Comissão da Verdade é instalada
17/10/2013 - 16:30
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Os trabalhos de uma comissão da verdade não são importantes somente para as vítimas da ditadura, que ganham voz através dela, mas para a sociedade de modo geral, que passa a ter novos elementos para avaliar de forma crítica aquele período e os episódios a ele relacionados. A frase, cunhada na manhã desta quinta-feira (17) pela professora Maria Lygia Quartim de Moraes, marcou o início dos trabalhos da Comissão da Verdade e Memória "Octavio Ianni" da Unicamp, da qual é presidente. A primeira atividade da Comissão foi um seminário realizado no auditório do Instituto de Economia (IE). Além de Maria Lygia, participaram do evento o deputado estadual de São Paulo Adriano Diogo, presidente da Comissão da Verdade Rubens Paiva; o advogado Belisário dos Santos Júnior, ex-secretário de Justiça e de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo; e o também advogado Claudineu de Melo, professor adjunto de Direito Comercial da Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie.
De acordo com Maria Lygia, a Comissão conduzirá os trabalhos de forma transparente e manterá diálogo com comissões universitárias similares, bem como com as comissões estadual e federal. "Nossas tarefas serão restabelecer a verdade e promover a transmissão da memória. É preciso lembrar que o terrorismo de Estado perpetrado no período ditatorial não atingiu somente os adversários do regime militar, mas a sociedade em geral, por intermédio principalmente do espalhamento do medo", afirmou. Ainda conforme a docente, os trabalhos da Comissão também terão um caráter acadêmico, visto que estudantes de graduação e pós-graduação estarão envolvidos nas atividades.
Para o deputado Adriano Diogo, a criação de uma comissão da verdade por parte da Unicamp é importante porque vem se somar a outras iniciativas para romper com o pacto de silêncio que ainda prevalece sobre as arbitrariedades cometidas durante o período e exceção. "Trata-se de um pacto para que a verdade não apareça, advindo com a promulgação da Lei da Anistia, em 1979. Vale destacar que esse silêncio não interessa somente aos militares, mas também a outros setores", observou.
Em sua fala, Belisário dos Santos Júnior destacou que os anos de chumbo estão de volta. Tal retorno, sustentou, se deve tanto ao trabalho das comissões da verdade, que promovem o resgate da memória, quanto pela violência política, que segue fazendo vítimas fatais no Brasil. "Desde o advento da Lei da Anistia foram registrados cerca de 1.200 assassinatos de estudantes, jornalistas, magistrados etc", contabilizou.
Ao comentar sobre as ações de reparações que têm sido concretizadas no país, o ex-secretário salientou que elas não podem ser usadas como pedras sobre a verdade. "As reparações têm de servir como elementos de transição para um Estado verdadeiramente democrático. Nesse sentido, o papel da Unicamp com esta Comissão da Verdade será o de contribuir para recuperar o sentido de democracia no país", completou.
Claudineu de Melo citou um texto bíblico para exemplificar a importância do trabalho de uma comissão da verdade: "conheceis a verdade e a verdade vos libertará". "Uma comissão da verdade não tem o poder de punir aqueles que cometeram arbitrariedades e violaram os direitos humanos. Entretanto, ela tem a capacidade de fazer emergir os fatos que têm sido ocultados da sociedade", ponderou.
Sobre a Lei da Anistia, Melo afirmou que a medida concorreu para a banalização do mal no país. "Esta lei expressa a vontade daqueles que cometeram crimes durante a ditadura e não a vontade da sociedade brasileira. A Lei da Anistia não foi criada, como se alega, para estabelecer a paz social. Minha expectativa é que a Comissão da Verdade da Unicamp produza efeitos pedagógicos que auxiliem os cidadãos a compreenderem melhor esse e outros fatos", concluiu.
Tanto o reitor José Tadeu Jorge quanto o coordenador-geral da Unicamp, Alvaro Crósta, consideraram que criação da Comissão da Verdade e Memória "Octavio Ianni" está em consonância com as ações de outras instituições, empenhadas em restabelecer a verdade sobre os acontecimentos relacionados à ditadura. "Esta Comissão reflete os anseios da comunidade universitária, visto que ela foi criada depois de entendimentos com as entidades representativas de docentes, funcionários e estudantes", informou o reitor.
Segundo ele, a expectativa é de que os trabalhos a serem realizados contribuam para apurar não somente eventuais atos de arbitrariedade cometidos durante a ditadura militar contra docentes, alunos e funcionários da instituição, mas também para a formulação de políticas públicas contra novas violações dos direitos humanos no Brasil. Crósta acrescentou que uma das contribuições será a apresentação de um relatório com as conclusões do trabalho, que será amplamente divulgado para a sociedade.
Atribuições
Conforme a portaria assinada pelo reitor Tadeu Jorge, a Comissão está autorizada a recolher depoimentos, informações e documentos, assegurando, sempre que requerida, a não identificação do informante; a requisitar informações e documentos de todos os órgãos da Universidade; e a convidar professores, funcionários e alunos que tenham vivenciado situações específicas de violações de seus direitos civis dentro da Universidade, ou qualquer outra pessoa que possa ter informações relevantes.
Também serão atribuições da Comissão encaminhar às Comissões da Verdade em âmbito nacional e estadual as informações obtidas; recomendar a adoção, no âmbito da Unicamp, de medidas e políticas destinadas a prevenir a violação de direitos humanos, inclusive propiciando elementos para a eliminação de possíveis resquícios do AI-5 ainda presentes nas normas da Universidade; e elaborar relatório que contenha os resultados de seu trabalho de investigação dando ampla divulgação a esse texto.
Ainda segundo a portaria, a Comissão atuará pelo prazo de um ano a partir de sua instalação, com possibilidade de prorrogação, caso seja necessário. Além da professora Maria Lygia, são membros titulares o professor Wilson Cano (IE), o professor Yaro Burian Júnior (FEEC), a professora Ângela Maria Carneiro (IFCH) e o advogado Eduardo Garcia de Lima, do escritório De Lima, Emmanoel & Advogados Associados. Os suplentes são a doutoranda em sociologia Danielle Tega (IFCH) e a advogada Fernanda Cristina Covolan, do escritório - De Lima, Emmanoel & Advogados Associados.