Luís Fernando M. Costa | Editora da Unicamp | Especial para o JU
A política é um campo heterogêneo. As diversas frações sociais a disputam segundo seus próprios interesses econômicos. Porém, a relação desses objetivos com os partidos e suas práticas assume diferentes configurações, entremeadas por incertezas. Com o intuito de compreender o atual cenário político, participaram da edição de setembro do Café com Conversa os professores Armando Boito Jr., do Departamento de Ciência Política, e Francisco Foot Hardman, do Departamento de Teoria Literária, ambos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A gravação do programa ocorreu na Casa do Professor Visitante (CPV-Unicamp), no dia 13.
As reflexões se inspiraram no livro Reforma e crise política no Brasil: Os conflitos de classe nos governos do PT, de autoria de Armando Boito Jr. e publicado pela Editora da Unicamp. Assim como na obra, as pautas do debate procuraram elucidar desde os interesses e as camadas sociais que sustentaram os governos do PT até as mudanças de apoio que culminaram no impeachment da presidente Dilma Rousseff. Para Foot Hardman, o livro tem o mérito de aprofundar temas muitas vezes tratados de forma superficial.
Segundo Boito, a própria burguesia não pode ser agrupada num único bloco de interesses. As frações que a compõem têm diferentes projetos de política estatal, tornando-se concorrentes em determinadas conjunturas. Para ele, essas subdivisões justificam, por exemplo, a atuação seletiva da operação Lava Jato, que processou proprietários de grandes empresas nacionais, mas agiu de outro modo em relação a seus pares internacionais.
Foot complementa ressaltando a importância e a diversidade da classe média na luta política. Essa pluralidade foi evidenciada durante as manifestações de rua pró e contra o impeachment de Dilma Rousseff. Nos dois grupos, encontravam-se membros dessa classe, porém, com características particulares. Enquanto nos movimentos contrários à deposição da presidente destacavam-se a fração baixa da classe média e servidores públicos, do outro lado estavam profissionais do setor privado e de renda elevada.
Assim como essas frações, as camadas populares também tiveram um papel nesse cenário. Os sindicatos, por exemplo, foram omissos na defesa do mandato de Dilma Rousseff. Essa posição se deveu, em parte, a uma mudança histórica na atuação do Partido dos Trabalhadores. Para Foot, o partido passou a adotar uma estratégia político-eleitoral em detrimento de se organizar por meio dos movimentos de base que o constituíram historicamente.
Ambos os professores analisaram as candidaturas presidenciais atuais, refletindo sobre o vínculo de cada projeto a interesses de camadas sociais específicas. Para Boito, por exemplo, o candidato do PDT, Ciro Gomes, tem conseguido atrair a burguesia nacional produtiva, como fruto de suas posições críticas ao sistema bancário. Já as frações tradicionalmente próximas ao PSDB – uma classe média mais abastada e associada ao capital internacional –, têm variado entre a candidatura de Alckmin e a de Bolsonaro.
No entanto, como ressalta Boito, as eleições são sempre um momento de incerteza e cada cenário futuro tem seu próprio desenrolar. Essa complexidade se deve tanto ao pluripartidarismo brasileiro e aos diversos grupos sociais quanto à não estabilidade entre os interesses econômicos e as posições políticas.
O Café com Conversa é um espaço de debate que acontece mensalmente, tendo por base livros da Editora da Unicamp. A iniciativa vem de uma parceria entre a Editora, a Secretaria de Comunicação da Unicamp (SEC) e a Casa do Professor Visitante (CPV-Unicamp). O evento é aberto para a comunidade interna e externa.
O próximo encontro será sobre “Universidade: Ideias e inovação”, que terá a participação de Carlos Vogt (ex-reitor da Unicamp) e Alexandre Soares (filósofo). A gravação será no dia 10 de outubro (quarta-feira), às 15h30, no Café da Casa – CPV.