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Dicionário atualiza visões sobre a Independência do Brasil

Fruto de parceria entre a Biblioteca Brasileira Guita e José Mindlin, da USP, e o Instituto Camões, de Portugal, obra tem verbetes elaborados por pesquisadores da Unicamp

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Antes que o 7 de setembro se tornasse um marco na história do Brasil, a aclamação de D. Pedro I, em 12 de outubro de 1822, e sua coroação, em 1º de dezembro do mesmo ano, foram eventos de fundamental importância no processo de fundação do Brasil. “Eles postularam para si a condição de marcos históricos da nova forma de governo pactuado na monarquia constitucional. Em tese, eles deveriam ser rememorados no futuro pelo súdito-cidadão”, escreveu Iara Schiavinatto, historiadora e professora do Departamento de Multimeios, Mídia e Comunicação do Instituto de Artes dos programas de Pós-graduação em História e em Artes Visuais da Unicamp. “Aclamação e Coração de Pedro I” é um dos verbetes do Dicionário da Independência do Brasil: história, memória e historiografia, organizado por Cecília Helena de Salles Oliveira e João Paulo Pimenta. Com mais de 1.000 páginas, a publicação foi viabilizada por uma parceria entre a Biblioteca Brasileira Guita e José Mindlin (BBM), da USP, e o Instituto Camões, de Portugal, e conta com a participação de quatro pesquisadores da Unicamp. O lançamento da obra aconteceu ontem (01) na Sala Villa-Lobos da BBM.

Reprodução da capa de um livro onde predomina a cor azul e se destaca a letra D.
Fruto de um trabalho de três anos, obra tem 743
verbetes elaborados por 276 historiadores e
pesquisadores de todo Brasil e do exterior
(Foto: Divulgação) 

O dicionário tem 743 verbetes, temáticos e biográficos, que resultaram de um trabalho de três anos, com a participação de 276 historiadores e pesquisadores de todo Brasil e do exterior. “É importante destacar que, neste brilhante e oportuno trabalho, João Paulo Pimenta e Cecília de Salles Oliveira mobilizaram diferentes gerações de estudiosos da história e da historiografia do Brasil do século XIX”, lembrou Izabel Marson, historiadora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), uma das pesquisadoras que colaborou na empreitada. “Nossa motivação foi oferecer uma obra que reunisse o estado da arte das pesquisas sobre a Independência do Brasil e que inspirasse novos estudos”, contou Oliveira, historiadora da USP e ex-diretora do Museu Paulista.

O resultado é uma obra que traz uma visão ampla da Independência, incluindo temas como cinema, literatura, artes, além de eventos fundantes como a aclamação e a coroação de D. Pedro I, que mencionamos acima. Segundo escreveu Schiavinatto, os dois eventos serviram para reconhecer a autoridade real, que deveria parecer consensual, encenando o momento da fundação da própria coletividade, dramatizando sua origem e desejando-lhe perenidade.

Autora de quatro verbetes do novo dicionário, Marson considera a obra como um empreendimento de grande fôlego, que procurou contemplar dezenas de figuras de diversas origens e desempenho atuantes no contexto e nos eventos da Independência, tanto no Brasil quanto fora dele. O dicionário ainda integra autores que escreveram relatos sobre os acontecimentos, por eles os terem vivenciado de alguma forma – sobretudo historiadores dos séculos XIX e XX, analistas e intérpretes do conjunto de ocorrências que hoje denominamos Independência.

Marson escreveu sobre Henry Koster, cidadão inglês estabelecido em Pernambuco entre 1809 e 1820, testemunha e protagonista de uma das primeiras grandes revoltas contra o domínio português, no caso, a revolução Pernambucana de 1817. “Ele deixou um diário muito interessante sobre sua vivência naquela capitania entre 1809-1814”, explicou. Ela também elaborou verbetes sobre John Armitage e Francisco Sales Torres Homem, este último conhecido por seu pseudônimo, Timandro. De acordo com a historiadora, eles são autores de narrativas preparadas pouco tempo após a Independência (em 1835 e 1849) que delinearam, sob uma perspectiva liberal crítica, duas importantes interpretações sobre o evento e seus personagens. É também de autoria de Marson um verbete sobre Joaquim Nabuco, que escreveu Um Estadista do Império, obra do final do século XIX uma grande referência sobre a história da monarquia brasileira, em que se tece uma das leituras positivas mais divulgadas no século XX sobre o desempenho do Imperador Pedro I.

No verbete “Literatura”, Jefferson Cano, historiador e professor do Departamento de Teoria Literária do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), explica como se dá a construção de uma ideia de literatura brasileira. Esse processo ganhou corpo poucos anos após a Independência, a partir da contribuição de Ferdinand Denis, com o Resumo da História Literária de Portugal seguido do Resumo da História da Literatura do Brasil, e de Almeida Garret, com a obra Bosquejo da História da Poesia e Língua Portuguesa. Conforme escreveu Cano, nesses dois autores portugueses encontramos a formulação de atributos que passarão a ser associados à literatura brasileira no século XIX: o espírito nacional, a harmonia entre poesia e natureza e a valorização do passado dos povos indígenas como elemento poético.

Foto de um grupo de pessoas de pé em uma sala. A maioria delas está segurando um livro.
Autores presentes do lançamento do dicionário. À direita, a vice reitora da USP, Maria Arminda do Nascimento Arruda (Foto: Divulgação)

Confirmando a ambição de ampliar os debates sobre o processo de independência, o dicionário abriga também um verbete sobre o romantismo, movimento literário frequentemente associado à Independência. “A ideia de uma independência literária se construía ao mesmo tempo em que a concepção da independência política como um processo que se estendia entre os anos 1808-1831; ao fim desse processo, a atualização estética em consonância com a literatura francesa dos anos 1830 fazia coincidir romantismo e independência”, descreve Cano no dicionário.

Reprodução de cartaz de um filme onde aparece um homem branco que usa uniforme, chapéu com pluma e empunha espada.
"Independência ou morte" foi a primeira produção 
brasileira sobre o tema da independência
(Foto: Reprodução)

Um grito, várias independências – Para Cano, o principal valor de uma iniciativa como a do dicionário é aproveitar a atenção despertada pelas datas comemorativas para uma abordagem crítica, que ajude a pensar a memória do passado como uma construção na qual atuam diferentes forças sociais. “E um olhar amplo sobre esse passado permite percebermos como se cruzam essas forças e suas representações em diferentes esferas, a cultura, a política etc.”, destacou. Já a historiadora Ana Carolina de Moura Delfim Maciel do Programa de Pós-graduação em Multimeios destacou que um arcabouço pictórico, escultórico, textual e fílmico traz releituras do episódio da independência do Brasil, confluindo numa memória coletiva. “Depois de passados duzentos anos, é crucial destacar que não há consenso, mas sim, e, sobretudo, uma complexa trama que esse dicionário se propõe a descortinar”.

Maciel é autora do verbete “A Independência no cinema”, um campo fértil para a criação de representações sobre o evento. “No Brasil, não temos uma produção cinematográfica em larga escala tal como aquela realizada pela indústria hollywoodiana. Isso acaba por interferir no estabelecimento de alguns gêneros, dentre os quais os denominados filmes históricos. O verbete que redigi para o dicionário traz alguns exemplos de filmes dedicados ao tema, perpassando desde os primórdios do século XX até a atualidade. Fazer esse percurso revela que ainda temos uma filmografia incipiente e em grande parte potencializada pelos calendários e festejos públicos”, afirmou Maciel.

O Dicionário da Independência do Brasil já está disponível para venda no site da Edusp. A expectativa dos organizadores do livro é que ele se torne uma referência. “No processo de independência do Brasil, venceu a Monarquia constitucional, ao menos em um primeiro momento. Outros projetos competiram e foram derrotados, mas isso não significa que não podemos aprender com eles”, finalizou Oliveira.

Imagem de capa JU-online
Reprodução de um quadro que mostra um homem sendo coroado.

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