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Pesquisadores estudam paralisia provocada pelo vírus da Zika

Trabalho desenvolvido em colaboração com a Utah State  University acaba de ser publicado no Scientific Reports, do grupo Nature

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Professor Alexandre Leite Rodrigues de Oliveira

Trabalhos publicados pelo professor Alexandre Leite Rodrigues de Oliveira, do Departamento de Biologia Estrutural e Funcional - área de Anatomia - do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, chamaram a atenção do professor John Morrey, da Utah State University, Utah, EUA, que propôs ao docente o desenvolvimento de um trabalho conjunto com vistas a investigar um efeito colateral importante da infecção por vírus da Zika, que afeta uma parcela de pacientes. Trata-se de uma inflamação dos nervos no local de sua formação (raízes nervosas), próximo à medula espinal, que em alguns casos provoca paralisia temporária, podendo deixar sequelas. As razões que levam à paralisia de pequena parcela dos infectados ainda são pouco conhecidas, mas ela se manifesta depois dos sintomas principais na forma de uma síndrome, que é um conjunto de sinais e sintomas observáveis em vários processos patológicos diferentes e sem causa específica.  As ocorrências associadas à infecção pelo Zika são similares às observadas na conhecida síndrome de Guillain-Barré, que é uma doença autoimune, em que o próprio sistema imunológico ataca algumas estruturas do sistema nervoso, causando prejuízos funcionais. Neste caso, o organismo ataca os nervos na interface da medula espinal do sistema nervoso central e do sistema nervoso periférico.  Essa inflamação nas raízes nervosas desencadeia uma série de sintomas como perda de força muscular e paralisias em diferentes graus. A doença atinge um pico e a recuperação em geral é lenta.

O curioso, explica o docente, é que em locais onde ocorre um surto de Zika também aumentam muito os casos de síndrome de Guillain-Barré: “Essa correlação levou-nos ao interesse de entender por que ela ocorre e que mecanismos celulares geram tais perdas de função que afetam número significativo de pessoas.  O estudo desses mecanismos é importante para eventualmente possibilitar tratamento adequado e evitar que a alteração não assuma dimensões maiores”. Então, o estudo decorreu da repercussão que a infecção por Zika gera no sistema nervoso e focou-se especificamente nos neurônios motores da medula espinal, que fazem a interligação entre o sistema nervoso central e a musculatura dos membros. Eles constituem o elemento final da via motora e quando afetados podem determinar paralisia na musculatura que inervam.

Oliveira esclarece o mecanismo: os neurônios motores medulares recebem informações de uma grande quantidade de outros neurônios vindos da medula e do cérebro que contribuem para a geração do movimento. Isso ocorre através de contatos chamados sinapses – encontro entre neurônios em que ocorre a transmissão de impulsos nervosos – que podem ser excitatórias ou inibitórias. Quando esses neurônios se comunicam, há liberação de neurotransmissores que vão estimular os neurônios motores gerando o potencial de ação, que se manifesta na contração muscular. Quando o fluxo de informações provindo dos neurônios que precedem aos neurônios motores é afetado a função motora resultante é comprometida. Então, diz ele: “Basicamente estudamos como, frente à infecção viral com Zika, se modificam essas interações entre os neurônios da medula e os neurônios motores e como elas repercutem na coordenação motora”. O artigo resultante do trabalho acaba de ser publicado no Scientific Reports, do grupo Nature.

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Microscópio eletrônico de transmissão

Microscopia eletrônica de transmissão

A infecção por Zika atua preferencialmente sobre os neurônios motores possivelmente em decorrência de seu tamanho e complexidade, o que deve facilitar a reprodução do vírus, afetando seu metabolismo e repercutindo nas suas conexões com os neurônios pré-sinápticos. O pesquisador acrescenta: “Constatamos efetivamente no estudo com camundongos que no pico da doença, quando se manifesta a paralisia, ocorre perda significativa de contato com diversos neurônios, chamada perda sináptica, tanto nas sinapses excitatórias como inibitórias, como se o neurônio motor se desligasse dos circuitos em que está integrado”. Como a paralisia é reversível, a ocorrência é temporária, e à medida que a inflamação no sistema nervoso regride as conexões vão sendo refeitas e o animal readquire os movimentos.

Essa correlação entre a plasticidade sináptica e o pico de paralisia foi o que chamou a atenção do pesquisador pois ela é similar ao que ocorre em outras situações de doenças degenerativas como, por exemplo, na esclerose múltipla. A propósito, ele lembra que, em trabalhos anteriores, ao estudar os efeitos da evolução da esclerose múltipla nos neurônios motores, constatou que o efeito se mostrou muito similar, em termos de perdas, pois à medida que eles sofrem alterações os sintomas da doença se manifestam. Como a esclerose múltipla muitas vezes se caracteriza por surtos e remissões, observou-se que é durante os surtos que o animal perde a função motora, quando efetivamente ocorrem a inflamação e a desconexão sináptica.

A análise dessa dinâmica sináptica só pode ser feita com detalhe na microscopia eletrônica de transmissão, área em que o pesquisador tem atuado ao longo dos anos e que determinou a cooperação com o professor John Morrey, que  é virologista, especialista no estabelecimento da mecânica de vírus e que se dedica ao estudo das características de infecções virais. O interesse em entender a nível ultraestrutural os efeitos da inflamação na medula motivaram o trabalho conjunto, que contou no Brasil com a colaboração do doutorando em Biologia Celular e Estrutural Mateus Vidigal de Castro, um dos coautores do trabalho, que auxiliou na preparação e análises ultraestruturais do material utilizado.  Foi através dessas análises que os pesquisadores conseguiram quantificar a perda de sinapses e demostrar que exatamente no momento da paralisia ocorrem nos animais perdas significativas de terminações nervosas, tanto excitatórias quanto inibitórias. Em um período de dez dias completa-se o ciclo de perda de função motora e ocorre a recuperação funcional.

O achado principal do trabalho foi o de mostrar que o efeito inflamatório aproxima as síndromes do Zika e de Guillain-Barré. A diferença é que, no caso do Zika, não são conhecidos em detalhes os mecanismos que levam à perda sináptica, enquanto na síndrome de Guillain-Barré sabe-se que ocorre a produção de auto-anticorpos que têm alvos específicos, como por exemplo os gangliosídeos, que são lipídios que fazem parte das membranas dos neurônios e da bainha de mielina, ocorrendo desmielinização das raízes nervosas, prejudicando a condução dos impulsos nervosos. Algo similar acontece no caso do Zika, pois se constatou experimentalmente, através de análises eletrofisiológicas, que diminuiu a velocidade de condução dos axônios dos neurônios.

Em síntese, o neurônio motor que tem o corpo celular no sistema nervoso central, na medula, é constituído por um prolongamento que é o axônio, que vai até o músculo e conduz a informação até ele. Ao receber estímulo dos neurônios pré-sinápticos os neurônios motores geram um potencial de ação (impulso nervoso) que segue pelo axônio até o músculo. Para que esse estímulo siga na velocidade esperada, o axônio possui um isolamento elétrico constituído pela chamada bainha de mielina, que não mais é que um isolante lipídico que faz com que o estímulo elétrico percorra o axônio em uma velocidade alta. Com a lesão nessa bainha a velocidade de condução cai e afeta a eficiência da contração muscular. Na síndrome de Guillain-Barré ocorre exatamente isso: parte de mielina é atacada pelo sistema imune e por isso cai a velocidade da condução do impulso nervoso, ocorrendo deficiência na contração muscular, perda de força muscular a até paralisia.

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Imagem ilustrativa de microscopia eletrônica de transmissão em que podem ser observados terminais sinápticos em contato com a superfície de um motoneurônio medular.

Diferentes, mas parecidas

“Na infecção por Zika além da perda sináptica também ocorre perda na condução nervosa nessa região inicial do nervo, o que é compatível com o que é visto na síndrome de Guillain-Barré, explica Oliveira. Então, segundo o pesquisador, há uma conjunção de fatores que ocorrem tanto no corpo do neurônio motor como nos circuitos em que ele está integrado, que determinam efeitos clínicos, dentre eles, a possibilidade de paralisia.

Embora exista similaridade entre os eventos relacionados às síndromes de Guillain-Barré e do Zika, uma decorre de uma resposta autoimune e a outra de uma infecção. Num caso, ocorre produção de anticorpos que atacam estruturas do próprio organismo, diferentemente do sistema imune que tem a função de atacar patógenos alheios ao organismo. No outro, o problema resulta da ação do ataque da infecção aos neurônios motores. Trata-se de doenças supostamente diferentes, embora muito parecidas, a ponto de os autores da pesquisa proporem a utilização do modelo animal que utilizaram para entender melhor a doença de Guillain-Barré porque, em alguns aspectos, o mecanismo de evolução é muito parecido.  No caso do Zika os pesquisadores se ativeram às transformações ocorridas e não ao mecanismo decorrente da infecção. Ou seja, estabeleceram a correlação entre as transformações morfológicas e os sinais clínicos do animal, sem considerar as ocorrências do ponto de vista molecular.

Imagem de capa JU-online
Audiodescrição: em área interna, imagem close-up e em perfil, homem à direita na imagem e com olhar voltado para a esquerda da imagem, observa material através do visor de um moderno microscópio. O ambiente está bastante escuro. Imagem 1 de 1.

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