Sobre Eric Hobsbawm, que veio à Unicamp duas vezes

01/10/2012 - 17:00

Hobsbawn na Unicamp: o segundo da esquerda para a direita

O mundo acadêmico está lamentando a perda de Eric Hobsbawm, considerado um dos maiores historiadores do século 20, que faleceu de pneumonia nesta segunda-feira, aos 95 anos, em Londres. O autor de A Era das Revoluções, A Era do Capital, A Era dos Impérios e A Era dos Extremos esteve na Unicamp em duas ocasiões: a primeira em 1975, como estrela do primeiro grande evento internacional promovido no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), numa ousadia de um grupo de cientistas sociais que tinha à frente o então jovem sociólogo Paulo Sérgio Pinheiro; a segunda em 1989, para um evento conjugando os centenários da Abolição e da Proclamação da República no Brasil, a convite do professor Edgar De Decca.

“Vim ao primeiro seminário ainda como pós-graduando da USP”, recorda De Decca, que hoje é coordenador-geral da Universidade. “Foi um momento muito importante para o IFCH, pois marcou a consolidação da área de pesquisa em história social e do movimento do trabalho no Brasil e na América Latina. Na ocasião, Hobsbawm era um historiador polêmico, que havia escrito Rebeldes Primitivos, sobre bandidos vistos como heróis, como Robin Wood, Juliano e Lampião. Ele veio justamente discutir se líderes quase messiânicos poderiam se tornar líderes políticos revolucionários, tema que suscitou uma série de novos trabalhos e pesquisas.”

Edgar De Decca fazia parte de um comitê do CNPq criado pelo ministro Celso Furtado para o Centenário da Abolição, quando convidou Eric Hobsbawm a voltar à Unicamp. “Tive, inclusive, a oportunidade de ser o tradutor de um dos seus livros, Mundos do Trabalho, uma coletânea de trabalhos de pesquisa sobre o movimento operário na Inglaterra, lançado pela Paz e Terra. Hobsbawm marca uma época da historiografia de inspiração marxista e possui obras fundamentais para se entender a origem deste mundo moderno através das revoluções burguesas; um autor perspicaz na análise da expansão do capitalismo, culminando com um livro brilhante, que é A Era dos Impérios. O Departamento de História e o IFCH como um todo têm nele uma figura de grande inspiração”.

Foi ainda em 1989 que De Decca se encontrou com Hobsbawm pela última vez, durante a Conferência Internacional de Historiadores do Movimento Social, em Viena, cujo objetivo era fazer um balanço do movimento socialista e trabalhista no mundo. “Ele fez a conferência de abertura e foi o historiador homenageado. Era de uma generosidade incrível e me chamou porque acreditava que os movimentos sociais que ocorriam no Brasil na década de 80 apontavam para uma nova configuração da história social. Hoje pela manhã recuperei o livro com os resultados daquele evento, em que ele faz a apresentação e eu contribuo com um capítulo, intitulado Ecologia, Mudança Tecnológia e Movimento Operário. O livro traz uma avaliação das mudanças que ocorriam, sendo que Viena, naquele instante, estava sendo invadida por milhares e milhares de imigrantes que chegavam da Europa oriental.”

Vida e obra
Eric John Ernest Hobsbawm nasceu em 09 de junho de 1917, de uma família judia, na cidade de Alexandria – como o Egito ainda estava sob o domínio britânico, possuía dupla cidadania. Ele passou os primeiros anos de vida em Viena (Áustria) e Berlim (Alemanha). Aderiu ao Partido Comunista aos 14 anos, depois da morte precoce dos pais, e em 1933, quando Hitler ascendia ao poder, foi levado pelos tios para Londres. Nesse período, já tinha iniciado seus estudos sobre as obras de Karl Marx.  

Hobsbawm formou-se em história na Universidade de Cambridge, aonde chegou a reitor. Para analisar a história do trabalhismo e os diversos aspectos que a envolvem – as revoluções burguesas, o processo de industrialização, as diferentes manifestações de resistência da classe trabalhadora –, o intelectual dedicou-se à interpretação do século 19, no período que vai de 1789, com a Revolução Francesa, até 1914, com o início da Primeira Guerra Mundial. A Era dos Impérios (1875-1914), publicado em 1994, tornou-se uma das obras mais lidas e indicadas sobre a história recente da humanidade.

Eric Hobsbawm esteve novamente no Brasil em 2003, desta vez como estrela da primeira edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). A primeira passagem em 1975, quando esteve em Campinas, está registrada pelo escritor e jornalista Eustáquio Gomes, no livro O Mandarim – Uma história da infância da Unicamp, capítulo 26, reproduzido pelo Jornal da Unicamp