Programa Artista e Pesquisador Residente valoriza a aproximação entre criação artística e pesquisa acadêmica
Trazer para a Universidade conhecimentos e experiências que combinam a criação artística e a pesquisa acadêmica latino-americana. Este é o objetivo do Programa Pesquisador e Artista Residente, iniciativa da Diretoria de Cultura (DCult) da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (Proec) da Unicamp. Ao longo do ano, a comunidade acadêmica e externa poderá participar de atividades com 21 pesquisadores-artistas nas áreas de música, dança, teatro, literatura, culinária, artes plásticas e manuais, audiovisual, entre outros. O programa é fruto de um convênio entre a Unicamp e o Banco Santander.
Os residentes foram selecionados em editais abertos em 2019 e 2020. Em razão da pandemia de Covid-19, as atividades estão sendo executadas ao longo deste ano. O programa pretende dar visibilidade à pesquisa no campo das artes e enfatizar seu potencial extensionista. Por isso, os candidatos precisavam ter o título mínimo de mestre e as propostas deveriam se relacionar às suas áreas de pesquisa. Todas as oficinas, cursos e palestras são abertas ao público externo à Unicamp.
"A preferência por latino-americanos faz parte de uma política de aproximação com as universidades do continente. Projetos desses pesquisadores e artistas ganharam uma pontuação extra na seleção. Priorizamos também temáticas afro-americanas e ameríndias", explica Fábio Cerqueira, produtor cultural da DCult.
As próximas atividades, programadas para a primeira semana de junho, estarão a cargo do escritor mexicano Airy Sindik. Ele apresentará seu livro, Sin aire para el regreso, e ministrará uma oficina de escrita criativa. Outros 15 projetos estão previstos para o segundo semestre.
Um novo edital do programa será lançado no segundo semestre. Serão nove bolsas destinadas a artistas latino-americanos. "A Diretoria de Cultura acaba de firmar um convênio com a Universidade de Artes de Cuba (ISA). Vamos dar início a uma troca acadêmica e artística as duas instituições. Por isso, duas bolsas serão reservadas a residentes cubanos, para celebrarmos essa parceria", informa Carlos Machado Neto, coordenador-geral de Cultura.
Cores da natureza e ritmos latinos
Duas oficinas recentes mostraram a pluralidade das propostas dos residentes. Em abril, a artista colombiana Mariana Renthel desenvolveu o projeto “Tons Dados”, que explorou o uso de pigmentos e aglutinantes de origem natural em técnicas de impressão gráfica. Mariana é professora da Faculdade de Artes da Universidade de Antioquia, em Medellín. Os encontros foram realizados no LabGravura do Instituto de Artes (IA) e na Biblioteca de Obras Raras “Fausto Castilho” (Bora).
“Busco mostrar diferentes possibilidades em torno da natureza. No lugar de ser um tema das obras, proponho que ela seja a matéria-prima do trabalho artístico”, explica Mariana. As atividades envolveram a coleta de materiais naturais (folhas, cascas de árvores, flores) para a produção de pigmentos, utilizados depois na confecção de gravuras. Foram abordadas referências históricas e culturais do uso de materiais naturais por vários povos ao redor do mundo, evidenciando sua relação com os ambientes geográfico e cultural.
Para Mariana, o trabalho lembra aos artistas a importância de refletir sobre a história da produção de obras gráficas. "Proponho que os alunos questionem as obras artísticas em seus valores ético e ecológico. A utilização de produtos e materiais em trabalhos considerados de alta qualidade tem relação, muitas vezes, com a produção de mercadorias e a exploração de recursos naturais", reflete.
Outra artista-pesquisadora que esteve na Universidade foi Verónica Navarro, com o projeto “Entredanças”, que explorou diálogos interculturais entre o Brasil e a Argentina. Houve uma oficina de experimentação de ritmos latino-americanos e uma roda de conversa sobre pesquisa e criação cênica.
Verónica tem estudado as forças motrizes das danças, ou seja, os elementos corporais que motivam os movimentos. Trabalhando com os ritmos latinos, reflete sobre as similaridades entre danças de diferentes regiões, relacionando-as ao passado pré-colonial comum. "Sempre nos adaptamos a novos contextos. Isso inclui o corpo e a forma como ele se expressa. Foi o que chamou minha atenção nas danças de fronteira. Meu corpo não se comporta aqui como em Córdoba, por exemplo".
Formada em Serviço Social pela Universidade Nacional de Córdoba, Verónica é mestre em Dança e doutoranda em Artes Cênicas pela Universidade Federal da Bahia. Sua vinda ao país foi inspirada pela convivência com uma professora brasileira. Segundo ela, na Argentina há poucas oportunidades acadêmicas na área. "As artes são muito incipientes no campo da pesquisa. Muitas metodologias são das Ciências Sociais. Só recentemente surgiram métodos novos, específicos para as artes. Há muito trabalho a ser feito".
Sobre o desafio de conciliar a criação artística com o trabalho acadêmico, ela comenta: "Poucas atividades artísticas são reconhecidas como pesquisa. Não cabemos no Lattes!" Para ela, as universidades são fundamentais para os artistas do continente. "Em outros lugares do mundo, os artistas conseguem incentivos para trabalhar apenas com arte, mas na América Latina grandes artistas não conseguem se manter. Ainda temos dificuldade para ver as artes como um campo de trabalho".
Verónica acredita que oportunidades como o Programa Artista e Pesquisador Residente colaboram para o desenvolvimento acadêmico dos saberes artísticos e para a legitimidade das artes populares. "Há um grande trabalho com cultura popular feito aqui na Unicamp. Em outras escolas, isso não acontece. Não é um tema contemplado pela academia. Enquanto a Europa conseguiu valorizar sua cultura popular, na América Latina há uma separação entre o erudito e o popular. Esse é visto como algo que sempre existirá e que se autogere, mas na verdade faltam políticas de fomento", afirma.
Veja fotos das oficinas: