Também foram observadas mudanças na ciclagem de nutrientes e diminuição de fungos patógenos
Através de um experimento observado ao longo de 14 anos, em que uma porção de floresta amazônica foi privada de chuvas, cientistas puderam simular uma mudança climática extrema e verificar quais eram as mudanças no solo do local. O foco foi na observação da comunidade de fungos e de suas funções. Houve, em condições experimentais de seca, um aumento dos chamados fungos dark-septate, fungos até agora predominantemente conhecidos por sua prevalência em regiões desérticas e de alta montanha, que protegem as plantas de patógenos e da seca. Ao contrário do que se esperava, os fungos patógenos diminuíram. Já que, hipoteticamente, a presença de patógenos é um fator que contribui à diversidade vegetal da floresta amazônica, isso indica que as mudanças climáticas futuras poderiam desencadear a queda de diversidade de plantas na Amazônia. O estudo evidenciou também alterações nas atividades de enzimas do solo.
O resultado do estudo, que tem como um dos autores o professor do Instituto de Biologia László Károly Nagy, foi publicado na revista Communications Earth & Environment, uma nova revista do grupo Nature, em março. O professor explica que o experimento teve como uma das motivações a preocupação com o que pode ocorrer em decorrência das mudanças climáticas. “Temos indicações de que partes da floresta amazônica mudaram, no passado, para uma vegetação mais parecida a do cerrado. E isso, dependendo da reconfiguração dos padrões climáticos, devida as alterações antrópicas da atmosfera causadas pela conversão de floresta em grande escala, poderia afetar algumas partes da Amazônia”, afirma.
Dessa forma, teve início em 2001 um grande experimento na Reserva Florestal Nacional de Caxiuanã, no Pará, liderado pelo professor Patrick Meir, da Universidade de Edimburgo, na Escócia, e da Universidade Nacional da Austrália. O objetivo foi verificar a resposta da floresta amazônica à seca, dentro dos limites das previsões climáticas para o século. Para isso, foi excluído desse ambiente 50% da precipitação anual. Após diversos estudos debruçarem-se sobre o que ocorreria com a vegetação, demonstrando por exemplo a morte de árvores, um grupo de pesquisadores voltou-se ao solo para verificar a microbiota, conjunto de microrganismos presentes em um ecossistema. O interesse voltou-se principalmente para a diversidade fúngica no solo e seu papel na ciclagem de nutrientes.
“O estudo começou em 2001 para verificar uma possível savanização da Amazônia e por 15 anos as energias se concentraram para ver os impactos de exclusão da chuva acima do solo”, afirma Patrick Meir. “Este estudo foi o primeiro que verificou os impactos da seca abaixo do solo. Nós fizemos a coleta do solo em 2016”, pontua Erika Buscardo, a autora principal do artigo. Erika é pesquisadora visitante na Universidade de Brasília e na época do início do estudo era pós-doutoranda na Unicamp.
O olhar sobre os fungos, diz Erika, deu-se pelo seu papel na decomposição e reciclagem de nutrientes. Eles possuem uma importante ação no ciclo biogeoquímico das florestas, e são microrganismos que têm vida relativamente curta e que podem mudar de composição conforme as condições ambientais. Outros papéis de alguns fungos, relacionados à proteção das raízes e à aquisição de nutrientes, foram evidenciados no estudo.
“Os fungos podem formar associações simbióticas com as árvores. Essa simbiose ajuda as árvores tanto na aquisição de nutrientes e de água, quanto na proteção contra os patógenos. Temos também o papel de reciclagem de nutrientes, pelos fungos saprófitos, e temos os fungos endofíticos que entram em questão no artigo porque encontramos um aumento de fungos chamados dark-septate fungi, que podem ajudar na proteção das raízes da seca, e numa melhor absorção de nutrientes”, explica. Os fungos dark-septate, aponta, acumulam melanina dentro das células, razão pela qual podem estar envolvidos na proteção das raízes da seca.
Diminuição de fungos patógenos aponta redução da diversidade do solo
Ao contrário do que esperavam, a pesquisa apontou uma diminuição dos fungos patógenos. Para os pesquisadores, essa queda pode estar relacionada justamente ao aparecimento dos fungos dark-septate. “Diminuíram os patógenos, mais especificamente os patógenos de plantas. Essa diminuição pode estar relacionada ao incremento dos dark-septate fungi porque eles podem estar envolvidos também na proteção contra patógenos”, elucida Erika.
A diminuição dos patógenos, no entanto, além de ser positiva para o funcionamento de árvores, poderia estar associada à um futuro aumento de homogeneização das espécies arbóreas no local. “Segundo a hipótese de Janzen e Connell, os patógenos podem estar envolvidos na manutenção da alta diversidade vegetal, por reduzirem as taxas de sobrevivência de plântulas localizadas perto das árvores mãe e/ou em áreas onde se encontra uma alta densidade de indivíduos da mesma espécie. Como os patógenos diminuíram no cenário de exclusão parcial da chuva, isso poderia levar a uma homogeneização da comunidade vegetal, ou seja, a uma dominância de algumas espécies de plantas na floresta sob essas condições”, pontua a pesquisadora.
Alteração das atividades enzimáticas no solo
O estudo mediu também o funcionamento da microbiota do solo quantificando a atividade e abundância de diferentes enzimas no solo. As enzimas são proteínas liberadas por microrganismos do solo para quebrar a matéria vegetal morta, disponibilizando desta forma nutrientes para o crescimento vegetal e microbiano. Em condições experimentais de seca, a atividade das enzimas conhecidas por liberar nitrogênio, foi maior em relação a atividade daquelas que liberam fósforo ou carbono. Essa mudança sugere que a demanda por nitrogênio é maior do que para o fósforo na floresta mantida sob a seca. As consequências a longo prazo dessa mudança na ciclagem de elementos destas florestas não são totalmente compreendidas, mas poderiam fundamentalmente mudar o crescimento e a estocagem de dióxido de carbono em um mundo futuro mais seco e mais quente.
Preocupação com a floresta amazônica
A área da floresta amazônica teve uma perda de 20% dos anos 1970 para cá, conforme estimativa apontada no estudo. Dados do Instituto Imazon de março de 2021 também mostram que a taxa de desmatamento da floresta foi a maior registrada para o mês nos últimos 10 anos, com 810 quilômetros quadrados perdidos no período.
A redução da área de floresta, além do impacto para as espécies diretamente atingidas, implica em outras consequências, como aquelas relacionadas ao ciclo hidrológico. O professor László indica que, como mostram pesquisas dos últimos 20 anos, a floresta amazônica cumpre um papel fundamental no ciclo de chuvas de toda a região. Só no estado de São Paulo, por exemplo, pode ser responsável por 20% a 25% da chuva.
“Existem estimativas que se a taxa de desmatamento da floresta amazônica chegar a 40%, isso poderia desencadear essa chamada savanização. Há evidências históricas que, mudanças na cobertura vegetal alteram o ciclo da água”, avalia. “Ao trocar florestas por pastagens, diminui o processo de transpiração da água, que também é responsável pelas chuvas, já que em áreas de pastagem a grama transpira muito menos que a floresta e a água é escoada mais facilmente, não voltando ao ciclo. Essa é a grande diferença entre ter floresta e não ter floresta.”
“Com condições climáticas cada vez mais adversas, isso poderia desencadear uma série de processos que levam para a transfiguração da floresta que conhecemos hoje”, observa o professor. Por isso, pesquisas como as decorrentes desse experimento são importantes para demonstrar as consequências para florestas remanescentes decorrentes da destruição do bioma.