O distanciamento social é a maneira mais eficaz de se controlar a pandemia da Covid-19, mas, felizmente, a hiperconectividade da internet traz uma série de alternativas para diminuir a solidão. Com isso, um conjunto de músicos, em maioria alunos e ex-alunos do curso de graduação em música da Unicamp, criou o “Coletivo Barbante” para espalhar na rede suas composições e oferecer aulas online de maneira colaborativa.
“Eu acredito muito que o caminho é pela coletividade. Quando a gente articula bastante gente, a gente consegue atingir cada vez mais pessoas, porque, num tempo de redes sociais, as pessoas estão cada vez mais nichadas”, conta Alu, um dos idealizadores do projeto.
Decidido a ser músico desde criança, quando começou a aprender clarinete para tocar na banda da sua igreja, Alu teve uma trajetória que passou por um curto desvio por uma graduação em logística, um curso de produção musical e se firmou na licenciatura em música pela Unicamp. Já na Unicamp, impressionado com a amplitude dos talentos e habilidades profissionais de uma Universidade que forma músicos, artistas e midialogistas, criou, com colaboradores de diversos cursos, o projeto Selo Fôlego, que produzia vídeos e shows no campus.
Com o impedimento de obter o retorno financeiro com os shows presenciais, Alu conseguiu mobilizar músicos e outros profissionais para criar o Coletivo Barbante. Uma das principais missões do coletivo é a de oferecer aulas online e construir uma rede de alunos interessados em se musicalizar, aprendendo teoria musical, instrumentos e canto. “A música não é propriedade de quem estuda música. Então, você pode encontrar pessoas que são ótimos artistas e compositores fora da graduação em música”, diz o multi-instrumentista.
O Barbante lançou, nesta terça-feira (7), uma música de estreia em seus canais online, acompanhada por um vídeo mostrando a execução das diversas vozes e instrumentos gravados remotamente para compor um complexo arranjo para a canção “Nada será como antes”, de outro coletivo, os mineiros do Clube da Esquina. Contando com quarenta e nove músicos e um intérprete de Libras — mais participantes do que a icônica “We Are the World” — além de um produtor musical e um produtor de vídeo, o cover de estreia do Barbante foi gravado em diversas cidades espalhadas em quatro países: Brasil, Canadá, Colômbia e Argentina.
“O fazer digital propicia colaborações como essa de uma maneira muito prática, muito rápida. Esse coletivo é uma coisa em redes, com nós que se conectam, com especialidades e talentos diferentes”, comenta o produtor musical, compositor, cantor e violonista Gustavo De Angelis, que teve a árdua missão de juntar os vários arquivos de som em um arranjo que soasse fluido e valorizasse a colaboração de cada um. Comentando o processo inédito em sua carreira — que envolve, além da produção, a pesquisa focada no encontro da música brasileira tradicional com tendências mais modernas — De Angelis explica uma das minúcias do projeto: “Editar uma música com tantas vozes é um processo análogo ao do coletivo. É fazer com que cada voz some ao todo, sem se sobressair e tomar o espaço do grupo.”
Apaixonada pelo poder transformador que a música pode ter para pessoas de todas as idades, a cantora e educadora musical Thaís Padovani já vinha pensando na criação de coletivos voltados à educação musical desde antes da chegada do coronavírus e do Barbante. “Eu já me envolvia com algumas atividades do Selo Fôlego, junto com meu companheiro Alu, e já estava preparando esse ano a ideia de formar um coletivo de cantores, para podermos trabalhar entre nós questões vocais, técnicas, performáticas, etc, além de fazer saraus, apresentações, e dar aulas como um coletivo, no qual os professores que juntariam para montar um curso bem amplo”, comenta.
Padovani ressalta que o objetivo do Barbante não é só o de entreter e promover um alento à saúde mental de pessoas isoladas, mas também educar e trazer algo de valor para as pessoas. “A música tem um papel de transformação social gigantesco. E, num momento de pandemia, em que nos vemos obrigados a pensar sobre isso, a música vem de encontro a esse momento de uma maneira muito especial: na medida do possível, a gente quer fazer com que as pessoas tenham acesso à música. Não só como entretenimento, que é muito importante também, mas à educação musical. Ter um vínculo com um instrumento, um vínculo com a própria voz, para que a gente consiga olhar para dentro, se perceber e perceber o outro”, reflete. Essa vontade de levar a educação musical ao maior número de pessoas se reflete na inserção das Libras no vídeo.
Um coletivo com tamanha diversidade possibilita o oferecimento de cursos musicais muito mais completos do que cada musicista poderia construir isoladamente. É o que argumenta De Angelis:
“Nosso potencial, comparado à videoaula de alguém famoso, é o de trazer algo mais personalizado. Não vai ser só um vídeo que você assiste, a gente também estará lá para conversar e fazer um acompanhamento. E essa interatividade é diferente, os alunos não vão ser só receptores assistindo um vídeo. Além disso, por exemplo, em um curso de canto, uma pessoa que entenda mais da parte física, da bioacústica, poderá fazer uma aula voltada mais para isso. Em outro momento, em uma aula voltada para interpretação, para os estilos vocais dentro do samba, por exemplo, já seria outra pessoa a conduzir a aula.”
Alu também aposta no potencial de agregar muitos talentos e conhecimento técnico como um diferencial de iniciativas como as do Barbante. “A coletividade traz muitos benefícios, porque você tem uma gama de pessoas dispostas, especialmente nesse momento em que estamos quarentenados. Todo mundo está em casa, fazendo seus afazeres, mas com a cabeça pronta para pensar em soluções. E as pessoas atenderam meu convite para usar esse tempo e construir uma maneira de passar por esse momento juntos”, comemora.
Citando os efeitos da música na saúde, como para a promoção de bem-estar e controle dos efeitos de doenças degenerativas como o Alzheimer e no desenvolvimento cognitivo de jovens e adultos, Padovani ressalta o porquê dos membros do Barbante apostarem em aulas: “Quanto mais cedo nós somos expostos à educação musical, à escuta, apreciação musical, mais cedo e melhor nós nos desenvolvemos. Os processos de ensino e aprendizagem, concentração, raciocínio lógico também são beneficiados”. E completa, poética: “A música é esse universo de infinitas possibilidades, que é indispensável para o desenvolvimento integral do ser humano.”
Conheça o Coletivo Barbante nas redes: