Ainda segundo o estudo, níveis de estresse, de depressão e de resiliência não se alteraram em comparação com períodos anteriores
Uma pesquisa desenvolvida junto aos segmentos da Unicamp verificou que a comunidade universitária mudou suas estratégias de enfrentamento em relação do estresse psicossocial durante a pandemia de Covid-19. Na percepção dos autores do estudo, esse foi o principal motivo para outro achado da pesquisa, que se refere ao fato de não ter havido aumento significativo da percepção de estresse, dos sinais de depressão e da resiliência entre a comunidade acadêmica da Universidade nos primeiros meses da pandemia do novo coronavírus. O estudo também aponta para a necessidade de fortalecimento de acompanhamento da saúde mental no ambiente acadêmico.
Os instrumentos de análise foram aplicados para 1.135 voluntários entre 2018 e 2020, aos quais a equipe do estudo agradece pela participação. A aplicação aconteceu sempre nos finais de semestre, com exceção do ano de 2020, quando os dados foram coletados em junho e o semestre estendeu-se até agosto devido à pandemia. O mapeamento indica que, dentre a comunidade acadêmica, os estudantes permanecem sendo aqueles que têm maiores níveis de percepção de estresse e de sinais depressivos. Também são os que apresentam menor resiliência, ou seja, prosperam menos ao gerenciar as situações estressoras. Docentes e funcionários têm melhores índices destes fatores, sendo os professores o grupo com melhor performance.
O artigo, intitulado The impact of confinement in the psychosocial behaviour due COVID-19 among members of a Brazilian university, tem como autora principal a aluna de Ciências Biológicas do Instituto de Biologia (IB) Heloísa Monteiro Amaral-Prado, e foi publicado no International Journal of Social Psychiatry no início de novembro. Participaram também da pesquisa a professora Dora Maria Grassi Kassisse, coordenadora do Laboratório de Estudos do Estresse (LABEEST/IB); a psiquiatra coordenadora do Serviço de Assistência Psicológica e Psiquiátrica ao Estudante (SAPPE), Tânia de Mello, e o doutor em biologia molecular e funcional pela Unicamp Filipy Borghi. O estudo também contou com o apoio da bióloga do LABEEST Priscila Cristina da Silva.
Para Heloísa, o fato dos níveis maiores de estresse serem encontrados em estudantes diz respeito à fase da vida que se encontram. “Eu acredito que o grande ponto é o fato de você não ter ainda uma estabilidade. Professores e funcionários de certa forma já estão estabilizados, com emprego, e isso é um dos principais fatores para o maior estresse e menor resiliência. Além disso há uma menor maturidade. Alguns estudos da literatura mostram que conforme mais idade maior resiliência você apresenta”, aponta
A coordenadora do LABEEST, Dora Grassi, destaca que essa tendência já era encontrada antes da pandemia e, após as medidas de distanciamento social, se manteve. “O isolamento social não intensificou a escala de estresse na nossa população. Nós vemos que mulheres apresentam mais estresse psicossocial que homens, graduandos e pós-graduandos mais que as demais categorias e isso não foi significativamente diferente no isolamento social”, diz.
Além disso, o estudo também mapeou que pessoas que não se identificam com nenhum dos sexos apresentaram níveis mais altos ainda de estresse percebido, o que pode ter relação com a discriminação sofrida, alertando para a importância da inclusão social.
Estratégias de enfrentamento
Se nos três primeiros meses não houve aumento da percepção de estresse, o que mudou, no entanto, foram as formas com que a comunidade acadêmica enfrenta o estresse. Estas estratégias, também conhecidas como estratégias de coping, referem-se aos modos de lidar com situações estressoras. Cada grupo adaptou-se à rotina do distanciamento social alterando-as em parte ou significativamente.
Nos alunos, foi onde se viu a maior mudança. Para estudantes de graduação, antes da pandemia foi identificado que utilizavam mais a aceitação de responsabilidades. Para estudantes de pós-graduação, a mais utilizada era o apoio social. Para ambos os grupos, o autocontrole passou a ser prevalente. Já para professores, a mais frequente passou a ser a resolução de problemas, estratégia que já era a mais utilizada entre funcionários e que persistiu assim para este segmento.
“A população se adaptou a essa condição [do distanciamento] imposta a ela, conseguiram se adaptar de uma maneira que não fosse rapidamente impactada pelo menos nesses primeiros meses da pandemia”, avalia Filipy Borghi.
Pós-graduandos são mais afetados
Embora não tenha havido aumento dos níveis de estresse na eclosão da pandemia e na transição das atividades da comunidade acadêmica para a forma remota, os autores do estudo destacam que a situação dos estudantes, principalmente dos alunos de pós-graduação, requer atenção. É neste grupo que se encontram os níveis mais altos de estresse e de sintomas depressivos.
As alterações e incertezas que a pandemia trouxe para o futuro de suas pesquisas, que em diversos campos depende da interação social e da estrutura física da universidade, são algumas das razões pelas quais este grupo é o mais afetado. Somam-se a isso as cobranças por publicações e instabilidades econômicas. Por isso, conforme aponta Tânia Mello, do SAPPE, os pós-graduandos correspondem a quase 40% daqueles que buscam atendimento em saúde mental no órgão.
“Os casos mais complexos acabam estando na pós, pela própria característica da pós, que já é uma escolha de carreira. Fizemos um raio X da triagem do SAPPE entre 2016 e 2018. Vemos predominantemente alunos que estão no mestrado e que têm um tempo muito curto para se adaptar à Unicamp. No doutorado tem outra particularidade que é a escolha de carreira, e de entrar no funil dos concursos para a carreira numa universidade pública. É uma escolha e uma situação de competição”, afirma.
Além disso, segundo a psiquiatra, atravessamos um período de muitas indefinições e estes estudantes carregam muitas responsabilidades. “Há pressão para publicações, responsabilidade muito grande e muitos já estão formando família. São exigidos como profissionais, mas não são remunerados como. E na pandemia há estudantes que precisaram repensar o projeto todo, fora que para áreas que não são experimentais é um trabalho muito solitário”, observa.
Um alerta para os cuidados em saúde mental
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é o país mais ansioso do mundo. Os níveis de estresse, entre brasileiros, também são preocupantes. Uma pesquisa do International Stress Management Association (Isma - Brasil), de 2017, aponta que o Brasil só está atrás do Japão em prevalência de estresse.
A pesquisa desenvolvida na Unicamp, além de ser pioneira no Brasil, reforça o alerta sobre a importância dos cuidados em saúde mental. Pela população brasileira já ter esses níveis de estresse e sinais depressivos altos, os pesquisadores contam que houve uma responsabilidade não só em trazer os resultados na forma de artigo científico, mas também de trazer um alerta aos participantes. Ao responder os testes e instrumentos, eles recebiam uma devolutiva que, no entender dos autores, pode ter ajudado a compreenderem melhor como estavam. Também ressaltam que os dados auxiliam em possíveis melhorias de estratégias de acompanhamento da saúde mental da comunidade acadêmica na Unicamp.
“Precisamos acompanhar e pensar junto e como enfrentar isso. São muitos fatores, perdas econômicas, luto, desemprego, toda a indefinição de como vai ser o trabalho de agora em diante. Isso está acontecendo num nível global”, avalia a psiquiatra coordenadora do SAPPE.
Ela também indica que é importante que a comunidade saiba que há caminhos para buscar ajuda dentro da própria Universidade. Para os estudantes da Unicamp, há dois serviços de atendimento em saúde mental: o SAPPE, para alunos de qualquer área, e o Grupo de Apoio ao Estudantes (Grapeme), para estudantes da área de saúde. Docentes e funcionários também podem buscar atendimento através do Centro de Saúde da Comunidade (Cecom). Profissionais de saúde, ainda, contam com uma rede de apoio em saúde mental criada durante a pandemia. Essas medidas de apoio, conforme Tânia, são essenciais para o amparo da comunidade acadêmica, o que pode ajudá-la a ser mais resiliente.