Departamentos são cemitérios da
interdisciplinaridade, diz antropólogo

09/04/2013 - 10:18

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Diegues defende interdisciplinaridade

Diegues defende interdisciplinaridade

Fórum na FCA de Limeira

Fórum na FCA de Limeira

"Os departamentos são uma estrutura mais de poder do que de ciência. São o cemitério da interdisciplinaridade." A frase é do antropólogo da Universidade de São Paulo (USP) Antonio Carlos Diegues, palestrante convidado para falar durante o Fórum Permanente de Ciência e Tecnologia realizado nesta terça-feira na Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp, em Limeira.

Diegues, que em seus livros aborda muito a relação sociedade e ambiente, discutiu a interdisciplinaridade das ciências humanas. Mais lhe interessou verificá-la na prática e os perigos de enveredar por ela. Segundo ele, no Brasil, na década de 90, aconteceu a proliferação de cursos interdisciplinares sobre sociedade e ambiente. E hoje as agências de fomento já os consideram mais facilmente, assim como o surgimento de novas áreas.

"Não se pode dar aula sem que se produza conhecimento e não vejo produção sem trabalho de campo", salientou o antropólogo. Em sua opinião, "o país sempre importou modelos estrangeiros que, obviamente, vieram com muitos ruídos, por partirem de uma outra realidade distinta da nossa". No caso das ciências aplicadas, também importaram modelos que acabaram criando um conjunto de injustiças sociais. "Temos áreas ocupadas por seringueiros, caiçaras, ribeirinhas. Com a criação de parques nacionais, eles estão sendo expulsos", lamentou.

Diegues tomou por base o livro A Interdisciplinaridade das Ciências Sociais, publicado pela Unesco. A ideia da obra como um todo é a cooperação das ciências básicas. "A interdisciplinaridade é antes de tudo um comportamento. Nossa disciplina, individualmente, é insuficiente para mostrar a realidade. Algumas disciplinas se julgam no topo da interdisciplinaridade por essência. Isso é uma besteira", criticou. Em seguida, defendeu a associação das disciplinas com outras ciências, embora reconhecendo que essa tarefa não seja simples. Os departamentos, exemplificou ele, são uma estrutura perigosa, sutil e de poder. "Uns mandam e outros obedecem."

Diegues advertiu a FCA de Limeira, que não atua com departamentos, desde a sua criação. "Fiquem alertas para que o departamento não surja aqui com outro nome. A interdisciplinaridade é uma colaboração orgânica entre disciplinas, mas cada qual guardando os seus próprios métodos. Já a transdisciplinaridade é um passo além, supondo-se que existe um paradigma comum entre as disciplinas. Acredito que nunca conseguiremos ter uma disciplina única. Isso não é fácil por questões científicas e sim de poder. O mais importante é saber que essa tendência veio para ficar e precisa avançar em ciências sociais. É preciso construção na prática e na pesquisa", contemporizou.

Para o antropólogo, a interdisciplinaridade constitui um desafio, uma construção diária de gente que se reúne para atuar na interface da ciência. "Provavelmente, ela começará nessa interface. Agora, como produzir ciência nessa perspectiva? É necessário encontrar áreas em comum. A extensão força um pouco esse exercício. Os próprios trabalhos, por exemplo, são um exercício de campo com a intenção de melhorar a vida do cidadão. "O que temos de seguro na ciência é ainda pouco. Temos muito por desvendar e precisamos uns dos outros", concluiu ele.

Fórum

Este é o décimo primeiro ano de realização dos fóruns permanentes, promovidos pela Coordenadoria Geral da Universidade (CGU). Eles iniciaram em 2003 com 30 fóruns por ano. No momento, são 60 fóruns. O Fórum de Ciência e Tecnologia terá continuidade à tarde, com outros debates, dos quais participam alunos, docentes e funcionários. Teve organização da FCA da Unicamp.

O objetivo deste Fórum é debater as ciências humanas e sociais como um campo do saber interdisciplinar, ou seja, uma área comum de discussão que busca a compreensão da condição humana e da dinâmica social e suas múltiplas consequências e dimensões. Ao longo do século XX, a contínua fragmentação do conhecimento produziu, no seu reverso, movimentos de retomada de sua ligação, no sentido de reaproximação daquilo que se partia.

As ciências humanas e sociais se constituíram no âmbito desta fragmentação, embora sempre tenha existido movimentos de oposição e busca por abordagens integrativas, que funcionavam como anticorrentes ao paradigma dominante de pensamento mecanicista e fragmentário.