Que homem! Firme nos pés como um leão... Gente como eu, só tem um cantinho no mundo... Sou só uma mulherzinha... Essa fala, na interpretação de Bruna Recchia, uma das 80 candidatas às 25 vagas das Artes Cênicas da Unicamp, integrou a prova de palco durante o teste de Aptidão nesta terça-feira no Instituto de Artes (IA). O público foi em peso para prestigiar a arte da atuação, tendo a chance de ouvir textos de escritores brasileiros e estrangeiros, entre eles Nelson Rodrigues e Gil Vicente.

Como Bruna, Bianca Brito também buscou o melhor de sua interpretação em Jorge, do Último Caso. Vestimenta masculina, fala caipira, foi logo dizendo: “Vou procurá meu cumpadre e minha cumadre... Deitei e dormi... Quando acordei, estava escuro lá fora... Se oceis estiver cansado, também pode descansá”.

Pode parar, disse um dos oito examinadores que avaliam as provas de palco. E assim acontece com cada candidato: após um trecho de um dos 30 textos sugeridos, chega o momento de findar a interpretação. Para Camila Bueno, 17 anos, candidata que veio de São José dos Campos-SP, somente o fato de estar no palco já é muito gratificante e sobretudo porque trouxe consigo a tia como “réplica” (que ajuda no diálogo de quem está sendo avaliado) que, depois de tantos ensaios, nem chegou a fazer a sua fala. Melhor assim, definiu, contente pela atuação da sobrinha.

Após sua apresentação, Camila desfilou com a tia e teve seu dia de glória, mesmo sem saber ainda o resultado dessa longa semana de atividades no Departamento de Artes Cênicas. Escolheu o texto "Farsa de Inês Pereira", de Gil Vicente. Procurou se mostrar bem na cena. Até alugou um figurino específico para sua personagem, um vestido longo pomposo. Mesmo achando que isso não conta, procurou estar impecável. “Não venho de uma experiência no palco, não pelo menos no teatro. Estive no palco em apresentações de dança”, afirmou. “Que enfadamento... que raiva... que tormento... Hei de estar cativa... Todos vêm e vão aonde querem... Eu não”, interpretou Camila, esperando justamente oposto: chegar onde pretende.

O presidente da banca, professor Mário Santana, contou que esses alunos já passaram pelas provas escrita e de sala de aula, além da de palco. Segundo ele, apesar de uma certa inexperiência, viu nitidamente que os jovens podem ser lapidados durante o curso e que eles perceberam as exigências antes de pleitear uma vaga no IA. “Hoje eles sabem que precisam assistir quanto mais outros espetáculos e atuações”, pontua. “Mas é muito difícil saber se a escolha é legítima já que não existe uma certa vivência na área”, explicou Santana.

O professor acredita que o preparo já pode iniciar na infância com a etapa das leituras, no que muito ajuda as indicações diversificadas pela escola. Por outra via, entende que, quando se percebe uma vocação, o interessado deve procurar participar de algumas oficinas. “Existem muitas, como a de mímica e a de dança. Também contribui muito a formação de grupos de teatro na escola e com os amigos, para constatar os reais talentos”, ressaltou.

Na prova de palco, disse ele, espera-se a escolha de um texto condizente com o perfil do candidato e um personagem sobre o qual se possa dar conta. Espera-se ainda que ele demonstre domínio de interação e uma interpretação vocal do texto, que colabore para dar sentido ao que se fala. Isso porque muitas vezes o corpo não responde ao que se profere. Essa prova, prossegue o presidente, manteve a mesma estrutura do ano passado. Foram apenas sugeridas mais outras cinco leituras.

O curso de Artes Cênicas forma o artista-pesquisador das artes cênicas e esse profissional pode ir além da atuação no palco. Pode fazer pesquisa, ir para o mercado de propaganda, fazer direção, produção de texto e programação. Durante essa semana na Unicamp, os candidatos, indistintamente, ficaram no IA das 8 às 18 horas e ainda à noite realizaram os trabalhos das disciplinas oferecidas durante as oficinas. “Essa tarefa é uma verdadeira delícia. Até para a gente que é professor. Não terá êxito apenas a pessoa que não se preparou. Timidez não é empecilho. Nossa avaliação busca aqueles que estão em melhores condições de levar adiante o nosso projeto pedagógico”, concluiu Santana.