Estudo identificou casos em quatro profissionais do Hospital de Clínicas da Unicamp. Pesquisa é conduzida pelo Laboratório de Estudos de Vírus Emergentes
Uma pesquisa realizada pelo Laboratório de Estudos de Vírus Emergentes (LEVE), do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, identificou quatro casos de reinfecção por SARS-CoV-2em profissionais da saúde do Hospital de Clínicas (HC). O que chama a atenção dos pesquisadores é que os vírus encontrados nas amostras dos pacientes não correspondem às chamadas variantes de preocupação, VOCs (Variants of Concern), tipos mais comuns do SARS-CoV-2 identificados em casos de reinfecção. A descoberta abre caminhos para investigações sobre características da resposta imune produzida no organismo a partir da infecção pelo coronavírus e pelas vacinas, além de evidenciar a importância das medidas de proteção. O estudo foi publicado pela revista Emerging Infectious Diseases, do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos.
Os casos ocorreram em três enfermeiras e um colaborador do HC, com a média de idade em torno de 44 anos. As primeiras infecções pelo coronavírus foram registradas entre os dias 5 de abril e 10 de maio de 2020, com contaminação pela linhagem B do SARS-CoV-2, a primeira que circulou pelo Brasil no início da pandemia. Não houve complicações em nenhum dos casos e todos se recuperaram no intervalo de 10 a 23 dias. Com o surgimento de novos sintomas da covid-19, foi necessário confirmar se os casos atendiam aos requisitos para serem caracterizados como reinfecções.
"Nossa primeira pergunta foi: será que esses pacientes, que apresentam casos de covid-19 pela segunda vez, são casos de reinfecção ou se trata de uma infecção viral persistente, ou seja, o vírus não saiu da pessoa?", comenta José Luiz Módena, professor do IB e coordenador do LEVE. Ele explica que nos casos de reinfecção os pacientes voltam a apresentar testagem positiva para o SARS-CoV-2 após pelo menos 45 dias da primeira infecção, com testes laboratoriais negativos entre os dois eventos positivos. No caso dos quatro pacientes, as segundas infecções ocorreram no período de 55 a 120 dias das primeiras.
Após o sequenciamento e comparação das amostras colhidas nos dois episódios de infecções, a surpresa foi que os vírus encontrados nos segundos episódios eram de linhagens muito semelhantes às identificadas nos primeiros casos. Módena explica que os casos de reinfecção pelo SARS-CoV-2 não são comuns, mas a tendência que vem sendo registrada entre pesquisadores é que, quando eles ocorrem, sejam em decorrência da infecção por variantes de preocupação. São casos de linhagens do SARS-CoV-2 que apresentam uma quantidade significativa de mutações que podem alterar a estrutura das proteínas de superfície do vírus, chamada spike, o que pode facilitar a entrada nas células do organismo, tornando-o mais transmissível, ou ainda escapando dos anticorpos produzidos em consequência de infecções prévias causadas por SARS-CoV-2. Atualmente, as variantes documentadas que mais causam preocupação no mundo, por conta de seus efeitos, são as de Manaus (P1), do Reino Unido (B1.1.7) e da África do Sul (B1.351).
Os casos de reinfecção documentados entre profissionais do HC chamam então a atenção porque não era esperado que o vírus escapasse à resposta imune dos pacientes justamente por não apresentarem as mutações significativas nas proteínas spike. Segundo Módena, uma das hipóteses para que isso tenha ocorrido é de que, por estarem na linha de frente do combate à covid-19, eles estão mais expostos a contaminações.
Vacinas continuam seguras e cuidados seguem necessários
Apesar de não apresentarem mudanças significativas que as determinem como novas variantes ou linhagens do SARS-CoV-2, o professor ressalta que em três dos quatro casos foi identificada uma mutação pontual na proteína spike, que não é descrita como fator de preocupação, mas que vem sendo observada em pesquisas que documentam casos positivos para covid-19 em pessoas já vacinadas. "Ela pode ser uma mutação que passou despercebida, que ninguém nunca prestou atenção, mas que agora pode estar envolvida em casos de escape imunológico", comenta.
Entretanto, isso não torna as vacinas contra o coronavírus menos seguras ou eficientes, já que a resposta imune do organismo não se restringe apenas à produção e ação dos anticorpos. "Estamos tentando caracterizar o potencial do vírus de continuar circulando mesmo em pessoas que foram vacinadas. Mas isso não quer dizer que a vacina não funciona, ou que ela não é eficaz, ou mesmo que a infecção pelo SARS-CoV-2 não dê nenhum tipo de proteção para uma segunda infecção. Nós estamos olhando um braço da defesa, que são os anticorpos, e para apenas uma das suas funções, que é a capacidade que eles têm de neutralizar os vírus", esclarece.
O que Módena alerta é que mesmo as pessoas que já foram vacinadas precisam manter cuidados como o distanciamento social, uso de máscaras e higiene das mãos, já que as vacinas protegem contra o desenvolvimento da covid-19, mas não impedem a transmissão do vírus: "Se as pessoas que foram vacinadas começarem a sair, não usarem mais máscaras, não tomarem nenhum cuidado, elas podem fazer com que esses vírus continuem sendo transmitidos. Esse processo de transmissão entre vacinados e pessoas não vacinadas, aliado à taxa de mutações do vírus, pode levar ao surgimento de um vírus que realmente escape à proteção das vacinas e cause doenças, e isso é o que não queremos".
O estudo completo pode ser acessado em https://wwwnc.cdc.gov/eid/article/27/6/21-0558_article