Planta de origem asiática foi estudada por um grupo de pesquisadoras. O trabalho resultou em um pó solúvel e um espessante de baixa caloria e alto teor de fibras
O primeiro estudo brasileiro a caracterizar os compostos bioativos da bardana (planta de origem asiática) foi conduzido por um grupo de pesquisadoras ligadas à Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp. O trabalho resultou no desenvolvimento de dois processos para a indústria a partir da raiz da bardana usando plantas cultivadas no Brasil e com um aproveitamento integral do vegetal. Eles tornam possível a produção de um pó prebiótico, de alto rendimento, sem qualquer aditivo químico, e de um ingrediente que pode ser usado como um espessante alimentar de baixo teor calórico e rico em fibras.
Por meio da Agência de Inovação Inova, a Unicamp protocolou no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) um pedido de patente do processo de obtenção dos ingredientes prebióticos e seus usos. A tecnologia faz parte do portfólio de Patentes e Softwares da Unicamp, uma espécie de vitrine das inovações produzidas na universidade e disponíveis para parcerias com o mercado.
Os prebióticos são carboidratos que passam pelo trato gastrointestinal sem serem metabolizados e chegam intactos ao cólon. Lá, são fermentados e estimulam o crescimento de bactérias probióticas. Por isso, são classificados como assistentes do microbioma intestinal. Em outras palavras, viram alimento para bactérias que modulam o intestino, com diversos benefícios para a saúde. Os efeitos vão desde atividades anti-inflamatórias locais a ações benéficas em doenças crônicas, como a redução de glicemia. Parte disso está associado à produção de ácidos graxos de cadeia curta que podem regenerar mucosas, melhorar a imunidade contra vírus e trazer até benefícios à saúde mental.
Produção nacional de prebióticos
O estudo desenvolvido na Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) compreendeu desde o processamento e desenvolvimento tecnológico até as análises finais da parte nutricional do extrato, além da comparação com os teores de prebióticos presentes em outras formas tradicionais de consumo da bardana, como o chá.
“Foi a primeira vez que a bardana brasileira passou por todas essas etapas. Até então, não tínhamos uma história da nossa bardana, planta que se adaptou às nossas terras e às nossas condições climáticas. Para mim, isso é motivo de muito orgulho”, diz a professora Maria Teresa Pedrosa Silva Clerici, uma das responsáveis pelo Laboratório de Cereais, Raízes e Tubérculos (LCRT) da Unicamp.
Os trabalhos existentes sobre a bardana detalhavam informações agronômicas de cultivo, mas não havia pesquisas sobre as propriedades e a composição das raízes cultivadas no Brasil em comparação com as da Ásia, Europa e América do Norte.
Na descrição da invenção, as pesquisadoras destacam que produtos prebióticos comerciais com frutooligossacarídeos - açúcares não convencionais conhecidos como carboidratos funcionais não digeríveis - são geralmente importados de países do hemisfério norte.
Alguns dos tubérculos prebióticos mais conhecidos, como o yacon, a alcachofra de Jerusalém e o agave, não têm produção expressiva no Brasil. Já a bardana teve o cultivo adaptado ao clima brasileiro, principalmente nos Estados de São Paulo, Paraná e Santa Catarina, sendo vista, por isso, como uma alternativa para uma produção nacional de prebióticos.
Maior aproveitamento da bardana
O novo processo obtém um pó que pode diversificar a aplicação de prebióticos na indústria alimentícia sem nada desperdiçar da planta. A tecnologia é considerada ambientalmente limpa, pois usa apenas água como solvente para a extração dos ingredientes.
A primeira fração extraída apresentou mais de 60% de solubilidade e baixa umidade, o que a torna bastante estável. De sabor suave, praticamente imperceptível, e cor clara, o produto pode ser incorporado a sucos, sopas, leites vegetais e outros alimentos - inclusive para veganos - sem grandes alterações sensoriais.
A segunda fração apresentou outras características físicas, que ampliam o aproveitamento da bardana. A partir do resíduo da raiz já triturada e aquecida, é elaborada uma parte insolúvel, com propriedades probióticas, que pode ser usada como espessante alimentar de baixíssima caloria e rico em fibras.
“Fizemos a caracterização do resíduo da extração para ver a possibilidade de utilização e observamos que essa fibra estrutural apresenta uma capacidade prebiótica similar à do extrato, com a presença de carboidratos prebióticos e propriedades espessantes, bem diferente do que se tem atualmente no mercado de aditivos alimentares”, comenta a nutricionista Thaísa de Menezes Alves Moro.
O produto pode beneficiar pacientes com síndrome pós-COVID-19, Alzheimer, Parkinson ou alterações neurológicas que causem disfagia (dificuldade de engolir alimentos). Outra vantagem está no fato de a bardana ser um tubérculo não amiláceo, podendo ser consumida de forma segura por pessoas obesas, diabéticas ou com restrição alimentar. As fibras nela presentes promovem a digestão mais lenta dos carboidratos, o que ajuda a controlar os níveis de açúcar no sangue. A substituição de parte dos espessantes (geralmente feitos com base em amidos) pelos subprodutos da bardana pode aumentar a quantidade de fibras desses aditivos, melhorando as características nutricionais da dieta daqueles indivíduos.
Por dentro da bardana
A pesquisa contou com a parceria do Laboratório de Bioaromas e Compostos Bioativos da Unicamp, coordenado pela professora Glaucia Maria Pastore, e especializado na caracterização de alimentos funcionais. Um dos desafios foi adaptar os parâmetros de análise para identificar os compostos bioativos das raízes da bardana nacional, já que o laboratório normalmente trabalha com a caracterização de frutas nativas brasileiras.
“A bardana tem basicamente frutooligossacarídos (FOS), como GF2, GF3 e GF4, além de outros carboidratos maiores que não conseguimos identificar por falta de padrões. Algumas raízes, como o yacon, tem carboidratos menores e outras, como a chicória, tem carboidratos de tamanho maior. Já a bardana tem uma mistura dos dois”, diz a nutricionista Ana Paula Aparecida Pereira.
Os carboidratos do tipo FOS não são degradados durante a maioria dos processos de aquecimento. Devido a tais características, o pó prebiótico desenvolvido na Unicamp pode ser usado em diversas formulações, inclusive na área de panificação, substituindo farinhas tradicionais mais calóricas e gerando produtos de teor reduzido de carboidratos digeríveis, com o efeito nutricional complementar das fibras.
Matéria original publicada no site da Agência de Inovação Inova Unicamp.