Paulo Freire e os
sujeitos da história

06/09/2013 - 17:31

“O processo de aprender, que é eminentemente subjetivo, só se dá absolutamente com o outro sujeito: o sujeito da história.” Parte do pensamento do educador e escritor Paulo Freire (1921-1997) foi replicado pela educadora Ana Maria Araújo Freire em fórum permanente que abrigou o “11º Seminário Internacional Paulo Freire”, nesta sexta-feira (6), no Centro de Convenções da Unicamp.  Em sua conferência, Ana Maria, viúva do educador, falou sobre o comportamento pessoal e social do patrono da educação brasileira, que um dia sonhou em ser reitor da Unicamp, onde lecionou por muitos anos.

 “Um mundo mais saudável, mais alegre, verdadeiramente humano, sem violência, sem vingança, sem explorações. Um mundo onde seja possível amar.” Era perseguindo este sonho que Paulo deixou como referência a pedagogia dos oprimidos, na qual sempre enfatizou o direito ao conhecimento à sociedade como um todo. “Paulo enfatizava a generosidade, a humildade, a tolerância, a seriedade, a coerência e a amorosidade”, iniciou Ana.

Sempre disposta a difundir o pensamento e a prática de seu marido, levantou algumas questões primordiais para o educador, entre elas a amorosidade. “A questão da amorosidade em Paulo não é só amar, respeitar, dignificar o outro, mas ele enfatiza que a amorosidade do professor tem de ter o amor dele pelo conteúdo que ele vai ensinar.” Freire enfatizava, segundo Ana, que a amorosidade exige competência. “Ele tem de ter amorosidade com os alunos. Ele também não é obrigado a morrer de amores por todos os alunos nem gostar de todos por igual, mas o que não pode é mostrar excessivo amor e dedicação a um e desprezo pelo outro.”

Para que o ser humano possa se apropriar de algum conhecimento é essencial ter alguém que queira e saiba ensinar, segundo Ana. “Se ninguém ensina ninguém, ninguém aprende sozinho. No momento que eu apreendo, digo: aprendi. E pratico. Praticando, a gente se apropria e fica com esse conhecimento por toda a vida. Então esse processo amoroso implica querer bem seus alunos.”

Dentro das qualidades de quem acompanhou a trajetória de vida de Freire desde os 5 anos de idade, quando a mãe, por ocasião da morte do marido, solicitou uma bolsa de estudos na escola do pai de Ana Maria. “Freire nunca teve mágoa pelo fato de sua situação econômica ter mudado. Nunca lamuriou. Ele disse que ‘se a gente não trabalhar a humildade, a gente perde o endereço antológico do ser humano’ por muitas vezes. E ele nunca ficou empavonado. Nunca se considerou a pessoa mais importante que os outros, que deveria ser reverenciada em todos os lugares todos os dias.”

Ana Maria também situou o pensamento de Freire no contexto histórico atual, marcado pelos últimos movimentos de rua. “Apesar de certa posição ingênua de despolitizar as ações eminentemente políticas, as passeatas estão, mesmo que timidamente, procurando algo que os una e lhes dê força. Estão surgindo ações que tendem a buscar suas bases em partidos políticos, absolutamente necessários. Fato que só será conseguido com a moralização e proclamação de suas ideologias. Os partidos precisam criar vergonha também. Precisam dizer: 'somos isso ou aquilo', e praticar dentro da moralidade.”

Em seu livro Pedagogia da indignação, citado na conferência, Ana Maria traz parte do discurso de Freire, no capítulo "Cartas Pedagógicas”, que pode ser relacionada à mobilização da atual sociedade: “A seu inconformismo, a sua determinação de ajudar a democratização deste país, devemos mais do que às vezes podemos pensar. E que bom seria para ampliação e consolidação de nossa democracia, sobretudo para sua autenticidade, se outras marchas se seguissem às ruas.” Freire refere-se à marcha de abril de 1997, quando os sem-terra caminharam juntos de todo o Brasil e chegaram a Brasília, segundo Ana Maria.

Para ilustrar, fez questão de fazer mais um paralelo com a conjuntura. “A marcha dos desempregados, dos injustiçados, dos que protestam contra a impunidade, dos que clamam contra a violência, contra a mentira e o desrespeito à coisa pública. A marcha dos sem-teto, dos sem-escola, dos sem-hospital, dos renegados. A marcha esperançosa dos que sabem que mudar é possível”, escreveu o educador.

“Paulo escreveu em 1997 e vejo agora nessas marchas esta ideia dele. Porque o que ele falou e fez está no inconsciente coletivo. Esses meninos que começaram pelos R$ 0,20 talvez não tenham lido as obras de Paulo.  Mas essas ideias abrangem toda a sociedade brasileira sem dúvida nenhuma.”

No campo da educação, a presença de Freire é inegável. Hoje, ele é nomeado patrono e inspira estudos e formação de redes educacionais em vários países da América Latina, como enfatizou o professor cubano Mariano Isla Alberto Guerra, na abertura do evento. “Paulo Freire norteia as discussões sobre as mudança constitucionais em Cuba”. Segundo o organizador do evento, Francisco Genézio Lima de Mesquita, bibliotecário no Instituto de Artes da Unicamp, há uma discussão entre vários países da América Latina para a realização de um evento em conjunto.

Ana Maria acentua que a influência de Freire na educação é fato, já que o conjunto de sua obra e de sua práxis abrange todas as ciências. “Entre 1987 e 2011, em programas de pós-graduação strictu senso em todo o País, 1.824 pesquisas, sendo 1.461 dissertações e 363 teses, se fundamentaram em meu marido. Sendo que 73% são pesquisas de ciências humanas. O que mostra que sua obra era eminentemente humanista, englobando educação, letras e linguística, filosofia, psicologia, sociologia e antropologia, recursos humanos, direito, serviço social ciências sociais, ciências da religião, comunicação, fotografia e artes.  Ao todo, são 1.331 trabalhos acadêmicos na área de humanidades”, reforça Ana Maria. Desse total de trabalhos, 20% estão na área de ciências biológicas (366), e 127 estão na área de ciências exatas. “Em vários fóruns que participo, as pessoas procuram referências na administração de Paulo Freire e Marilena Chauí na gestão de Luiza Erundina na Prefeitura de São Paulo. Esses fóruns formam a voz do povo, que Paulo tanto estimulou. É por isso que as pessoas estão na rua, pedindo, falando, para se tornarem sujeitos da história também.”

 

Os sujeitos da história também foram lembrados pelos educadores Rita Diana de Freitas Gurgel, Marinalva Imaculada Cuzin, André Ferreira e Francisca Paula Toledo Monteiro na primeira mesa redonda do evento. Os sujeitos da história hoje estão em salas de aula como da Educação de Jovens e Adultos, procurando se apropriar de conhecimento que lhe é de direito. “O EJA é uma forma de devolver ao cidadão o direito ao conhecimento. Não tem como falar nessa cidadania sem passar por Paulo Freire. O resto é consequência, vem somar. Assim como a pedagogia de Freire, a  EJA tem de ser uma proposta transformadora, que abrace esse sujeito traz esse sujeito, leve para a sala de aula e mostra para além do a-e-i-o-u; o convença que ele tem direito ao conhecimento. Só assim começamos a tratá-los como seres humanos de verdade”, disse a coordenadora da Educação de Jovens e Adultos (EJA) de Campinas, Marinalva Imaculada Cuzin.