Equipe vencedora conta com pesquisadores da Unicamp, UTFPR, USF (Estados Unidos) e da NTNU (Noruega). Algoritmo permite monitorar o impacto das políticas de abertura e fechamento diante dos casos diários de Covid-19.
Cerca de nove meses depois do início da pandemia do coronavírus, as imagens de cidades europeias vazias, como Roma, Paris e Madri, por conta do lockdown adotado para conter a disseminação do vírus, ainda causam impacto. Os efeitos dessa interrupção geral também foram visíveis nos principais aeroportos da Europa e a relação entre o movimento de aviões pelo continente e o número de casos de covid-19 detectados na região pode oferecer indicadores importantes tanto para a contenção da doença, quanto para o estímulo das economias europeias. Esse é o objetivo de um dos projetos vencedores de um concurso promovido pela Agência Espacial Europeia (European Space Agency - ESA) para o desenvolvimento de algoritmos e recursos digitais que auxiliassem no monitoramento da pandemia por meio de imagens de satélites.
Allan da Silva Pinto, pós-doutorando da Unicamp, está entre os membros da equipe vencedora, que conta também com Maurício Pamplona Segundo, Cole Hill e Sudeep Sarkar, da Universidade do Sul da Flórida (USF), Rodrigo Minetto, da Universidade Federal Tecnológica do Paraná (UTFPR) e Ricardo da Silva Torres, professor licenciado da Unicamp e atual membro da Universidade de Ciência e Tecnologia da Noruega (NTNU). O concurso integra as iniciativas do Sentinel Hub, grupo da ESA que incentiva o desenvolvimento de tecnologias com base em dados e recursos fornecidos pela agência. "Desde o início da pandemia, a Agência Espacial Europeia criou uma plataforma para o desenvolvimento de ferramentas que auxiliassem a comunidade no monitoramento dos efeitos relacionados à pandemia. Esta plataforma contemplava várias iniciativas para a criação de indicadores que podem auxiliar governantes nas tomadas de decisão em diversos assuntos (por exemplo, poluição, uso de recursos naturais e agricultura), sendo que a maior parte delas feitas por membros da própria agência. Entretanto, a ESA, em colaboração com a Comissão Europeia, lançou uma competição com a proposta de que pesquisadores de todo mundo pudessem fornecer métodos que pudessem ser utilizados como novos indicadores de atividades econômicas e humanas para auxiliar nas tomadas de decisões relacionadas às estratégias de lockdown", explica Rodrigo.
Os projetos deveriam ter como foco uma das três áreas indicadas pela ESA: monitoramento de atividades econômicas, movimentação de pessoas ou ainda atividades agrícolas. Para o desenvolvimento, foram disponibilizadas imagens do satélite Sentinel-2, ferramentas e materiais de apoio fornecidos pela Agência Espacial. A proposta do grupo foi então analisar a movimentação de voos nos 30 aeroportos mais movimentados da Europa, em 18 países, e detectar quando a pandemia do coronavírus passou a se refletir no tráfego de aeronaves. "Nossa ideia foi desenvolver um software, que utiliza inteligência artificial, e consegue fazer esse monitoramento automático do número de aviões que decolam e pousam nesses aeroportos", sintetiza Maurício.
Movimentação normal até fevereiro. Em março, tudo mudou
Para que fosse possível a identificação do momento em que a pandemia afetou de forma significativa a movimentação nos aeroportos, Allan explica que o grupo reuniu dados fornecidos pelo satélite em uma série temporal mais longa, de 2015 até outubro de 2020. Isso foi necessário porque a região já apresenta uma redução no número de voos durante o período de inverno, por conta da neve que se acumula nos aeroportos. Assim, o algoritmo criado foi capaz de traçar a curva de voos durante esse longo prazo e estabelecer quando essa queda ocorreu de forma abrupta, indicando o fechamento. "Basicamente, esse algoritmo fornece uma curva (série temporal) que informa a quantidade de voos detectados em cada dia. Com isso, fazendo uma análise dessa série, conseguimos detectar o que chamamos de ruptura na série (breaking point), uma mudança abrupta nessa série que caracteriza o período de queda brusca no número de voos, que corresponde ao início do lockdown. Conseguimos detectar isso pelo algoritmo. A partir disso, nós usamos um modelo linear para estimar a taxa de recuperação de aeroportos", detalha o pesquisador.
Cada uma das imagens do satélite que foram utilizadas abrange uma área de aproximadamente 6 mil km², o equivalente a 840 mil campos de futebol. Elas permitiram a observação dessas regiões próximas dos aeroportos e a detecção de aviões em voo graças ao efeito de paralaxe resultante da movimentação do satélite e dos aviões. Com base nessa detecção pelas imagens, o algoritmo foi capaz de traçar a curva contendo o número de voos em cada um dos aeroportos. Para comparar os dados obtidos pelo projeto, o grupo utilizou os indicadores da OpenSky Network, base de dados que permite o acompanhamento de voos ao redor do mundo em tempo real.
As curvas obtidas pelo algoritmo mostram o início da interrupção nas atividades aeroportuárias em fevereiro de 2020, chegando ao menor patamar nos meses de abril e maio. Conforme o número de casos da covid-19 diminuiu no continente no fim do primeiro semestre, acompanhado do período de férias de verão na Europa, foi possível identificar a retomada da movimentação em alguns aeroportos. Como o monitoramento foi realizado até outubro, com base em dados de setembro, o grupo não conseguiu identificar efeitos da segunda onda da pandemia no continente. No entanto, eles observam que a correspondência entre a curva de casos e de movimentação nos aeroportos pode auxiliar no controle da pandemia e no incentivo a setores econômicos do continente.
"Esse indicador que construímos pode ser utilizado para promoção de políticas públicas de abertura e fechamento, por exemplo. Estamos agora trabalhando em uma publicação que relaciona esses dados com o aumento ou diminuição de casos da covid-19. Se você tem um aumento na atividade dos aeroportos, ou uma taxa de recuperação acelerada, mas isso acompanha um aumento de casos de Covid, significa que algo está errado. Governantes e tomadores de decisão do setor aeroportuário podem usar esse indicador para saber o melhor momento de abrir ou restringir suas atividades, por exemplo", explica Allan.
Do céu para o mar
O monitoramento realizado pelo grupo para elaboração do algoritmo já foi finalizado, mas a experiência vai auxiliar no desenvolvimento de outros projetos. Todo o sistema ficará disponível para acesso gratuito a outros pesquisadores e desenvolvedores. Além disso, eles já planejam dar sequência a esse tipo de monitoramento aplicando o indicador fornecido pelo algoritmo a outros contextos.
"Por exemplo, a Noruega é um país com atividade portuária muito grande, então uma das ideias que estudamos é ajudá-los a medir essa atividade com base na leitura do fluxo de navios que chegam e saem da costa do país. Nesse caso, o que muda é o algoritmo de inteligência para detectar os navios. O problema é que existem navios petroleiros, pesqueiros, então há um trabalho a se fazer para refinar o algoritmo para ele fazer essa diferenciação", comenta Ricardo Torres.
Pesquisador na área de aprendizado de máquinas, Allan desenvolve projetos relacionados a soluções que envolvem sistemas de biometria e também pesquisas em áreas que relacionam inteligência artificial e esportes. Apesar da novidade de trabalhar com imagens de satélite para desenvolver algoritmos que monitoram aeroportos, ele reflete que a união de especialidades diferentes em um mesmo projeto pode contribuir de forma positiva para a inovação: "A tendência é essa, trabalhar com pessoas de outras áreas e tentar encontrar soluções aos problemas".