Análise foi feita por pesquisadores do Cepid Brainn e publicada na NPJ Genomic Medicine, periódico do grupo Nature
Pesquisadores do Cepid Brainn publicaram este mês um estudo na NPJ Genomic Medicine, periódico científico do grupo Nature, que demonstra a importância da obtenção e do compartilhamento de dados genéticos da população brasileira. O artigo The Brazilian Initiative on Precision Medicine (BIPMed): fostering genomic data-sharing of underrepresented populations analisou dois bancos de dados genômicos contendo informações de 358 indivíduos brasileiros. No total, foram identificadas mais de 800 mil variações que não estavam presentes em alguns dos maiores repositórios de dados genéticos do mundo.
O trabalho destaca a importância da realização de estudos genômicos populacionais no país, seja para a implementação da medicina de precisão, seja para o avanço da compreensão das variações genéticas e sua correlação com a predisposição a doenças. O estudo também reforça a importância do compartilhamento desses dados com a comunidade científica global.
O artigo publicado traz os resultados dos trabalhos do BIPMed, uma iniciativa de cinco grupos de pesquisa nacionais com o objetivo de facilitar a implementação da medicina de precisão no Brasil. O BIPMed, apoiado pela FAPESP, teve início em 2015, quando possuía em seu repositório dados genéticos de 29 indivíduos. Atualmente, o grupo já possui informações de mais de 890 indivíduos, sendo o responsável por 03 dos 06 maiores bancos de dados genéticos na plataforma Leiden Open Variation Database, um dos principais repositórios de informações desse tipo do mundo.
Os brasileiros, que correspondem a quase 3% da população do mundo, ainda são subrepresentados em bancos de dados genéticos globais. Apesar de ser um país em que pesquisas com coletas de amostras genéticas ocorram com frequência, o compartilhamento desses dados com a comunidade científica ainda é incipiente no país. Os resultados do estudo revelam a enorme importância de se ter conhecimento específico sobre as características genéticas das populações locais, integradas a grandes bancos de dados globais.
Em termos tecnológicos, este não é um desafio. O próprio BIPMed possui uma plataforma na qual grupos de pesquisa podem se cadastrar e enviar os dados de seus estudos genéticos. Todos os parâmetros de confidencialidade dos dados e níveis de acesso são cadastrados na plataforma e formalizados em um contrato, garantindo o bom uso das informações. Além disso, a própria equipe do BIPMed auxilia na padronização dos envios para incorporação aos bancos de dados.
“Até hoje, não recusamos nenhum envio, e todos foram incorporados com sucesso à plataforma”, conta Iscia Lopes Cendes, pesquisadora do Laboratório de Genética Molecular da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, membro do Cepid Brainn e uma das autoras do estudo publicado.
É SEGURO COMPARTILHAR INFORMAÇÕES GENÉTICAS?
Os conceitos de ‘DNA’, ‘genética’ e ‘genômica’ são amplamente desconhecidos do grande público em todo o mundo, inclusive em países com excelente educação pública, como o Japão
Talvez a questão da privacidade dos dados seja a mais polêmica quando o assunto é o uso compartilhado de informações genéticas. Muitos pesquisadores e grupos de pesquisa, mesmo cientes dos benefícios que o compartilhamento de dados pode trazer à sociedade, ainda se opõe a partilhar informações. E o público no geral parece concordar: estudo publicado também este mês no The American Journal of Human Genetics [3], do grupo Cell, entrevistou mais de 36 mil pessoas, em 22 países, e descobriu que a maioria delas preferiria não fornecer seus dados genéticos para pesquisas científicas, além de não confiar no processo de compartilhamento desses dados entre grupos diferentes (médicos, pesquisadores, empresas etc). Não surpreende notar que, ainda segundo o artigo, os conceitos de ‘DNA’, ‘genética’ e ‘genômica’ são amplamente desconhecidos do grande público em todo o mundo.
Para pessoas de fora da área acadêmica, há a impressão de que o DNA traz informações médicas “especiais”, que exigiriam proteção também especial. Ainda segundo a pesquisa, dentre as pessoas familiarizadas com os conceitos de genética, genômica e DNA, a vontade de compartilhar essas informações é maior. Missão, portanto, para a comunidade científica global: aumentar o nível de confiança do público sobre o uso desses dados e sobre como a privacidade dos indivíduos pode ser protegida, de maneira ao mesmo tempo segura e que não impeça os estudos científicos.
Atualmente, há inúmeros protocolos e maneiras de tornar os dados genéticos anônimos, muitos deles sendo utilizados, inclusive, pela equipe do BIPMed e presentes no contrato de cessão de dados. Fato é que, com o devido conhecimento técnico e tendo acesso a informações adicionais sobre doadores de material genético, teoricamente ainda é possível, em parte dos casos, correlacionar uma amostra genética a um indivíduo específico; porém, este é um trabalho longe de ser trivial, e em termos práticos não deveria ser uma preocupação. Os benefícios do compartilhamento seguro e anonimizado de dados em muito suplantam os potenciais maus usos.
Em diversos locais do mundo, como nos Estados Unidos e na União Europeia, a divulgação pública e aberta dos dados é um requerimento que agências de fomento, periódicos científicos e a própria sociedade já exigem para que um estudo genético seja realizado. Aqui no Brasil, existe um movimento por parte das agências de fomento neste mesmo sentido. Espera-se que, dentro de alguns anos, o compartilhamento de informações se popularize no país, tendo como alicerce uma compreensão aprofundada das maneiras como a privacidade dos participantes pode ser mantida e sobre como a propriedade desses dados possa também ser garantida.
“Não é por que os dados são públicos que poderão ser utilizados de qualquer maneira, por qualquer grupo de pesquisa”, explica a dra. Iscia. “Já existem protocolos que garantem que os dados gerados em um país sejam devidamente identificados e tenham controle total nacional, o que é importantíssimo para beneficiar as populações nativas e, ao mesmo tempo, permitir o avanço científico”.
BENEFÍCIOS ADICIONAIS DO COMPARTILHAMENTO DE DADOS PARA O PAÍS
Compartilhar dados também será um passo fundamental para “internacionalizar” a Ciência brasileira – ainda, em grande parte, avessa a colaborações internacionais. “A Ciência brasileira tem uma boa produção de artigos, de boa qualidade, mas com baixa citação e participação de colaboradores internacionais”, explica a pesquisadora. “A Argentina, por exemplo, que possui estrutura de pesquisa menor que a nossa, tem muito mais colaboração internacional. O compartilhamento de dados é um caminho essencial para se abrir estas novas frentes de desenvolvimento científico”.
Leia a matéria completa no site do Cepid Brainn.