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Os possíveis caminhos de análise do Poder Judiciário

Em entrevista à Editora da Unicamp, a autora Celly Cook Inatomi conta sobre as abordagens existentes nos estudos sobre o Poder Judiciário norte-americano e as vantagens de recorrer a diferentes análises.

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As análises políticas sobre o Poder Judiciário: Lições da ciência política norte-americana é um dos mais recentes lançamentos da Editora da Unicamp. Celly Cook Inatomi, doutora em Ciência Política, expõe as diversas abordagens desse campo de estudo, que variam de acordo com as dimensões de cada pesquisa, classificadas em dimensão individual, estrutural e institucional. Nesta entrevista, a autora trata das diferenças e semelhanças entre o sistema norte-americano e o brasileiro, explica o que o livro traz de inovador para a pesquisa em direito, e comenta sobre sua experiência em escrevê-lo.

Editora da Unicamp: No livro, são apresentadas possíveis formas de analisar politicamente o Poder Judiciário norte-americano. Quais são as principais linhas de análise, na sua perspectiva?

Celly Cook Inatomi: No livro, faço uma classificação das abordagens analíticas em função da dimensão de análise que elas enfatizam, que seriam: a dimensão individual, a estrutural e a institucional. O que significa isso? Significa que faço uma separação das abordagens em função do "lugar" pelo qual elas enxergam a política na atuação do Poder Judiciário. As abordagens individualistas dizem que a política está localizada na ação dos juízes, e que devemos tentar compreender seus interesses, valores, ideologias e alianças políticas. As abordagens estruturalistas, por sua vez, dizem que a política está na função exercida pelo Poder Judiciário numa determinada sociedade, geralmente apontando sua deferência à ordem capitalista. As abordagens institucionalistas, por fim, dizem que a política deve ser analisada considerando os limites político-institucionais sobre a ação dos juízes e outros juristas, ao passo que as instituições judiciais têm história e autonomia próprias.

Um dos objetivos do livro é mostrar que, embora seja possível ver essas linhas de análise bem demarcadas, também encontramos alguns trabalhos, autores e abordagens que fazem análises multidimensionais, isto é, que procuram trabalhar com duas ou três dessas dimensões analíticas ao mesmo tempo. Quero mostrar que, para fazer uma análise política do Poder Judiciário, é preciso considerar a relação entre essas dimensões, caso contrário corremos o risco de fazer análises muito apressadas, que não trabalham alguns pressupostos e premissas acerca da separação entre política e direito. Com isso, tento enfatizar a importância de trabalhos e autores desconhecidos, ou não tão citados pela literatura, mas que trazem contribuições tão ou mais importantes para pensarmos na atuação política do Poder Judiciário. 

Editora da Unicamp: Como as análises mencionadas podem auxiliar os pesquisadores brasileiros?

Celly Cook Inatomi: É bom lembrar que já conhecemos bastante a judicial politics americana, inclusive importando abordagens de análise para pensar o judiciário e o sistema de justiça no Brasil, especialmente a partir do fim dos anos 1990. Dentre as abordagens importadas, destacam-se os trabalhos sobre a judicialização da política, as abordagens atitudinalistas e as abordagens estratégicas. Assim, o contato entre a literatura americana e a brasileira não é nenhuma novidade para os pesquisadores nacionais, muito pelo contrário.

Essas abordagens foram tomadas muitas vezes de forma acrítica. Grande parte dos trabalhos que incorporou as teses da judicialização da política, por exemplo, deixou a desejar em termos conceituais para pensar a relação entre direito e política, idealizando-os como mundos completamente separados. Os trabalhos que incorporam metodologias behavioristas, ou comportamentalistas, de análise, como as utilizadas pelas abordagens atitudinalista e estratégica, tornaram as pesquisas carentes de questões institucionais e de processo político, apenas contabilizando decisões dos juízes de acordo com ideologias políticas, sem pensar muito nas mudanças de contexto e nas características institucionais limitadoras de suas ações.

Embora o campo de estudos brasileiros esteja hoje muito mais desenvolvido do que estava no início dos anos 2000 e já exista uma série de trabalhos críticos à importação indiscriminada de teorias, acredito que ainda seja importante conhecermos as abordagens de análise em profundidade. Penso que é essencial caminharmos em direção às margens das perspectivas utilizadas. E isso é importante por dois fatores que julgo centrais: primeiro, verificar o trabalho de autores que fizeram críticas importantes às teorias, conceitos e metodologias que nós utilizamos; e segundo, conhecer outras tantas abordagens que trabalharam essas críticas de forma mais sistemática, dando-nos muito mais instrumentos para pensar o próprio caso brasileiro.

Para pesquisadores já experientes na análise teórica e empírica sobre as relações entre política e direito, o que estou propondo pode parecer, claramente, muito simples ou muito óbvio. Mas, para os pesquisadores mais novos, imagino que ter um mapeamento das diferentes abordagens teóricas e metodológicas sobre o Poder Judiciário pode ajudar bastante, ainda mais quando fazemos esse movimento de sair do centro do que é conhecido para ir em direção ao que não é tão conhecido assim. E, nesse sentido, arrisco-me a dizer que o livro pode trazer uma pequena contribuição até mesmo para os pesquisadores mais experientes, no sentido de ajudar a pensar nos limites das nossas análises e no que fica de fora de nossas explicações.

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Editora da Unicamp: Quais são as principais semelhanças e diferenças entre o sistema norte-americano e o brasileiro?

Celly Cook Inatomi: Essa é uma pergunta que parece simples, mas não é. Dependendo das respostas, sendo estas muito essencialistas, você encontra reflexos na forma como se faz a análise política sobre tais sistemas. O modelo constitucional norte-americano serviu como modelo de construção de uma comunidade política liberal e democrática, tornando-se, como diz Andrei Koerner, um "produto de exportação" que passou a moldar as maneiras de pensar e de praticar a política e o direito constitucional em quase toda parte. E aqui não foi diferente. Claramente, o modelo americano encontrou aplicações parciais, dependendo das condições e características políticas de cada país. Contudo, é possível perceber que se manteve, em geral, um padrão de não questionamento do modelo em si como sendo algo de fato democrático.

Quando se fala nas diferenças entre o sistema americano e o sistema brasileiro, é muito comum encontrar explicações que se fixam em torno da herança jurídica dos dois países, colocando os americanos dentro da tradição da common law e os brasileiros na tradição da civil law. Isto é, o sistema americano seguiria uma tradição jurídica que se baseia, em grande medida, na jurisprudência ou nos precedentes jurídicos, enquanto o sistema brasileiro seguiria uma tradição que se baseia na lei positivada e codificada. Mas é sabido que, em ambas as partes, essas duas tradições se misturam, criando uma série de situações e questionamentos sobre a natureza política do judiciário e sobre a discricionariedade dos juízes. E esse último fator leva a outra diferença que normalmente é alvo de comparação entre os dois sistemas, que é a forma de recrutamento dos juízes. Enquanto, no sistema americano, eles são recrutados basicamente de duas formas – por eleição ou nomeação, quando não de forma mista –, no Brasil, são recrutados por meio de concurso público, com exceção dos juízes do Supremo Tribunal Federal que, como nos Estados Unidos, são nomeados pelo chefe do Poder Executivo.

Poderíamos falar ainda na organização do sistema judiciário, nas diferenças de funcionamento das duas altas cortes de cada país, nas formas como seus juízes decidem e sobre os constrangimentos institucionais existentes em suas ações. Mas acredito que, independente das diferenças, algumas questões críticas sobre o funcionamento desses dois sistemas, especialmente em tempos de crise como o atual, precisam ser trabalhadas sem idealização, tanto de um sistema quanto de outro, levando em consideração os fatores individuais, institucionais e estruturais que cercam a atuação do judiciário em cada país, historicamente e contextualmente.

Editora da Unicamp: Como o livro pode ajudar os alunos de graduação a compreenderem e a analisarem as questões judiciais presentes na realidade brasileira?

Celly Cook Inatomi: Em meados dos anos 2000, quando comecei a me envolver com pesquisa sobre questões judiciais no Brasil, nós já tínhamos alguns trabalhos muito importantes realizados na área, que são referências até hoje para quem estuda o sistema de justiça e o Poder Judiciário brasileiro. Em sua maioria, são trabalhos que se fortaleceram sobretudo a partir do final dos anos 1990 e que estudavam a capacidade das instâncias da Justiça para efetivar os direitos de cidadania conquistados com a Constituição de 1988. No entanto, por ser um conjunto de estudos relativamente recente na época, era natural que nós não encontrássemos escolas de pensamento nem conceitos teóricos bem sedimentados para auxiliar e orientar nossas análises empíricas, ainda muito incipientes. Importávamos algumas teses dos Estados Unidos, como já citei anteriormente, adaptando-as às nossas características e particularidades, mas nem sempre questionando criticamente essas teses em si.

Hoje, o cenário é bastante diferente. Nós já temos, felizmente, uma grande massa de estudos sobre o judiciário e sobre o sistema de justiça brasileiro. Diversos temas e objetos empíricos de pesquisa já foram cobertos, o campo de estudos ganhou e sedimentou espaços importantes de debate nos grandes encontros nacionais de pesquisa (como na Anpocs e na ABCP), bem como ganhou disciplinas permanentes e optativas nas grades dos cursos de Ciência Política pelo país. Também avançamos bastante não apenas no questionamento das teses importadas, mas também na formulação de novos conceitos para pensarmos o caso brasileiro, a exemplo dos trabalhos do professor Andrei Koerner, que foi meu orientador durante a graduação, o mestrado e o doutorado.

Mas, mesmo com os avanços já obtidos no campo de estudos, sempre senti falta de uma espécie de guia, que ajudasse a pensar o lugar ocupado pelos trabalhos já existentes na literatura em função da lógica e da forma das análises; algo mais didático que mostrasse as diferentes maneiras de pensar as relações entre direito e política e a atuação do Poder Judiciário. Sentia falta de uma apresentação de escolas de pensamento e de pesquisas que funcionasse como um auxílio. O livro que trago procura justamente fazer uma apresentação didática dessas diferentes formas de análise política do judiciário, como um compilado aprofundado de abordagens de análise, de conceitos e de metodologias que podem ser utilizados pelos estudantes para pesquisar a realidade do sistema de justiça brasileiro. Assim, o livro procura cumprir um papel que é simples e ao mesmo tempo muito importante para o pesquisador iniciante: apresentar teorias e metodologias de análise e, sobretudo, questionamentos a elas, para ajudá-lo em sua caminhada.

Serviço: 

As análises políticas sobre o Poder Judiciário: lições da ciência política norte-americana.

Autora: Celly Cook Inatomi

Editora da Unicamp

ISBN: 978-6586253-40-5

1a edição, 2020

176 páginas

Formato: 14 x 21 cm

Imagem de capa JU-online
martelo utilizado nos tribunais pelo juiz

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