Empírika acontece a partir desta sexta no
IEL. Alberto Rojo encerra evento no sábado

25/10/2012 - 10:10

O II Seminário Internacional Empírika – Comunicação, Divulgação e Percepção de Ciência e Tecnologia integra a proposta da Empírika 2012, que envolve, além da organização de um evento científico, a realização da segunda edição da Feira Ibero-americana da Ciência, Tecnologia e Inovação, que ocorreu em São Paulo, de terça a quinta-feira (23 a 25).  Trata-se de um evento internacional, bienal e itinerante, cuja primeira edição (feira e evento científico) foi realizada em 2010 na Espanha. Nesta sexta-feira (26) e no sábado (27) o Empírika acontece na Unicamp, no Instituto de Estudos da Linguagem, sob coordenação do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor).

Às 9 horas está prevista a mesa redonda "Cultura científica: feiras e eventos de ciência". Conta com as participações de Carlos Vogt, ex-reitor da Unicamp e coordenador do Labjor (fala sobre “A espiral da cultura científica e o bem-estar cultural”); Marcelo Knobel, pró-reitor de Graduação da Unicamp (“A divulgação científica na Unicamp”); Miguel Ángel Quintanilla, da Universidad Salamanca, Espanha (“Feiras de ciências e catedrais”), com moderação de Germana Barata (Labjor-Unicamp). Veja programação completa no IEL (há outros eventos fora de Campinas como parte do Empírika).

Leia entrevista do professor Carlos Vogt sobre o Empírika

Alberto RojoEncerramento com Alberto Rojo
Como conferência de encerramento do II Seminário Internacional Empírika, no sábado (27), às 18 horas, o físico e pesquisador da Universidade de Oakland (EUA), Alberto Rojo, apresenta a palestra “A interseção da ciência com a arte”. Rojo não é um físico (especialista em mecânica quântica) comum. Divulga a ciência de forma apaixonada, traçando paralelos com da ciência com a arte e os movimentos estéticos. Nessa entrevista ao jornalista Romulo Augusto Orlandini, o professor da Oakland fala sobre as revoluções no espaço-tempo pós Galileu e sua influência na pintura, no “incômodo” de Einstein, na genialidade literária e científica de Jorge Luis Borges e, por fim, na música.

Portal - Quais são os cruzamentos possíveis entre ciência e arte?
Alberto Rojo - Os cruzamentos são muitos, mas, sobretudo, para mim, o principal cruzamento é o feito que há muito do critério estéticos na criação das teorias.

Portal - Como tais critérios influenciaram as teorias então?
Rojo - O uso da simetria e da simplicidade, por exemplo, são noções subjetivas que conduzem à verdade. Um exemplo é a teoria da luz de [James Clerk] Maxwell. As equações da eletricidade e do magnetismo, antes de Maxwell, tinham uma assimetria que fazia que a carga elétrica pudesse criar-se e destruir-se. Maxwell restituiu essa simetria e encontrou que a luz é um fenômeno eletromagnético. Em 1905, [Albert] Einstein apontou – e é o que ele diz na primeira frase de seu artigo mais famoso deste ano – que a teoria de Maxwell persiste uma assimetria. Einstein estava “incomodado” com tal assimetria e, para fazer a coisa simétrica, eliminou o éter e inaugurou o tempo e o espaço relativos de sua teoria da relatividade. Logo, Paul Direc, “jogando” com as equações, buscou a fórmula mais sensível – que reconciliava a física quântica com a relatividade, e chegou a uma equação que contém a anti-matéria. Esse jogo de simplicidade é um jogo estético, uma vez que, a princípio, alguém poderia se perguntar porque uma verdade da natureza é a que o cérebro entende como a mais simples ou a mais sensível.

Crateras: desenho feito por Galileu Galilei da luaPortal - Galileu não foi o primeiro homem a ver a lua, mas a desenhou e contestou a teoría da esfera perfeita. Como é esta história?
Rojo - O primeiro homem a ver a lua foi Thomas Harriot, uns meses antes, na Inglaterra. Harriot desenhou uma borda rugosa entra a parte escura e a parte iluminada da lua, mas não reparou na rugosidade, atribuindo talvez a uma imperfeição da lente. No entanto, Galileu, que conhecia pintura e havia estudado as leis da perspectiva, interpretou essa rugosidade como sombras e descobriu que a Lua tinha crateras. E fez mais: com seus conhecimentos de geometria e o tamanho das sombras em relação ao diâmetro da lua, ele foi capaz de estimar, corretamente, a altura das crateras (mais ou menos a altura dos Alpes, na Suíça). Galileu mesmo pintou umas imagens belíssimas em sépia da lua por sete noites consecutivas. A história é relevante porque, até este momento, se supunha que a lua era uma esfera perfeita e era símbolo da pureza. Os pintores representavam a Virgem na imagem da Imaculada Conceição parada antes uma lua esférica e transparente. Após Galileu, havia que pintá-la em uma lua com crateras, porém quem o fez foi somente Cigoli, amigo de Galileu, na igreja de Santa Maria Maggiore, em Roma.

Portal - Quais os paralelos entre física e o desenvolvimento da pintura?
Rojo - É interessante ver como a ideia de espaço, tempo e matéria vão mudando ao largo da história da pintura, fazendo eco para a evolução científica. Por exemplo, no “O chamado dos Apóstolos”, de Duccio de Siena (1308 a 1311) o espaço é plano, a cor do céu é irreal (mais dourado que azul). O dourado é o símbolo do sagrado. O céu para os medievais era sagrado e se supunha que continha o universo. Duzentos e cinqüenta anos mais tarde, Tintoretto pintou “Cristo Cristo no Mar da Galiléia”: movimento nas ondas e nuvensno Mar da Galiléia”, onde há um céu espaçoso com nuvens móveis. Sua terra e água ocupam um espaço físico. Para os medievais, as formas tridimensionais existem em um espaço ‘inferior”, imperfeito, isto é, o espaço dentro das estrelas fixas. Por outro lado, no reino de Deus, da eternidade, onde habitam os anjos, não é necessário o volume e o espaço. A realidade eterna não necessita de espaço. Entretanto, no renascimento (por exemplo, na “Adoração dos Reis Magos”, de Boticcelli, de 1480) a existência de um objeto está associada ao lugar que ocupar no espaço e começam a usar a perspectiva linear. Um dos favoritos meu é “O Flagelo de Cristo”, de Piero della Francesca, que usa a perspectiva corretamente e que é, por acaso, a primeira obra a pintar Cristo mais pequeno que o resto dos personagens do quadro. Na palestra, uso mais exemplos sobretudo na pintura moderna, onde há uma nova noção de espaço, que acompanha a ideia de espaço relativo de Einstein e a redefinição de simultaneidade. Cristo no Mar da Galiléia”: movimento nas ondas e nuvens Eu agregaria também o desenvolvimento da ideia de matéria e gravidade. Antes do renascimento há um não uso da gravidade na pintura. Depois de Newton, os anjos têm peso, não voam. Isso pode ser visto, por exemplo, na Rafael e logo em Diego Velázquez. Se alguém olhar a pintura de “São João Evangelista” (1270) entende que o movimento não era essencial, pois as figuras medievais eram estáticas. Nossas noções de tempo derivam das mudanças devido ao movimento; a imobilidade das figuras dão um aspecto de atemporalidade. Mais tarde, no século 17, Galileu apontou que o movimento é uma condição essencial da matéria. Se alguém vê “Apolo perseguindo Daphne”, de Tiepolo (1765), cada figura tem uma pose diferentes que implica movimento. A representação temporal muda.

Portal - A criação literária sempre foi um espaço livre que os escritores descreviam coisas que depois de anos se tornaram realidade. Qual o papel da literatura na ciência de ontem, hoje e, consequentemente, amanhã?
Rojo - Para mim o papel da literatura é estender os limites da imaginação. Por isso, há muito da boa literatura que antecipa aos descobrimentos científicos. E não estou falando da ciência ficcional que, em sua maioria, não somente antecipa, mas também extrapola a tecnologia do momento para situações futuristas. Existe muito pouco de antecipação verdadeira na ciência ficcional (gênero que pessoalmente me encanta). O que mais me interessa são as antecipações conceituais e, neste sentido, a literatura é indispensável. Na extensão dos limites da imaginação, a literatura nos ajuda a compreender a realidade. Nossa linguagem é limitada, nos enquadra a realidade em uma representação de um número finito de símbolos. A poesia, a literatura, trata de ir mais além deste enquadre, e tenta expressar o inexpressável. E, nesta tentativa, acaba por inventar ou descobrir imagens que logo serão utilizadas pela ciência. Isto é, para mim, a função da literatura.

Portal - Borges foi um poeta com alma de pesquisador ou um investigador com alma de poeta? Ou os dois? Como classificar o argentino no meio artístico e/ou científico?
Rojo - Em Borges estão as duas realidades diluídas, sua literatura às vezes pode ser lida como ciência e seus ensaios como fantasias. Creio que o que distingue a Borges do resto é ele ser um pensador literário independente. Ele toma muito da literatura, algo das leituras divulgacionais de matemática. Só que, antes de tudo, pensa as coisas por sua conta e, nisso, é sumamente aventureiro. Borges então é isso: um grande aventureiro das ideias literárias. Borges é isso, um grande aventureiro das idéias literárias. Esse sentido de aventura é possível ser lido em sua desenvoltura ante a ciência. Borges não tem, como a maioria dos escritores, essa espécie de “inveja do telescópio” ou “inveja do tubo de ensaio” – ou como queira chamar. Ele não tem um respeito reverencial pela ciência, e sim a reconhece como uma disciplina que decifra uma verdade parcial. Talvez justamente por isso é o poeta más citado por pesquisadores.

Portal - Por fim chegamos à música: das formas artísticas é a que mais tem elementos científicos por causa das frequências sonoras, por exemplo. Qual é o papel da música em seus estudos?
Rojo - A música é parte da minha vida. Sou músico e trato de entender a lógica por detrás da música (não sou pesquisador ativo do tema). O mais fascinante é que a gramática musical é expressável em números. Talvez porque toda a natureza se baseia em ritmos e em acordos entre ritmos. E também há uma história milenar da relação entre música e ciência. Como sabemos, desde os gregos se supõe que o universo funciona com leis musicais (a famosa “música das esferas”), algo que logo se descartou. Porém, se olharmos o desenvolvimento da física quântica, é uma teoria de ondas e de consonâncias. A teoria das SuperCordas é, de algum modo uma teoria musical: os “acordes” das supercordas são as partículas elementares. Ou seja, no fundo, a teoria da música é a teoria do universo.

SERVIÇO
A apresentação de Alberto Rojo será no Auditório do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp, que fica na Rua Sérgio Buarque de Holanda, nº 571, às 18 horas. Após a palestra, Rojo, que também é musico, fará um concerto especial de violão clássico.