Editora da Unicamp completa quatro décadas numa trajetória que se confunde com a da Universidade; exposição retrata o período
Foi numa saleta do campus da Universidade Estadual de Campinas, em Barão Geraldo, que teve início a história da Editora da Unicamp. Institucionalizada em dezembro de 1982, o órgão chega aos 40 anos como referência no mercado editorial, com mais de 1,2 mil títulos publicados. O Jornal da Unicamp ouviu 12 personagens, entre ex-diretores e funcionários na ativa, que ajudaram a amalgamar essa trajetória, que será objeto, entre outras ações, de exposição a ser inaugurada no dia 13 de maio (sexta-feira), na Biblioteca Central Cesar Lattes.
Ouça o áudio da Rádio Unicamp sobre a mostra.
A linguista Edwiges Morato, diretora da Editora da Unicamp e docente do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), revela que a exposição comemorativa dos 40 anos da Editora integra um conjunto de eventos e celebração de efemérides de interesse editorial e acadêmico relativo ao ano de 2022.
Segundo a dirigente, nesse contexto, está prevista também, em junho, uma exposição com os títulos do catálogo que remetem ao bicentenário da Independência, ao centenário da Semana de Arte Moderna e aos cem anos da ascensão do fascismo. Em setembro, prossegue Edwiges, acontece a Festa do Livro, no ginásio da Unicamp, que será acompanhada pelo seminário “Discutindo o Brasil e o mundo”, organizado pelo Conselho Editorial.
“A percepção da Editora como um ente acadêmico e cultural, integrante do organismo universitário, é o principal norteador das políticas editoriais e das iniciativas da atual gestão”, revela Edwiges, que está há um ano no cargo.
Entre as prioridades de seu mandato, a dirigente ressalta a dinamização da comunicação, a abertura e o incremento de linhas, Coleções e Séries editoriais, a promoção de seminários e eventos acadêmicos associados à produção editorial e ações documentais que visam à divulgação de suas práticas e de seus objetivos.
Em outra frente, a dirigente prevê a elaboração de um plano estrutural e funcional quinquenal para a Editora no âmbito do Planes (Planejamento Estratégico) da Unicamp.
Instada a avaliar o papel da Editora ao longo de seus 40 anos, Edwiges pondera que não dá para dissociar a linha de atuação de uma editora acadêmica dos valores disseminados ou pressupostos pela universidade à qual ela pertence.
Nesse sentido, reafirma a linguista, “a Editora chega à maturidade tendo muito do que se orgulhar e aberta aos vários desafios que sempre terá pela frente, em razão de sua vocação científico-cultural e de sua concernência aos objetivos da Unicamp, uma universidade de excelência, pública, gratuita e socialmente referenciada”. (Leia artigo de Edwiges Morato.)
Conjuntura favorável
Para o primeiro diretor do órgão, o historiador Jaime Pinsky, a Editora surgiu em uma conjuntura que reunia fatores condicionantes que resultariam em sua criação, entre os quais o enfraquecimento da ditadura militar e a expansão da Universidade em todas as áreas – do espaço físico ao quadro de docentes e funcionários.
Ademais, lembra Pinsky, havia a necessidade premente de difundir o conteúdo didático produzido pelos professores, tanto dentro como fora da sala de aula. “Investimos nessa vertente, inclusive em coedições, com publicações de todas as áreas do conhecimento”, relembra o historiador, que à época era professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH).
Na opinião de Pinsky, cuja gestão foi de 1983 a 1985, uma editora universitária pode e deve ser um canal de comunicação entre a produção do saber e a sociedade. “A Unicamp é um celeiro de talentos e de profissionais competentes. Cabe à Editora fazer circular e democratizar o saber produzido em nosso espaço”, opina.
O secretário gráfico Ednilson Tristão, o Edinho, é outra testemunha dos primórdios da Editora, onde ingressou em 1990 depois de exercer a função de mensageiro no Gabinete do Reitor. “O professor Carlos Vogt [reitor entre 1990 e 1994] me viu desenhando, achou que eu tinha talento e me sugeriu que buscasse uma vaga na área gráfica da Editora”, lembra.
Em seus mais de 30 anos na profissão, Edinho testemunhou todas as transformações pelas quais passou o setor em que trabalha – das capas feitas na prancheta, com nanquim, aos mais avançados softwares. Exerceu as funções de diagramador, arte-finalista, produtor editorial, técnico em artes gráficas até chegar ao cargo de secretário gráfico, por ele hoje ocupado.
Tristão destaca que, no transcorrer dessas mais de três décadas de trabalho, o contato com diferentes conteúdos possibilitou o seu aprimoramento profissional, materializado em reconhecimento pelo trabalho realizado, tanto entre os pares como na forma de prêmios. “A Editora sempre foi para mim uma fonte de conhecimento e de inspiração.”
Sílvia Helena Pires de Campos Gonçalves ingressou em 1989 no setor administrativo da Editora, sendo transferida dois anos depois para a diagramação, função que exerceu por mais de duas décadas entre idas e vindas por outras áreas do órgão.
A exemplo de Tristão, Sílvia presenciou diversas mudanças nos processos de produção do livro. “Fui do linotipo ao digital. Tive o privilégio de transitar por todas as etapas, dos passos iniciais à finalização, passando pela parte burocrática, pela comercialização e pela distribuição”, atesta Sílvia.
A funcionária voltou ao setor administrativo em 2018, mas jamais deixou de manifestar a importância do livro em sua trajetória profissional. “Toda a minha bagagem de conhecimento foi adquirida nessa relação com as obras publicadas pela Editora”, afirma. “Costumo dizer que participar da confecção de um livro é como uma gestação. Feitas as contas, devo ter tido uns 600 filhos”, brinca.
Furando o bloqueio
Para o linguista Eduardo Guimarães, diretor da Editora em dois períodos (1986-1997 e 2013-2017), uma das principais marcas do órgão reside no fato de ter criado condições para que muitos docentes e pesquisadores da Unicamp pudessem publicar suas obras, furando o bloqueio de um mercado regido, invariavelmente, pelo lucro. “Autores desconhecidos encontraram seu espaço. Muitos ganharam notoriedade, sendo até premiados”, pontua.
Por outro lado, avalia Guimarães, a Editora viabilizou a publicação de obras de relevo na história da ciência, da filosofia e das artes, incluindo nesse rol clássicos que havia muito tempo não ganhavam uma nova edição. “A Editora manteve à disposição dos interessados obras que dificilmente seriam republicadas. Foi assim que passou a ter um catálogo expressivo”, diz Guimarães. “Em paralelo, a Editora soube acompanhar os novos movimentos do mercado, como a edição de e-books e vendas pela internet”, complementa.
O ex-diretor, que é docente do IEL, destaca como iniciativas relevantes de suas duas gestões a publicação de manuais de ensino e de coleções dedicadas à poesia e à história do pensamento, a implementação de mecanismos de venda e de distribuição, e a implantação de duas livrarias da Editora no campus de Barão Geraldo.
Foi em uma dessas livrarias que teve início na Editora, em março de 1996, a trajetória de Ana Lúcia Ângelo de Andrade. Oriunda de Monte Castelo (SP), Ana Lúcia relembra que, quando desembarcou em Campinas para acompanhar um irmão que sofrera um acidente, trazia apenas uma maleta e R$ 700 na bolsa. “Passados 26 anos, construí uma casa e dei outra para minha mãe”, diz Ana Lúcia, hoje lotada na Livraria da Editora localizada na Biblioteca Central da Unicamp.
“Sou muita grata à Editora por tudo que conquistei, mas o que me move é trabalhar com o público, que é muito diversificado e interessado. A venda de livro é uma arte”, diz Ana Lúcia, cuja rotina inclui muita leitura e a atualização diária sobre os títulos que chegam às estantes. “Não raro, indico obras aos clientes.”
Para além da leitura, a funcionária menciona o contato diário com alunos e docentes como fonte de ampliação de seus horizontes pessoais e profissionais. Lembra com carinho, por exemplo, das incursões frequentes do sociólogo Octavio Ianni, que, assim que entrava na Livraria, entre comentários sobre livros e conversas sobre temas prosaicos, sempre dizia a Ana, com afeto, que tinha uma neta homônima. “Esse tipo de interação fez com que meu aprendizado fosse diário. Evoluí muito graças ao meu trabalho na Editora.”
Ezequiel Theodoro da Silva, diretor da Editora entre fevereiro e dezembro de 1998 e professor colaborador da Faculdade de Educação (FE), revela que sua experiência à frente do órgão abriu caminho para uma aprendizagem acerca das técnicas e das fases de produção do livro impresso. “Dessa forma, pude aproximar o polo da recepção – a leitura, foco das minhas preocupações acadêmicas – com o polo da produção impressa de uma editora profissional.”
O ex-diretor diz sempre ter relacionado o trabalho da Editora com o escoamento e a amplificação, por meios distintos, da produção acadêmica da Unicamp, principalmente a científica. “As múltiplas premiações recebidas ao longo da sua história são provas cabais das suas excelentes edições em termos de cuidados no processo de seleção e profissionalismo nos processos de edição”, avalia Ezequiel.
Estratégia correta
Assim como seus antecessores, o engenheiro mecânico Luiz Fernando Milanez, diretor entre 1999 e 2002, acredita que a Editora da Unicamp adotou a estratégia correta ao priorizar a difusão de obras de autoria de docentes, pesquisadores e alunos da Universidade.
Na opinião do ex-dirigente, cabe às editoras universitárias cumprir esse papel. “Essa linha de atuação e as diferentes iniciativas adotadas ao longo de 40 anos, entre as quais a publicação de traduções, textos clássicos e obras relevantes de interesse acadêmico e do público em geral, renderam prêmios e merecido reconhecimento”.
Milanez, que era docente da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM), foi o único diretor da Editora não oriundo da área de humanidades. “Na gestão anterior, eu integrava o Conselho Editorial e o então reitor Hermano Tavares pediu que eu assumisse a Editora interinamente enquanto ele buscava um nome das humanas. Como nenhum docente aceitou a incumbência, o reitor me pediu para dirigir o órgão”, relembra.
Jacion Sabino da Silva ingressou como patrulheiro na Editora, em 2000, durante a gestão de Milanez. Dois anos depois, foi contratado como auxiliar administrativo, galgando outros postos até chegar a gerente comercial, cargo que assumiu em 2017. “Passei por todas as áreas, com exceção da produção de livros”, orgulha-se.
O fato de transitar por áreas distintas ao longo de sua carreira fez com que Jacion adquirisse a visão do todo. Hoje responsável por toda a área comercial, o gerente vê na implantação do estoque um divisor de águas. “A Editora mudou de patamar. A organização propiciada pelo estoque profissionalizou de vez o setor comercial, foi uma grande evolução. O consumidor final passou a ser atendido com mais agilidade”, diagnostica.
Pai de uma menina de 11 anos, Jacion credita à Editora o seu crescimento em todos os níveis, do intelectual ao profissional. “Graças ao meu trabalho, graduei-me em Ciências Contábeis, constituí família, convivi com pessoas que me abriram caminhos. Posso dizer que conquistei tudo o que almejava”, revela.
O ensaísta e escritor Paulo Franchetti, diretor do órgão entre 2002 e 2013, adota a parcimônia ao fazer um balanço da Editora em razão de suas diferentes configurações no período. “Nos seus melhores momentos, a Editora publicou livros de grande relevância; nos piores, teve uma tendência localista ou contabilista, como se fosse uma gráfica destinada a publicar a produção local ou a amealhar recursos”, assevera.
“Mas, no geral, contando principalmente aqueles primeiros anos em que teve todo o apoio da Reitoria, foi uma boa referência no meio editorial”, avalia Franchetti. Professor do Instituto de Estudos da Linguagem quando assumiu, ele revela que tinha três objetivos: tornar o órgão uma referência nacional e internacional, tanto no catálogo como na qualidade editorial; dar existência fiscal à Editora; e criar um regimento e uma série de normas públicas.
De acordo com Franchetti, o primeiro objetivo concretizou-se por meio da escolha de um Conselho Editorial do mais alto nível, tornando o logotipo da Editora da Unicamp um selo de qualidade. O segundo, prossegue Franchetti, foi alcançado com a ajuda de José Tadeu Jorge e de Paulo Eduardo Rodrigues Moreira da Silva, respectivamente, à época, coordenador-geral e pró-reitor de Desenvolvimento Universitário. “Já o terceiro foi uma decorrência dos dois primeiros e foi o mais fácil de realizar”, lembra.
O poder do livro
O percurso da supervisora de eventos Gracinda Maria Baptista, assim como o de alguns colegas do órgão, é um exemplo emblemático de como o trabalho na Editora – e a imersão no universo do livro – podem ser transformadores. Gracinda trabalhava na tesouraria de uma escola quando foi demitida. Precisando de emprego, ingressou na Editora em 2000, como faxineira, função que exerceu por três meses.
Aprovada num concurso da Universidade, logo foi para a recepção, ocupando ao longo dos anos funções em outros setores, da secretaria da direção ao administrativo. Ao exercer a função de auxiliar do setor de Eventos, incentivada pelo então diretor Paulo Franchetti, decidiu cursar a faculdade de propaganda e marketing, matriculando-se depois de formada num curso de espanhol.
Em 2007, assumiu o cargo de supervisora de eventos. Na função, coordenou trabalhos em bienais e feiras locais, nacionais e internacionais, chegando a representar a Editora no exterior. Gracinda recorre à modéstia e à gratidão quando indagada sobre o que acha de sua trajetória: “Jamais imaginei chegar a ser supervisora. A Editora é como se fosse a extensão da minha família”.
Para Márcia Abreu, diretora do órgão entre 2017 e 2021, uma editora universitária deve nortear-se pela divulgação do saber, municiar o debate científico e favorecer o desenvolvimento da cultura, sem ter como meta o resultado financeiro. “Ainda que o ganho pecuniário não seja sua finalidade, bons resultados nas vendas são indício de acerto na política editorial, pois sugerem que os livros chegaram às mãos dos leitores”, ressalva Márcia.
“Aliando o bom desempenho financeiro com a publicação de títulos relevantes para variadas áreas do conhecimento e para o público em geral, cumpre-se o desígnio fundamental da Editora”, acredita a ex-diretora, que é professora do Instituto de Estudos da Linguagem.
Márcia Abreu afirma que sua gestão priorizou uma política de barateamento do preço dos livros por meio de variadas fontes, entre as quais o site da Editora, feiras de livros e eventos no campus. “Nós consideramos também que o encontro do leitor com o livro não precisa passar necessariamente pela compra. Por isso, foi realizada a campanha de doação para instituições públicas”, finaliza.
Nessa altura de sua existência, afirma Edwiges Morato, a Editora da Unicamp tem muito do que se orgulhar e desafios a enfrentar, de diversas naturezas. “Ao comemorar seus 40 anos, a Editora celebra uma função integradora em relação à vida universitária, compartilhada com as bibliotecas e as livrarias, também essenciais para mantermos vivas a cultura do livro, a ordem imaginativa, a cidadania, a ciência e o interesse pelo conhecimento que ele – o livro – veicula, cogita, discute, compartilha e constrói”.