Mudança na poupança
é sensata e inevitável
04/05/2012 - 17:10
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Positiva, a medida do governo da presidente Dilma Rousseff de alterar as regras na caderneta de poupança deveria ir além e também reduzir a liquidez para o investimento, que, hoje, é diária. A defesa é do pesquisador e docente do Instituto de Economia (IE) da Unicamp, Francisco Luiz Lopreato.
Para Lopreato é sensata e inevitável a Medida Provisória (MP) anunciada pelo governo na quinta-feira (3) de vincular o rendimento da caderneta de poupança à Selic (taxa básica de juros da economia).
Já em 2008, o economista da Unicamp defendia mudanças na caderneta de poupança (veja artigo), que segundo ele, poderia retomar a sua ideia original, de uma aplicação que daria rendimento somente após três meses do investimento. Em entrevista ao Portal da Unicamp, o docente disse que a queda na taxa de juros, imprescindível para o crescimento do país, poderia deixar o mercado ‘completamente distorcido’, caso o governo não promovesse as alterações na poupança. “Mais líquida e mais segura, a poupança, teoricamente, deveria ter um ganho menor. Sem a decisão do governo, ela teria um ganho maior, e isso seria nonsense”, declarou.
A nova regra define que a remuneração da poupança seguirá dois padrões. Caso a Selic seja maior que 8,5% ao ano, a norma permanece a mesma, com os juros da poupança sendo calculados pela Taxa Referencial (TR), mais 0,5% ao mês. Se a Selic for igual ou menor a 8,5%, a remuneração da poupança passa a ser calculada com a TR, mais 70% da Selic.
“O governo tomou todos os cuidados para a população não perder. Essa coisa de confisco não tem nada a ver, dizer isso é estupidez. Haverá mudanças para os novos investimentos e, evidentemente, o cidadão terá a opção de investir ou não. É razoável que, na medida em que a taxa de juros caia, todos os rendimentos, inclusive a poupança, caiam juntos”, considerou.
Portal da Unicamp - Como o senhor avalia a decisão do governo de vincular o rendimento da caderneta de poupança à taxa básica de juros?
Francisco Lopreato - É um fato fundamental e importante que já deveria ter sido feito há muito tempo. A poupança dá um rendimento líquido na casa dos 8% ao ano e acabava representando um entrave para a queda da taxa de juros brasileira. A poupança tem alta liquidez, pois você pode tirar o investimento quando quiser. Ela ainda tem alta segurança, pois é garantida pelo governo. E sem as mudanças do governo ela ainda poderia pagar a maior taxa de juros do mercado…
Vamos supor que a taxa Selic caia a 8% ao ano. Com 8% é o que um fundo de renda fixa vai te dar, com algumas variações. Só que sobre a aplicação deste fundo incidiria a taxa de administração, que varia, mas em geral não é menor do que 1%. Se você imaginar que este valor pode ser reduzido porque tem ainda que pagar imposto de renda, já há uma perda em relação à poupança. Portanto, na medida em que a taxa de juros venha a cair, estes ganhos em outras aplicações perderiam competitividade com relação à poupança. Ocorreria uma migração de recursos de outras aplicações para a poupança. Isso teria várias implicações. Primeiro, inundaria a poupança de recursos. E ela é destinada por norma no Brasil ao financiamento de imóveis, então sobrariam recursos para este setor. Teria também um impacto no sistema bancário, que não teria essa lucratividade toda. E mais importante: esses fundos de investimento, em grande medida, fazem aplicações em títulos da dívida pública. Por isso, se eles perdessem recursos, a dívida pública sofreria. A queda na taxa de juros e a manutenção da poupança como estava iria deixar o mercado completamente distorcido. Mais líquida e mais segura, a poupança, teoricamente, deveria ter um ganho menor. Sem a decisão do governo, ela teria um ganho maior, e isso seria ‘nonsense’.
Portal da Unicamp - Ela vem no sentido de inibir o capital especulativo?
Francisco Lopreato - Não é bem inibir o capital especulativo porque não seria nem especulação. A coisa é muito simples: o capital especulativo, na verdade, faz outras formas de investimentos que não sejam a poupança. A ideia é permitir que a taxa de juros caia sem provocar uma distorção no mercado de aplicação financeira. Essa é a questão mais importante.
Portal da Unicamp - Era uma mudança inevitável?
Francisco Lopreato - É inevitável, acho que poderiam ir um pouco além, que é reduzir a liquidez da poupança. Na década de 1980, antes de ter a inflação muito alta, a poupança era uma aplicação de três meses. Se o aplicador colocasse o dinheiro na poupança ele só teria o rendimento depois de três meses. Se ele tirasse o dinheiro antes, ele perderia. Hoje, nós temos uma aplicação que é diária.
Portal da Unicamp - Porque o senhor defende a redução da liquidez da poupança?
Francisco Lopreato - No mercado financeiro ‘normal’ a rentabilidade se distribui segundo critérios de risco e liquidez. Se você quer uma aplicação com maior ganho, a ideia é que você tenha menor liquidez para deixar um dinheiro aplicado por um tempo longo. Se você quer maior liquidez, você vai ter um rendimento menor. Já a poupança te dá segurança e uma liquidez imediata.
Essa situação no Brasil foi completamente deturpada nos anos de 1980. Com a alta da inflação, perdeu-se o caráter de diferentes prazos de aplicação. Tudo virou dinheiro para ser aplicado no chamado ‘overnight”. Qualquer um, tanto pessoa física como jurídica, aplicava no mercado financeiro e esse dinheiro ‘dormia’ no Banco Central. E o banco aplicava em títulos da dívida pública. No dia seguinte o dinheiro estava na sua conta com o rendimento diário. Era uma liquidez diária.
Depois do plano real, que a inflação caiu para níveis civilizados, teoricamente deveríamos ter uma situação de investimentos diferenciando os juros de aplicações de mais longo prazo e de mais curto prazo. E no Brasil isso caminhou de uma forma ainda muito pouco clara porque as aplicações de curto prazo estão muito presentes. É o caso da poupança, que você tem uma rentabilidade alta, uma garantia grande e uma liquidez diária. Por isso que poderia retomar a ideia original da poupança, que era ser uma aplicação de três meses. Poderia se fazer isso em outros fundos também. Hoje a diferenciação é muito pequena, pois no Brasil ainda há um vício muito grande de aplicações a curto prazo.
Portal da Unicamp - O senhor concorda que a mudança consolida as bases para um crescimento econômico sustentável, como afirmou o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini?
Francisco Lopreato - Veja [pausa]. Não se pode jogar numa única medida um crescimento sustentável. Não se pode afirmar que só isso seja a garantia de um crescimento sustentável. Até porque a taxa de juros nem caiu ainda. Agora, uma coisa é certa: isso é uma medida fundamental para abrir caminho para a queda da taxa de juros, que é crucial para pensarmos em termos de um crescimento mais sustentável. Imagino que foi nesse sentido que o Tombini colocou. Outra medida importante é garantir o financiamento de longo prazo.
Portal da Unicamp - Quais são as principais consequências das mudanças para a população?
Francisco Lopreato - O governo tomou todos os cuidados para a população não perder. Eles foram bem sensatos. Essa coisa de confisco não tem nada a ver, dizer isso é estupidez. Esse discurso da oposição ao governo de que a população vai perder é bobagem. Para todos que tinham aplicações na poupança até a adoção da medida do governo não houve mudança nenhuma. As mesmas regras permanecem. Haverá mudanças para os novos investimentos e, evidentemente, o cidadão terá a opção de investir ou não. Ninguém será obrigado a investir na poupança. É razoável que, na medida em que a taxa de juros caia, todos os rendimentos, inclusive a poupança, caiam juntos. Agora, se a taxa de juros cair, a poupança vai ser um alto negócio para quem já tem o seu dinheiro aplicado antes das mudanças (risos). Eles vão ter segurança, rentabilidade e a melhor aplicação do mercado.
Portal da Unicamp - Esta medida já foi ensaiada por outros governos, mas nunca foi feita por se tratar de um tema delicado. O senhor acha que a decisão da presidente Dilma foi favorecida pela sua atual conjuntura política?
Francisco Lopreato - Foi, mas não somente pela conjuntura política. No governo Lula essa mudança foi pensada quando houve a crise financeira internacional, em 2008, e o Banco Central começou a reduzir a taxa de juros. Porque naquele momento criava-se o mesmo problema de hoje. Naquela época, a oposição usou isso politicamente, dizendo que poderia haver confisco e essas besteiras que alguns estão repetindo. Mas logo em seguida, a taxa de juros voltou a subir. Naquela ocasião, mais do que politicamente complicado, o país não estava vivendo um momento em que a redução da taxa de juros tenha ganhado alta proporção, como no governo atual. Veja que o governo está batendo nesta tecla…
Portal da Unicamp - Até porque a previsão de crescimento tem sido pessimista…
Francisco Lopreato - Isso [pausa]. Mas no discurso de posse da presidente Dilma ela defendeu a redução dos juros como uma das metas do seu governo. Ela disse que gostaria de levar a taxa de juros do Brasil a um nível de país civilizado. Lembra-se disso? Portanto, desde a posse ela tem levantado essa bandeira da redução da taxa de juros. A mudança não é simplesmente porque a Dilma está com o cacife político alto. A discussão da queda do rendimento da poupança passou a fazer parte de uma questão maior, que é a redução da taxa de juros para níveis civilizados. É uma politica a mais dentro de uma política agressiva de redução da taxa de juros. Não foi uma medida tirada da cartola. É nesse sentido que eu acho que a resistência é bem menor.