Estudo destaca conceito surgido na esteira dos movimentos ambientalistas que prevê menor dependência de fontes não renováveis de energia
Em Biologia, uma relação simbiótica é aquela que se estabelece entre dois ou mais espécies, e nessa relação ocorre uma troca de materiais, energia ou informação, gerando uma solução benéfica para todos os participantes. Foi a partir desse conceito que emergiu a noção de ecologia industrial. Ele parte do pressuposto de que, assim como em um ecossistema biológico, o processo industrial é um ciclo por onde passam energia e materiais, de modo que a saída de um processo industrial pode ser a entrada de outro. De acordo com a arquiteta Thalita Dalbelo, coordenadora do Plano Diretor Integrado da Unicamp, a ecologia industrial se relaciona com o conceito de sustentabilidade na medida em que ela envolve ciclos fechados de produção, com redução ou eliminação da dependência de fontes não renováveis de energia. Esse é um dos conceitos que está sendo considerado no planejamento do Hub Internacional para o Desenvolvimento Sustentável (HIDS), projeto em andamento, coordenado pela Unicamp que prevê a criação de um distrito sustentável na área da Fazenda Argentina e que inclui a área do Ciatec 2. Especialista no tema, Dalbelo é autora do capítulo sobre ecologia industrial da Encyclopedia of the UN Sustainable Development Goals. Industry, Innovation and InfrastructureD, publicado este mês, escrito em parceria com Emília Rutkowski, professora da Faculdade de Engenharia Civil e Arquitetura (FEC). O conceito de ecologia industrial surgiu na esteira dos movimentos ambientalistas que se intensificaram nos anos 1970 e que ganharam corpo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Segundo Dalbelo, esse campo de estudos nasce motivado pela possibilidade de desenvolver métodos de produção industrial com menor impacto no ambiente. “Com isso, novas tecnologias e ferramentas começam a ser pensadas para viabilizar esse modelo de produção industrial, por exemplo, para reduzir a poluição, novos materiais, análise do ciclo de vida, design ambiental e tecnologias de novos materiais”, conta.
A indústria não pode ser vista como um sistema isolado do seu entorno. “Um dos pontos-chave da ecologia industrial é uma visão sistêmica das interações industriais e o meio ambiente. Isso implica em mudar processos de processos lineares para processos de produção cíclicos, otimizando o uso de energia e de recursos e eliminando perdas desnecessárias”, aponta a arquiteta.
A simbiose
Um dos casos pioneiros de aplicação dos princípios da ecologia industrial é o cluster de indústrias no município de Kalundborg, na Dinamarca. Ali, um conjunto de nove grandes empresas operam em um sistema no qual mais de 30 produtos são trocados entre elas. Por exemplo, o excesso de gás dos processos de uma refinaria de petróleo é tratado para remover enxofre que, por sua vez, é usado para fabricar ácido sulfúrico, utilizado por outras duas indústrias do cluster. Em outro caso, o resíduo da produção de uma indústria farmacêutica, em forma de biomassa, é utilizado como fertilizante pelas fazendas da região. A simbiose urbana de Kalungborg influenciou parques ao redor do mundo, desde os Estados Unidos até o Japão.
Desafios
No início dos anos 2000, houve uma iniciativa de implementar um projeto de ecologia industrial no Rio de Janeiro. Quatro parques eco-industriais foram criados, mas o projeto não teve continuidade. “São inúmeros os desafios para manter um projeto assim. Incentivos financeiros e fiscais, políticas públicas de suporte e um pacto duradouro entre os atores envolvidos. Para manter o fluxo contínuo de materiais e energia, a produção deve ser constante. Quando um dos atores perde o interesse no modelo, o colapso é certo”, explica Dalbelo.
O design e o planejamento correto podem agilizar a aplicação do modelo. Segundo Dalbelo, o projeto começa com a escolha de uma boa localização, considerando a orientação solar, ventos e topografia. A utilização de fontes de energia renováveis e a reutilização de água da chuva também são indicadas, bem como o uso de materiais de baixo impacto. “Os planejadores de parques eco industriais devem considerar, acima de tudo, os princípios dos ecossistemas e pensar o todo, não apenas o lote industrial. Isso é essencial para incentivar o intercâmbio de subprodutos e serviços entre as indústrias”, finaliza.