Da formação continuada de educadores à capacitação em educação inclusiva, atuação da Faculdade de Educação da Unicamp contribui para qualificar o ensino nas escolas
Lidar com o cotidiano das salas de aula e com a diversidade de estudantes nas redes escolares é um desafio que exige contínuo aperfeiçoamento dos profissionais da área. Na Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, vários projetos contribuem para uma capacitação constante e alinhada aos problemas reais da educação básica. A atuação na formação continuada e a capacitação em educação inclusiva são duas frentes de atuação que se destacam nesse sentido. Milhares de profissionais das redes escolares são formados todos os anos por meio de cursos de extensão oferecidos por pesquisadores da Universidade.
Um dos eixos de atuação da FE diz respeito à formação continuada, processo que visa ao aperfeiçoamento dos saberes exigidos à atividade dos educadores. Através da intersecção dos pilares da universidade pública - o ensino, a pesquisa e a extensão - conhecimentos são compartilhados entre pesquisadores da instituição e profissionais das escolas, possibilitando uma troca de experiências fundamental para o aperfeiçoamento da educação.
Grande parte dos cursos de formação continuada ocorre pela extensão universitária, que promove uma ponte direta entre os saberes da universidade e da sociedade. A professora da FE, Maria Aparecida Guedes Monção, é uma das docentes envolvidas nesses cursos.
A docente tem uma história profissional vinculada à educação infantil e explica a importância da capacitação. “Apesar de pouco valorizado socialmente, o professor necessita de formação para dar conta das demandas que chegam a ele. No senso comum, parece que a educação se restringe a transmitir conteúdos, mas é muito mais que isso. Na escola, as crianças aprendem mais do que as áreas do conhecimento, elas aprendem a se relacionar, a lidar com a diversidade. O professor precisa dialogar com tudo isso, lidando com as singularidades em um espaço coletivo”, diz.
O último curso coordenado por Maria Aparecida, voltado a gestores de escolas (diretorias, vice-diretorias e coordenações pedagógicas), foi oferecido em 2021. A proposta surgiu de uma demanda de gestores em educação. Um coletivo de profissionais da Zona Leste de São Paulo a procurou com interesse em aprofundar conhecimentos sobre intersetorialidade e gestão democrática das escolas. Assim nasceu o curso, do qual participaram 80 profissionais das redes escolares de São Paulo e de Campinas.
Alunas do curso e coordenadoras pedagógicas da educação infantil na rede de Campinas, Marina Jardim e Renata Laureano avaliam a formação como um momento de aprendizagem e de trocas. “O formato do curso e a metodologia adotada nas aulas proporcionaram uma troca intensa entre os profissionais de duas redes diferentes. As aprendizagens foram muitas, tanto no que se refere ao conteúdo, tratado por diferentes especialistas, como pela produção de conhecimento feita ao final do curso”, diz Renata.
A interlocução entre profissionais da educação básica e do ensino superior, afirmam as alunas, é fundamental para a aproximação entre a academia e os desafios cotidianos das unidades educacionais. “Se por um lado o conhecimento produzido na academia pode afetar os profissionais de modo a promover reflexões e mudanças em suas práticas educativas, os pesquisadores também têm elementos do cotidiano para promover novas pesquisas e estratégias, e assim contribuir com os educadores na formulação de políticas públicas que garantam os direitos dos bebês e das crianças a uma educação de qualidade e com equidade”, observa Marina.
O curso, como destacam as educadoras, não é uma via de mão única. Em função dessa parceria, estudantes da Faculdade de Educação puderam realizar estágios também na rede pública de São Paulo. “Tentamos fazer a integração para que os estudantes fiquem próximos da educação básica. Isso também faz com que nós, que estamos no ensino superior, fiquemos atentos às demandas das unidades escolares”, avalia Maria Aparecida.
A docente também é coordenadora do Mestrado Profissional em Educação Escolar da FE, modalidade de pós-graduação vinculada à formação continuada de professores. O programa do mestrado desenvolve atividades e pesquisas relacionadas às práticas escolares. A preparação para atuação em políticas públicas educacionais em gestão, planejamento e avaliação de escolas e sistemas de ensino também é um dos focos do curso.
“A educação tem muitas nuances. Nosso desejo é contemplar todas as especificidades, pois quando isso não ocorre há um impacto muito grande sobre as crianças. Esse é o nosso papel na educação pública: produção de conhecimento que nos permita avançar conceitualmente e também nas práticas”, ressalta a professora.
Impulsionando a inclusão escolar
Na perspectiva da educação inclusiva, assegurada pela legislação brasileira, é preciso garantir acesso, permanência e aprendizagem a todas as crianças, sem discriminação. As escolas normais e regulares precisam estar preparadas para atender a toda a diversidade dos estudantes, eliminando barreiras que os impeçam de estudar.
Atualmente, cerca de 90% dos estudantes com necessidades especiais frequentam a escola regular. Mas nem sempre foi assim. Em 1998, esse índice era de apenas 13%. A atuação de movimentos sociais e de pesquisadores da área teve uma importância singular para esse avanço. Dentre eles, está o Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença (Leped) da FE da Unicamp.
O Leped foi fundado em 1996 e se dedica a pesquisas e a atividades que contribuam para uma educação inclusiva. Fundado pela professora Maria Teresa Égler Mantoan, o desenvolvimento de pesquisas em políticas públicas e formação de profissionais da educação marcam o papel do Leped na história da educação inclusiva no país.
“O Leped se preocupa muito com a produção do conhecimento para a melhora das condições de vida. A luta do Leped é por uma escola para todos e, nesse sentido, temos vários cursos na Extecamp, com uma repercussão muito grande no Brasil”, observa Maria Teresa. A professora, que foi uma das responsáveis pela redação da Política Nacional de Educação Inclusiva (PNEEPI), de 2008, avalia que ainda há muito a avançar na formação em educação inclusiva, e os cursos ajudam a suprir essa lacuna.
Na plataforma da Escola de Extensão da Unicamp (Extecamp) há, atualmente, três cursos de difusão cultural voltados à educação inclusiva: “Entendendo a inclusão escolar como um direito”, “A diferença nas escolas e inclusão na prática: como ensinar matemática (e outras disciplinas) a todos os alunos, sem adaptações” e “A diferença nas escolas”. Em apenas um deles, estão matriculados mais de três mil alunos. Também são oferecidos cursos em parceria com o Núcleo de Estudos de Políticas Públicas, na área de educação infantil e de arte-educação.
O Leped também está preparando, junto à Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down (FBASD), 11 cursos online sobre educação inclusiva, voltados a públicos específicos. Serão materiais direcionados a professores, famílias, conselheiros tutelares, operadores do direito, entre outros grupos. O Laboratório e a Federação também realizam, periodicamente, palestras, publicações e eventos em conjunto.
A formação para diversos profissionais é considerada fundamental pelo presidente da FBASD, Antonio Sestaro. Ele explica que a Federação recebe constantes denúncias de discriminação nas escolas e, quando os pais procuram um órgão para buscar auxílio, percebe-se uma lacuna de conhecimento sobre o assunto.
Antonio é pai de Samuel Sestaro, de 31 anos. Quando seu filho estava em idade escolar, na década de 1990, o panorama era muito desafiador. O presidente da FBASD considera que a atuação do Leped segue sendo fundamental para os avanços da educação inclusiva.
Desde a década de 1990, quando a FBASD e o Leped foram criados, há uma parceria entre ambos. Maria Teresa, Antonio e outros tantos defensores da educação inclusiva atuaram conjuntamente para impulsionar políticas públicas.
Após a promulgação da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, de 2007, da Lei Brasileira de Inclusão (LBI), da Política Nacional Educação Inclusiva, houve significativos avanços nesse sentido. No entanto, avalia Antonio, o respaldo jurídico precisa ser acompanhado pela formação em inclusão.
“Há um respaldo jurídico importante, mas só a lei não basta. Precisamos que a sociedade, as escolas e os gestores entendam o que estamos falando. Por isso os cursos do Leped são fundamentais”, diz ele, que ressalta o papel de vanguarda da professora Maria Teresa na educação inclusiva no Brasil.
Na luta contra retrocessos
A parceria entre o Leped e organizações como a FBASD abrange também o ativismo político. Em 2020, quando o governo federal editou o decreto 10.502/2020, na contramão da educação inclusiva, eles se articularam como “amigos da corte” na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) impetrada no STF pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB). A medida do governo incentiva a criação de escolas especializadas, ferindo o que preconiza a Constituição Federal, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação e a legislação sobre a inclusão.
Com a ADI, o STF suspendeu o decreto e está realizando uma rodada de audiências sobre o assunto. Ainda não há previsão para a votação da ação. “Estamos lutando diante das opções do governo atual, porque o Executivo propôs um decreto inviabilizando a inclusão, com posicionamentos segregadores. A força do Leped, junto a outras organizações não governamentais da educação e do direito, judicializou todas as propostas que ferem o movimento inclusivo. Chegamos ao STF liderando um conjunto enorme de instituições voltadas para a defesa da inclusão e estamos aguardando a resposta para a sessão plenária, onde esperamos ganhar”, conta a coordenadora do Leped.
O presidente da FBASD critica o decreto, classificado por ele como “uma proposta totalmente segregadora”. A expectativa é que seja derrubado, e que haja o fortalecimento da inclusão nas escolas públicas regulares. Ele também critica a visão capacitista do atual Ministro da Educação, Milton Ribeiro, ao declarar que as crianças com deficiência “atrapalhavam” os demais alunos em sala de aula. Por trás dessa visão, avalia, estão os interesses de escolas especializadas privadas, que vêm perdendo estudantes com os avanços da inclusão nas escolas regulares.
A educação, diz Antonio, é fundamental para as pessoas com deficiência e tem reflexos também na empregabilidade. É nas escolas regulares que a formação deve ser feita, sem segregação, avalia. “Entendemos que vivemos em uma sociedade capacitista, mas podemos influenciar essa sociedade através da educação. Ao termos paridade no ensino, uma educação para todos e uma sociedade mais plural, teremos um país melhor”.