2010, um ano decisivo para o Brasil
22/02/2010 - 03:44
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O ano de 2010 será especialmente importante para o Brasil. Além de a população ir às urnas para escolher o novo presidente da República, o período oferecerá uma oportunidade rara para que o país decida se pretende crescer de forma significativa e sustentável ou se ficará somente a reboque da conjuntura global. “Nós já perdemos a chance de fazer essa opção por ocasião da crise de 2008. Não podemos deixar que o cavalo passe encilhado mais uma vez”, afirma o economista Waldir Quadros, professor do Instituto de Economia (IE) da Unicamp. Na entrevista que segue, concedida em sua sala, no Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit), o docente chama a atenção para a necessidade de o futuro comandante da nação adotar iniciativas que impulsionem a economia. “Precisamos urgentemente de uma política de industrialização que permita ao país crescer 5% ao ano num primeiro momento, mas 8% logo em seguida”, defende.
Estudos conduzidos pelo senhor apontaram que o avanço registrado na estrutura social brasileira no período de 2004 a 2008 fez com que um número significativo de pessoas deixasse a condição de miséria e pobreza, mas não foi suficiente para melhorar a situação da baixa classe média e da massa trabalhadora. Como as pesquisas não levaram em conta os reflexos da crise, que ainda estava em curso, é possível que os avanços parciais tenham sido perdidos? Qual a perspectiva para o país nessa área?
De fato, o crescimento econômico registrado entre 2004 e 2008 proporcionou avanços para algumas camadas da população, notadamente as situadas na base da pirâmide. A expectativa, agora, é quanto ao que aconteceu em 2009. Em relação a esse período, nós dispomos somente dos dados da PME [Pesquisa Mensal de Emprego, executada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE]. A PME é importante, mas mostra somente o que ocorre nas regiões metropolitanas, não oferecendo, portanto, uma visão mais geral do país. Eu prefiro esperar os dados da PNAD [Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, também do IBGE], que deverá ser divulgada em setembro, para saber o que aconteceu de fato com o país nessa área.
Alguns analistas apontam para uma retomada do crescimento após a superação da crise...
Olhando para a PME, constata-se que a classe média ficou estagnada em 2009. Alguns analistas acreditam que o crescimento retornará aos patamares anteriores à crise. Se o país realmente crescer, é possível que isso aconteça. Mais ainda acho cedo para manifestações de euforia. Precisamos nos lembrar que as medidas adotadas pelo governo foram para enfrentar a crise e não para alterar a nossa estrutura econômica, que continua a mesma. Para ficar num único exemplo, o setor industrial segue apresentando debilidades. Acho que 2010 será um ano muito importante para decidirmos que caminho o país pretende trilhar.
O senhor se refere às eleições presidenciais?
Também. Mas acredito que pouca coisa deverá acontecer até as eleições. A minha expectativa é que o próximo presidente altere a política econômica, seja ele quem for. Tanto Dilma [Rousseff, candidata do PT] quanto Serra [José, candidato do PSDB], lavando em conta os dois melhores colocados nas pesquisas de intenção de voto, demonstram ter a mesma visão estratégica em relação ao desenvolvimento econômico, embora existam obviamente condicionalidades políticas. Mas ambos têm a compreensão de que é preciso retomar a industrialização e estimular o setor de serviços. O tratamento dado aos recursos do pré-sal é correto. O dinheiro será aplicado, entre outros aspectos, para fortalecer a política industrial. Se essa concepção de fato prevalecer no próximo governo, o que será necessário fazer para que o país tenha pleno desenvolvimento? Primeiro, reconstruir as cadeias industriais que foram dilapidadas tanto pela política econômica de Fernando Henrique quanto de Lula. Segundo, alterar o câmbio e os juros, que impedem a adoção de uma política industrial correta.
Não é uma missão prosaica, não é?
Não, mas é factível. Falar em retomada da industrialização não é uma conversa acadêmica. A questão está na mesa. O Brasil se desindustrializou, mas conserva uma base industrial ainda respeitável. Ou seja, não vamos começar algo do zero. Temos que trilhar um novo caminho de desenvolvimento, em direção à chamada terceira revolução industrial, explorando, entre outras possibilidades, a energia limpa. Tudo isso, claro, sem abrir mão do agronegócio, que continua sendo importante. Ocorre, porém, que temos que mudar a lógica. Temos que deixar de exportar soja em grão para exportar soja processada. Deixar de exportar minério de ferro para exportar produtos gerados por nossas siderúrgicas. Se não fizermos isso, o Brasil poderá até crescer, mas ficará muito dependente da conjuntura mundial.
Vivemos um momento crucial, então?
Não podemos perder a oportunidade que se apresenta. A crise de 2008 foi um grande momento para que o Brasil promovesse uma reversão, mas isso não foi feito. O que fizemos, repito, estava voltado somente ao enfrentamento da crise. Nós não tivemos arrojo em relação à formulação de uma política de industrialização. Se 2010 trouxer como resultado um estadista que assuma essa questão, penso que teremos boas perspectivas. Se trabalharmos bem nos próximos dois anos, e levando em conta que o próximo mandato pode ter oito anos, em função da possibilidade de reeleição, penso que poderemos finalmente mudar o país.
Que papel os trabalhadores devem cumprir nesse jogo?
Como agente político, o papel do trabalhador deve ser cumprido através dos sindicatos e das centrais sindicais. Nesse aspecto, os trabalhadores terão uma oportunidade de ouro para interferir nesse processo. Os dois principais candidatos terão certamente que conversar com as entidades sindicais. É hora da negociação. Mas neste momento as centrais sindicais precisam ter clareza de que o problema central do país resume-se à questão econômica. Os candidatos precisam assumir compromissos nessa linha, notadamente quanto à necessidade de industrialização. Sem essa condição, dificilmente construiremos uma nova sociedade.