Durante três semanas, 42 homens com doença arterial coronariana e média de idade de 60 anos, consumiram 250 ml de vinho tinto diariamente
Atentos às evidências recentes, experimentais e clínicas, que mostram a importância da microbiota intestinal na fisiologia humana e em situações patológicas, especialmente em doenças cardiometabólicas, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), Unicamp e Universidade de Brasília (UnB), em conjunto com pesquisadores da Universidade de Verona (Itália), Centro de Saúde e Biorrecursos (Áustria) e Universidade de Harvard (EUA), publicaram, recentemente, no “The American Journal of Clinical Nutrition” (AJCN), um estudo inédito que avalia os efeitos do consumo de vinho tinto na microbiota intestinal.
Durante três semanas, 42 homens com doença arterial coronariana e média de idade de 60 anos, consumiram 250 ml de vinho tinto diariamente. E, mais tarde, por igual período, passaram por abstinência de álcool. Após o consumo de vinho tinto, os estudiosos observaram um remodelamento significativo da microbiota intestinal dos participantes, com diferença na diversidade e preponderância de grupamentos de bactérias como Parasutterella, Ruminococcaceae, vários Bacteroides e Prevotella, todas presentes no intestino.
Pesquisadora líder do estudo conduzido no InCor (Instituto do Coração) da USP, a cardiologista Elisa Alberton Haas explica que o intestino humano é composto por um conjunto de mais de 3 trilhões de bactérias, cujos diferentes perfis de microbiota estão claramente associados a diversos tipos de doenças. Dentre os mecanismos subjacentes que, por exemplo, favorecem o desenvolvimento da aterosclerose e doenças cardiovasculares, são descritas ações de metabólitos como o N-óxido de trimetilamina (TMAO).
“O consumo moderado de vinho tinto tem efeito potencialmente cardioprotetor, por envolver modulações do metabolismo redox e da microbiota intestinal e por conter competidores de colina e cartinina, assim podendo reduzir o TMAO plasmático. Porém, os efeitos desse consumo ainda não são totalmente compreendidos”, disse.
De acordo com Haas, a pesquisa publicada no AJCN é mais um passo em direção a uma melhor compreensão da modulação da microbiota intestinal e da metabolômica plasmática, com vistas a elucidar os possíveis benefícios cardiovasculares do consumo moderado de vinho tinto. Dentre os achados do estudo, ela destaca a alta variabilidade de concentração do TMAO no plasma sanguíneo, característica que dificulta, na atualidade, a utilização do metabólito como biomarcador de doenças cardiovasculares.
“Após o consumo de vinho tinto, observamos alterações compatíveis com a homeostase redox, como o aumento nos precursores da riboflavina e do metabolismo do ascorbato – fatores benéficos à saúde do coração –, porém os níveis de TMAO plasmático não diferiram”, comentou.
A microbiota utilizada no estudo foi avaliada no Laboratório de Investigação Clínica de Resistência à Insulina (Licri) da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, sob a coordenação do médico endocrinologista Mario Saad. Ao lado do biologista Andrey dos Santos, que também assina a publicação do AJCN, Saad explica que as mudanças na microbiota indicam que o consumo de vinho tinto aumentou o percentual de bactérias responsáveis pela produção de ácidos graxos (AGCC) de cadeia curta.
"Esses AGCCs têm funções benéficas no metabolismo de glicídicos e lipídicos e, principalmente, ação anti-inflamatória. Assim, é possível que o aumento dessas bactérias possa contribuir para um possível efeito anti-inflamatório induzido pelo vinho tinto. Novos estudos podem contribuir para novas elucidações nesse sentido", disse o especialista.
Além de Elisa Haas, Mario Saad e Andrey dos Santos, assinam a publicação como autores do estudo: Daniela Magro (Unicamp); Nicola Vitulo (Universidade de Verona); Wilson J F Lemos (Centro de Saúde e Biorrecursos); Aline M. A. Martins (UnB); Carolina R. C. Picossi, Desidério Favarato, Renato S. Gaspar, Francisco R. M. Laurindo, Protássio L. da Luz (USP); e Peter Libby (Harvard).
Matéria originalmente publicada no site da Faculdade de Ciências Médicas (FCM).