta: o conhecimento que estamos produzindo é incorporado pela sociedade, ou seja, está produzindo impactos positivos na vida dos brasileiros? Esses aspectos precisam ser devidamente aferidos”, disse.
Questionada se a Capes corre o risco de enfrentar os mesmos problemas orçamentários vividos pelo CNPq, Sônia disse não acreditar nessa possibilidade. “A Capes teve algum contingenciamento. Das 100 mil bolsas que oferecemos, foram recolhidas cerca de 6 mil, que estavam sem ser utilizadas. Então, o impacto foi pequeno. Isso não mudou essencialmente os nossos projetos”, assegurou a diretora de Avaliação da agência.