Estudo desenvolvido no Instituto de Geociências demonstra os efeitos do rompimento da barragem de Fundão
O Rio Doce, localizado nos Estados de Minas Gerais e Espírito Santo, é um dos cursos d’água mais importantes da região Sudeste brasileira, com uma bacia hidrográfica que incorpora 184 municípios. Em novembro de 2015, ele sofreu o maior impacto socioambiental de sua história, quando a barragem de Fundão, em Mariana (MG), rompeu e despejou em suas águas cerca de 60 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração. Em poucos dias essa lama atravessou 600 km extensão, chegou à Vila de Regência no município de Linhares (ES) e finalmente atingiu a foz do rio no oceano Atlântico.
Além desse desastre provocado pela ação humana, eventos naturais também impactaram a qualidade da água na foz do Rio Doce, mas com efeitos bem diferentes do primeiro caso. Essa é a conclusão de um artigo publicado recentemente no periódico Science of the Total Environment, de autoria de Keyla Coimbra, aluna do doutorado em Geociências do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp e de seus orientadores, os professores Carlos Roberto de Souza Filho (IG/Unicamp) e Enner Alcântara, do Instituto de Ciência e Tecnologia da Unesp de São José dos Campos.
O estudo integra a tese de Keyla sobre os efeitos do colapso da barragem no Rio Doce. Foram utilizados dados de sensoriamento remoto para comparar as alterações causadas pelo desastre em Mariana e por chuvas intensas sobre o campo de luz na água na foz do rio. Componentes opticamente ativos (que interagem com a radiação eletromagnética) presentes na coluna d’água podem espalhar ou absorver a energia em determinado comprimento de onda. O balanço entre o que é espalhado e o que é absorvido permite inferir como o sistema aquático reflete a energia que incide sobre ele. Esses componentes são o fitoplâncton, o material particulado em suspensão, a matéria orgânica dissolvida colorida. além de outros detritos.
Inicialmente, a ideia da pesquisa era verificar apenas a alteração na concentração de matéria particulada em suspensão na superfície da água após o colapso da barragem. Entretanto, quando os pesquisadores começaram a organizar a série de dados históricos sobre a bacia do Rio Doce, foi constatado que, em determinados anos, também ocorrem precipitações acima da média na bacia, produzindo inundações significativas, como aquela ocorrida em dezembro de 2013. “Constatamos que essa chuva intensa de 2013 também produziu o carreamento de uma grande quantidade de sedimentos para a foz do Rio Doce. Daí surgiu a motivação de comparar os efeitos dessa chuva intensa com o evento de Fundão”, relata Keyla.
Como resultado, o estudo constatou que em ambos os eventos a pluma de sedimentos do rio alcançou grandes proporções e alterou significativamente os parâmetros bio-ópticos da água. Entretanto, na inundação de dezembro de 2013, a situação foi regularizada gradualmente e de forma natural poucos meses depois do ocorrido. Em contraste, os efeitos do rompimento da barragem foram muito mais duradouros, de longo prazo. “No caso do colapso, o rejeito foi depositado no período de um mês. Porém, observamos nas imagens de sensoriamento remoto que ocorreram processos de ressuspensão desses sedimentos de fundo oito meses após a chegada do rejeito na foz. Nesse momento, foram constatados os maiores valores do coeficiente de atenuação da água e do material particulado em suspensão de toda a série histórica”, conclui a aluna.
Metodologia
Para efeito de comparação, os pesquisadores avaliaram o coeficiente de atenuação difusa da luz em 490 nm (Kd490), que fornece informações sobre a atenuação da luz na coluna d’água, algo essencial para a ocorrência de processos como a fotossíntese das plantas que compõem os biomas aquáticos. Eles também verificaram a profundidade da Zona Eufótica (Zeu), que é a camada superior do oceano, onde a luz penetra de forma suficiente para que ocorra a fotossíntese – sua profundidade varia de acordo com a quantidade e o tipo de partículas em suspensão. Também foi estimada a quantidade do material particulado em suspensão (SPM).
O estudo foi realizado utilizando dados do sensor MODIS (a bordo do satélite Aqua) e das plaformas Giovanni (https://giovanni.gsfc.nasa.gov/giovanni/) e Cor do Oceano da NASA (https://oceancolor.gsfc.nasa.gov). No caso do estudo de Keyla, foram utilizados dados de uma série temporal entre 2011 e 2016, cobrindo as fases antes, durante e após o rompimento da barragem.
A vantagem de usar esses dados está no fato de que, quando acontecem desastres de grandes proporções, geralmente não existem muitas informações sobre o estado precedente do ambiente, uma vez que as pesquisas nesses locais costumam ser espaçadas e pontuais. “Por isso os dados de sensoriamento remoto são bastante úteis. Proporcionam informações espaço-temporais da distribuição desse material”, esclarece Keyla, que também chama atenção para o fato de serem dados disponíveis na internet de forma gratuita.
Perspectivas
O estudo realizado representa a primeira parte da tese de Keyla sobre os efeitos do colapso da barragem no Rio Doce. Atualmente, Keyla também está concluindo a avaliação da dinâmica de dispersão da pluma do rio após o colapso por meio do uso de imagens de satélite. O objetivo é verificar se o rejeito alcançou a região do arquipélago de Abrolhos, que foi a primeira unidade de conservação marinha criada no país, possuindo a maior biodiversidade marinha do Brasil e da região do Atlântico Sul.