Pesquisa realizada no IE aponta que, em 2019, apenas 46% das vagas disponíveis foram ocupadas no Estado de São Paulo
Um estudo desenvolvido pelo Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (Cesit) do Instituto de Economia (IE) da Unicamp revelou que 82,4% das empresas paulistas deixaram de cumprir a norma que obriga a inclusão de profissionais com deficiência no seu quadro funcional. A análise foi feita a partir do sistema de cota para as pessoas com deficiência no estado de São Paulo, com base nas disposições da Lei de Cotas (lei nº 8.213/91).
São responsáveis pelo estudo os pesquisadores José Dari Krein, Anselmo Luis dos Santos, José Daniel Morales Martínes, Guirlanda de Castro Benevides, Maria de Lourdes Alencar, Jacqueline Aslan Souen, Bárbara Helena de Oliveira Santos e Rita de Cássia Scagliusi do Carmo.
A pesquisa usou como metodologia a apuração do número de contratações de pessoas com deficiência por empresas sediadas em território paulista, a partir da base de cálculo exigida pela legislação para a reserva de vagas a este público, ou seja, considerando o número total de empregados das matrizes e de seus respectivos estabelecimentos ou filiais. A RAIS (Relação Anual de Informações Sociais) foi a base utilizada para análise e interpretação dos dados, a partir de um modelo de levantamento e processamento adotado pelos pesquisadores.
A Lei de Cotas obriga empresas a contratarem um percentual que varia de 2% a 5% de pessoas com deficiência. Apesar de ter sido criada em 1991, sua regulamentação e fiscalização só ocorreu no final de 1999. De acordo com a legislação, empresas com 100 ou mais funcionários devem contratar pessoas reabilitadas ou com deficiência. A porcentagem depende do número de empregados de cada empresa. Por exemplo, empresas que possuem entre 100 e 200 empregados são obrigadas a ter em seu quadro 2% de funcionários que sejam pessoas com deficiência. Já em organizações com um número de 201 a 500 trabalhadores, esse percentual sobe para 3%. Quando composta por 501 a 1.000 empregados, a empresa deve ter em seu quadro de funcionários 4% de trabalhadores com deficiência; no caso de grandes empresas com mil ou mais empregados, a porcentagem deve ser de 5%.
Divisão por áreas
O estudo do Cesit, apresentado no dia 21 de setembro durante a Conferência de Exposição Nacional de Inclusão e Acessibilidade das Pessoas com Deficiência - RECONECTA, realizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) em Campinas, dividiu a distribuição dos vínculos de emprego no estado de São Paulo em duas regiões geográficas, considerando as áreas de atuação das Regionais do MPT em território paulista. A 2ª Região, composta por 46 municípios (Grande São Paulo e baixada santista), e a 15ª Região, composta por 599 municípios (interior e litoral norte). O método tem como objetivo facilitar a utilização dos dados pelos procuradores do trabalho na busca pelo cumprimento da Lei de Cotas.
Distribuição das vagas
Em relação à distribuição dos vínculos empregatícios dos trabalhadores com deficiência, o estudo verificou a maior concentração desses vínculos nas empresas matrizes e filiais no estado de São Paulo, em ambas as áreas de abrangência, demonstrando, inclusive, a influência do peso da atividade econômica no território paulista. Por outro lado, segundo a pesquisa, o método de apuração da cota ocasionou a disseminação do emprego dessas pessoas nas filiais das empresas nos demais estados do Sudeste, assim como nas diversas regiões do país.
Cumprimento de cota
Os dados apurados relativos ao cumprimento da cota revelaram que, em 2019, 82,4% das empresas no estado de São Paulo não cumpriram a legislação. De um total de 11.751 empresas paulistas, com matrizes no estado de São Paulo e filiais em diversas localidades do país, sob o mesmo CNPJ, apenas 2.067 (17,6%) estavam cumprindo a cota naquele ano. Na área de abrangência da 15ª Região, de 4.813 empresas, 22,3% estavam cumprindo a cota, demonstrando um percentual superior ao encontrado no total das empresas do estado de São Paulo. Considerando somente a área da 2ª Região, de 6.938 empresas, 14,4% estavam cumprindo a cota, um percentual inferior ao encontrado em todo o território paulista.
“Em que pese esse cenário apresentado, para o volume de vagas previstas de emprego para as pessoas com deficiência, de acordo com o cálculo da cota, observou-se, nesta pesquisa, o número de empregos gerados em decorrência da Lei de Cotas, assim como o número de postos de trabalho formais assegurado pela reserva de vagas, no entanto, sem a ocorrência de contratações de trabalho pelas empresas responsáveis”, explicam os pesquisadores.
Dessa forma, no estado de São Paulo, em 2019, dos 317.179 postos de trabalhos disponíveis nas 11.751 empresas, foram ocupados 145.801 (46%), não tendo sido ocupados, portanto, 171.378 postos, ou seja, 54% das vagas reservadas para as pessoas com deficiência. Na área da 15ª Região, de 86.831 vagas previstas, foram ocupadas 40.532, equivalente a 53,3%. Portanto, 46.299 (46,7%) postos de trabalho formais assegurados pela reserva de vagas não foram preenchidos. Já na área da 2ª Região, conforme os dados, do total de 230.348 vagas previstas, foram ocupadas 105.269, correspondentes a 45,7% do total. Não foram ocupadas 125.079 (54,3%) dessas vagas.
“Diante desses resultados, que apontaram um cenário ainda insatisfatório de inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, apesar dos avanços ocorridos, considerou-se nesta pesquisa um estudo comparativo entre a população com deficiência na faixa etária de 16 a 64 anos, potencialmente apta ao mercado de trabalho, em 2019, e o total da reserva de vagas, ou seja, dos empregos formais previstos para essa população, de acordo com a Lei de Cotas. Dessa forma, constatou-se que as vagas não preenchidas (número de pessoas com deficiência que não foram contratadas para compor o preenchimento da cota) mostraram um quantitativo significativamente inferior ao total estimado da população com deficiência que poderia estar no mercado de trabalho formal. Nesses termos, possivelmente, a maior parte dessa população encontrava-se em atividades informais, exercendo atividades descontínuas, ou mesmo aposentados, inativos, dentre outras”, concluíram os pesquisadores do Cesit.
“O estudo apresentado pelo Cesit poderá ser utilizado para o planejamento de ações estratégicas do Ministério Público do Trabalho em prol do cumprimento da Lei de Cotas pelas empresas do estado de São Paulo, além de possibilitar o fomento de políticas públicas voltadas a essa parcela da população nos municípios”, afirma Danielle Olivares Corrêa, procuradora e coordenadora regional da Coordigualdade (Coordenadoria Nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho).
Dados populacionais
Segundo o estudo da Unicamp, no estado de São Paulo foram estimadas 1.791.627 pessoas com deficiência na faixa etária entre 16 e 64 anos de idade, consideradas potencialmente aptas ao mercado de trabalho. Desta população, de acordo com os dados da RAIS do mesmo ano, 145.801 pessoas estavam ocupadas formalmente, cerca de 8,2%. Por outro lado, 171.378 pessoas não foram contratadas, correspondendo a 9,6% da população em idade ativa.
Na 15ª Região, os dados apontaram 800.201 pessoas com deficiência em idade potencialmente aptas ao trabalho. Destas, estavam no mercado formal de trabalho 40.532 (5,1%), no entanto, 46.299 empregos não foram firmados com as pessoas com deficiência, em torno de 5,8% do total da população potencialmente apta ao trabalho. Já na área da 2ª Região, foram estimadas 991.427 pessoas com deficiência na faixa etária entre 16 e 64 anos de idade, entre as quais 105.269 (10,6%) possuíam vínculos de emprego. Por outro lado, não foram contratadas formalmente 125.079 pessoas com deficiência, ou seja, 12,6% do total da população com deficiência apta para o trabalho em 2019.
Outras abordagens
Além da análise relativa ao cumprimento da Lei de Cotas, a pesquisa do Cesit também apresentou a estimativa da população com deficiência no estado de São Paulo, o perfil da pessoa com deficiência no mercado de trabalho formal e o comportamento deste mercado tendo em vista os segmentos econômicos, ocupação e remuneração, em uma série histórica de 10 anos (2010-2020), além de fazer um breve panorama dos direitos e das políticas de trabalho e emprego para os trabalhadores com deficiência, nos cenários nacional e internacional.