Estudo publicado na Science e que contou com a participação de pesquisadores da Unicamp relaciona ação de insetos com mudanças climáticas
Um estudo internacional que acaba de ser publicado na capa da revista Science revelou que cupins desempenham um papel essencial na reciclagem da madeira em ecossistemas naturais. Sem a sua existência, vários biomas no mundo teriam acumulado uma grande pilha de matéria orgânica morta. Esses insetos são os responsáveis pela decomposição da madeira, especialmente em locais quentes e com pouca umidade, em que microrganismos, principais decompositores, são pouco abundantes em épocas da seca.
A pesquisa, liderada pela bióloga Amy Zanne, da Universidade de Miami, é resultado de uma colaboração entre cem pesquisadores de diversas instituições ao redor do mundo. Durante a investigação, os participantes aplicaram o mesmo método experimental em 130 locais distribuídos nos seis continentes, buscando estudar o comportamento de cupins em variadas condições de temperatura e umidade. Na Unicamp, ela contou com a participação do ex-aluno André Mouro D’Angioli, que contribuiu com o artigo como parte de seu doutorado em Ecologia, defendido no Instituto de Biologia (IB) sob a orientação do docente Rafael Oliveira.
De acordo com D’Angioli, a intenção dessa parceria internacional foi verificar em quais regiões do planeta e em que condições climáticas havia uma maior influência de cupins – em comparação com bactérias e fungos – na decomposição da madeira morta, e como esses bichos são afetados por alterações na temperatura e precipitação. “Esse é um dado relevante, porque a madeira é um importante componente de estocagem de carbono. Então, quanto mais rápido ela decompõe, mais rápido perdemos o carbono que está armazenado na matéria orgânica e mais rápido ele é enviado como gás carbônico para a atmosfera”, esclarece.
Os resultados apontam que, caso as previsões sobre mudanças climáticas se confirmem, as áreas onde o clima é mais quente e seco – como as formações campestres e savânicas do Cerrado – irão se expandir. Como consequência, os ambientes em que cupins são importantes decompositores se ampliarão, gerando um cenário de retroalimentação em que o aumento da emissão de gás carbônico causará a elevação das temperaturas globais. Estas, por sua vez, ampliarão o espaço de atuação dos cupins, que liberarão mais gás carbônico conforme decompõem o material orgânico morto. “Em termos práticos, estamos entendendo como funciona o sistema terrestre e a interface entre um componente biótico, que são os cupins, a vegetação e um componente abiótico, que é o clima”, explica Oliveira. “A gente precisa entender como esses elementos ciclam na Terra, especialmente o carbono, porque assim poderemos predizer o que acontecerá com diferentes ecossistemas, caso o clima se torne mais quente e mais seco”, complementa.
Diferencial
O grande diferencial da pesquisa foi a possibilidade de investigar a atuação dos cupins em uma ampla variedade de regiões, com diferentes níveis de temperatura e umidade, garantindo, assim, resultados mais robustos. Como existe uma extensa distribuição biogeográfica de espécies de cupim em todo o mundo, focar o estudo em apenas um ambiente traria resultados bem menos eficientes sobre a atuação deles na decomposição de materiais orgânicos como a madeira.
Essa cooperação em larga escala, revela a bióloga Amy Zanne, permitiu obter mais evidências sobre como o carbono circula através do planeta. “Além disso, como nosso protocolo era simples e de fácil aplicação, puderam se juntar ao projeto desde alunos de pós-graduação até professores seniores. Isso nos permitiu ter uma rede de pessoas e aprender muito uns com os outros”.
O modelo de experimento conduzido pelos cem colaboradores consistiu em inserir blocos de madeira de um tipo de pinus nos seus respectivos ecossistemas. Uma parcela dos blocos foi envolvida com uma rede de proteção para evitar que os cupins os comessem, enquanto outra parte ficou livre para a atuação desses insetos (as malhas foram perfuradas na área que ficou em contato com o solo, permitindo a entrada de cupins por tuneis subterrâneos, mas evitando a entrada de outros insetos). Dessa forma, foi possível comparar a a decomposição realizada pelos cupins daquela feita por microrganismos como bactérias e fungos, verificando quem possuía uma atuação mais relevante.
“Eu considero este trabalho um modelo de planejamento, porque é muito simples, não envolve tecnologia, somente uma boa ideia e um desenho experimental padronizado e elaborado”, argumenta Oliveira. Para ele, este é um exemplo do caráter plural que a ciência deve ter, especialmente na ecologia. “Boa parte dos estudos ditos globais têm uma super-representação do hemisfério norte – Estados Unidos e Europa. Com este artigo, pudemos ter uma amostragem de diferentes biomas no mundo, de forma mais equitativa”, explica.
Nos experimentos conduzidos por D’Angioli, por exemplo, os blocos de madeira foram inseridos em oito áreas formadas por campo, savana e floresta, localizados em três regiões específicas do Brasil: a Serra da Canastra, em Minas Gerais, uma estação ecológica em Brasília e no município de Itirapina, no Estado de São Paulo. Após os preparativos e a instalação das armadilhas, em 2016, houve dois anos de trabalho de campo e mais um ano para processar as amostras e obter os dados para escrever a tese, que focava na análise dos ciclos biogeoquímicos de elementos do cerrado.
Atualmente, Zanne e Oliveira estão dando sequência ao estudo sobre cupins com novas investigações sobre a sua importância para ecossistemas brasileiros. Por esse motivo, a pesquisadora veio à Unicamp como professora-visitante para desenvolver pesquisas na Chapada dos Veadeiros. “O papel de regiões tropicais e savanas na estocagem e liberação de carbono ainda é muito pouco estudado. Como a Chapada possui esses ecossistemas, além de uma diversidade de cupins que determina a ciclagem de carbono a partir de diversos materiais, fez sentido para mim que essa nova etapa da pesquisa fosse realizada aqui”, finaliza a pesquisadora.