Pesquisadora do Instituto de Geociências analisou dados epidemiológicos do período entre 2013 e 2016
Até meados de outubro de 2021, Campinas já registrava quase 2.300 casos confirmados de dengue, de acordo com o informe epidemiológico do Departamento de Vigilância em Saúde. A região sudoeste teve o maior número de casos, 620. O coeficiente de incidência naquela região é de 280 casos para 100 mil habitantes, enquanto no município como um todo é de 185. Para avaliar a influência, na disseminação do vírus da dengue, de pontos estratégicos e imóveis especiais com alta concentração de materiais preferenciais para a desova da fêmea do mosquito Aedes aegypti, Jéssica Andretta Mendes, doutoranda do Instituto de Geociências da Unicamp, mapeou casos confirmados em Campinas entre 2013 e 2016. São considerados imóveis especiais os locais de grande circulação de pessoas, como hotéis, prédios públicos, igrejas e shopping centers. Já pontos estratégicos são terrenos, obras, borracharias, ferros-velhos, entre outros.
A tese de doutorado intitulada “Análise espacial da distribuição das taxas de incidência de dengue e relação com possíveis fontes de risco no município de Campinas – SP”, defendida em agosto sob orientação de Marcos César Ferreira, docente do Departamento de Geografia, possibilitou o mapeamento das taxas de incidência e da concentração de casos no município. “De forma geral, a localização dos aglomerados com altas taxas de incidência variou ao longo do período estudado. Aqueles localizados nos distritos de saúde norte, noroeste e sudoeste do município persistiram ao longo do tempo, enquanto os localizados nas regiões sul e leste apresentaram intermitência”, revela Jéssica.
Para identificar áreas de maior incidência, foram utilizados métodos complementares de análise espacial: um para detecção de altas densidades de casos (Estimador de Densidade Kernel) e dois para detecção de aglomerados de altas taxas de incidência (Método de Autocorrelação Local de Moran e Método de Varredura Espacial Scan). De acordo com o estudo, quanto mais próximo dos imóveis cadastrados como pontos estratégicos, maiores foram as taxas médias de incidência. Aumentando a distância desses imóveis, as taxas médias de incidência tendem a decrescer. “Isso pode advir do fato de que os pontos estratégicos costumam ser locais mais suscetíveis ao surgimento e ao desenvolvimento de larvas e mosquitos do Aedes aegypti, como, por exemplo, borracharias, depósitos de materiais para reciclagem, cemitérios e floriculturas”, afirma Jéssica. Já os imóveis especiais, além de reunirem condições para a proliferação do mosquito, ficam em locais de maior fluxo de pessoas, como estabelecimentos de ensino, hotéis e templos religiosos. “A maior circulação de pessoas pode contribuir também para que haja maior fiscalização por parte da população, embora, nesses locais, haja maior risco de transmissão, pois os humanos também são vetores dessa doença”, destaca a agora doutora em Geografia.
Os resultados encontrados devem contribuir para o planejamento de ações preventivas e mitigadoras da equipe de vigilância e controle da dengue em Campinas. Uma cópia da tese foi entregue ao Centro de Educação dos Trabalhadores da Saúde (CETS), vinculado à Secretaria Municipal de Saúde, para que possa servir como referência a outros estudos. A pesquisa, realizada com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), aponta para a manutenção e mesmo intensificação de ações de vigilância e combate ao mosquito transmissor da dengue nas proximidades de imóveis cadastrados como pontos estratégicos e imóveis especiais.
O estudo sugere também uma reavaliação contínua e aprimorada dos métodos de prevenção e controle da dengue. Uma das grandes dificuldades da pesquisa foi a padronização dos endereços do banco de dados utilizado pela Secretaria de Saúde. “Metade do tempo planejado para a execução da pesquisa foi utilizado na organização e padronização dos endereços. Os dados tiveram que ser conferidos um a um e comparados com a nomenclatura da base de dados do sistema viário (Google Maps)”, conta Jéssica. Ela recomenda o investimento em uma base de dados padronizada e digitalizada, que possa ser utilizada por diferentes departamentos da prefeitura e por pesquisadores. Bases de dados desse tipo já existem em municípios como São Paulo, onde o sistema cartográfico passou por um processo de modernização, com a utilização do sistema de Geocodificação de Logradouros (GEOLOG), disponibilizado no portal GeoSampa.
A pesquisadora reforça ainda a importância da colaboração de prefeituras e demais órgãos públicos com universidades e institutos de pesquisa. “Apesar de haver pontos a serem aprimorados quanto à criação e à manutenção dos bancos de dados, a colaboração e a troca de informações e saberes entre os membros dessas instituições é muito importante para a sociedade. Além disso, a interação entre pesquisadores de diferentes áreas enriquece a discussão e a interpretação dos resultados da pesquisa”, finaliza.