Processo à base de líquidos iônicos pode ser aplicado na fabricação de alimentos e dermocosméticos com estabilidade de até um ano
Pesquisadores da Unicamp desenvolveram um novo processo de produção de emulsificantes de ação prolongada. Além de manter as emulsões estáveis, os emulsificantes feitos a partir de óleos vegetais apresentam ação antimicrobiana e agregam valor nutricional ao produto, incorporando uma vitamina do complexo B importante para o cérebro, a colina
Os emulsificantes à base de líquidos iônicos foram testados laboratorialmente em condições extremas. O estudo foi conduzido pelos pesquisadores da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) Antonio José de Almeida Meirelles, Ariel Antonio Campos Toledo Hijo, Rosiane Lopes da Cunha e Aureliano Agostino Dias Meirelles. Eles obtiveram resultados com alta estabilidade cinética, ou seja, emulsões íntegras, sem separação de fases, por até um ano de armazenamento, usando baixas concentrações do aditivo.
“A aplicação de líquidos iônicos na indústria de alimentos é muito nova e encontramos condições ótimas para obter um produto de fácil síntese e simples mistura, que pode ser utilizado em processos comuns da indústria com diversas vantagens. São emulsificantes potentes, em concentrações aceitáveis, que a legislação já estabelece. E são antimicrobianos, não precisando, portanto, de aditivos dessa natureza, diz Toledo Hijo.
A tecnologia teve seu depósito de patente no INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) efetuado pela Agência de Inovação da Unicamp (Inova) e já integra o Portfólio de Patentes e Softwares da Universidade. Está, portanto, disponível para licenciamento de startups e empresas interessadas em dar continuidade à fabricação de novos produtos, ou para aplicação direta em suas linhas de produção.
Resultados da pesquisa
Os líquidos iônicos são sais com ponto de fusão abaixo de 100 °C. Alguns se transformam em líquidos à temperatura ambiente. Na indústria, são considerados solventes verdes, por reduzirem o risco de contaminação do meio ambiente, dada sua baixa volatilidade.
Os pesquisadores da Unicamp estudavam as condições físico-químicas dos cristais líquidos formados por esses sais quando se depararam com um resultado inesperado: a capacidade emulsificante desses líquidos favorecia a combinação de duas substâncias imiscíveis, como água e óleo, com uma estabilidade não usual. A partir disso, decidiram estudar as aplicações dos líquidos iônicos na produção de emulsões-base para alimentos.
Em geral, as emulsões não se formam espontaneamente. É comum que as misturas se desestabilizem e voltem ao estado original com o passar do tempo, com separação das fases, resultando em um aspecto nada agradável, além de afetar a vida útil de produtos emulsificados. Para aumentar a estabilidade, a indústria costuma usar agentes emulsificantes que garantem maior durabilidade ao produto. Alguns dos exemplos de emulsões são maionese, margarina, manteiga, sorvetes, cremes, loções e pomadas.
Na pesquisa foi observado que, além de manter as emulsões íntegras, os produtos tampouco apresentavam contaminação por micro-organismos, como fungos. Os pesquisadores aplicaram, propositalmente, alguns micro-organismos em amostras e observaram que sua contagem se reduzia com o tempo, indicando uma ação inibidora.
Porque usar líquidos iônicos
A busca de novas aplicações para os líquidos iônicos mira a sustentabilidade e a redução de aditivos, tendo como base a química verde e a tendência de rótulos limpos (clean label). As formulações propostas são derivadas de produtos naturais - ácidos graxos de cadeia longa presentes em óleos vegetais - e apresentam baixo impacto ambiental, com economia no uso de outros aditivos, como conservantes.
“Uma possibilidade para a produção de líquidos iônicos que propomos é a junção de ácidos graxos com etanolaminas. Outra, mais interessante ainda, é a adoção de colina. Além do poder emulsificante, estes compostos criam uma defesa para o produto, retardando a contaminação microbiana, e têm também apelo natural”, diz o professor, pesquisador e reitor da Unicamp Antonio José de Almeida Meirelles.
A colina também agrega valor nutricional ao produto. Conhecida por ser uma das vitaminas do complexo B que atuam na produção e síntese de neurotransmissores responsáveis pela memória, ela pode ser combinada a outros ácidos graxos, como os ômegas, também associados a benefícios para a saúde, como a prevenção de doenças cardiovasculares.
Grande quantidade de produtos que consumimos no dia a dia usa emulsificantes em sua composição. Além da indústria de alimentos, os líquidos iônicos podem ter aplicações em bioprodutos que contenham emulsões como base ou como coadjuvantes nas indústrias cosmética, farmacêutica e agrícola. A aplicação da tecnologia depende de novos estudos em escala industrial, mas, de acordo com os pesquisadores, poderia facilmente ser integrada a empresas que já manufaturam produtos emulsionados, ou que trabalhem com refino de óleo vegetal para obtenção de ácidos graxos e derivados, ou ainda na produção de ingredientes emulsificantes e conservantes.
Matéria original publica no site da Agência de Inovação da Unicamp.
Ouça o Repórter Unicamp sobre o tema produzido pela Rádio Unicamp.