Comissão da Verdade
realiza primeira audiência
21/03/2014 - 11:34
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A Comissão da Verdade e Memória Octavio Ianni, da Unicamp, realizou a primeira audiência pública na tarde de quinta-feira, com uma programação que consistiu de uma exposição sobre as atividades em curso na Comissão; uma explanação a respeito da estrutura do sistema repressivo e da perseguição ao movimento estudantil; e depoimentos de alunos e professores atingidos pela repressão. Também fez parte da programação um ciclo de filmes de Renato Tapajós: Universidade em Crise (1975), Em Nome da Segurança Nacional (1984) e O Fim do Esquecimento (2012), rodados na parte da manhã e na tarde do dia anterior.
O objetivo de investigar eventuais arbítrios e violações de direitos humanos praticados contra docentes, alunos e funcionários da Unicamp durante a ditadura militar levou o reitor José Tadeu Jorge a assinar portaria instituindo a Comissão da Verdade e Memória Octavio Ianni, que iniciou seus trabalhos em outubro de 2013, com previsão de concluí-los em um ano. A presidência é da professora Maria Lygia Quartim de Moraes (IFCH), tendo como membros titulares seus colegas Ângela Maria Carneiro (IFCH), Yaro Burian Júnior (FEEC) e Wilson Cano (IE), e o advogado Eduardo Garcia de Lima.
“A Unicamp tem um papel misto, pois ao mesmo tempo em que houve perseguição e repressão contra pessoas da sua comunidade, também foi uma Universidade de acolhimento, como dos cinco estudantes do ITA”, observa Maria Lygia Quartim de Moraes. “Não houve casos de mortes e desaparecidos, mas sim de presos e torturados, sendo que muitos foram depois para a vida civil e não tivemos mais notícias. O primeiro trabalho foi levantar nomes e localizá-los através de um contato que leva a outro – tem sido uma bola de neve.”
A docente da Unicamp explica que todas as comissões universitárias estão relacionadas entre si e também com a Comissão Estadual e a Comissão Nacional da Verdade. “A grande vantagem deste acordo é que há casos como da USP, por exemplo, em que seria fundamental convocar funcionários que na verdade eram agentes da repressão – as comissões universitárias não têm esse poder, mas a Comissão Nacional, sim. Tem sido um esforço muito bonito, com todas as comissões trabalhando juntas. Um aspecto importantíssimo é que as universidades, além desta transmissão da memória, podem estimular a pesquisa por parte de um grupo cada vez maior de estudantes interessados na questão.”
Nesta primeira audiência pública, destacou-se a presença do jornalista Ivan Seixas, coordenador da Comissão da Verdade Rubens Paiva, da Assembleia Legislativa de São Paulo. Ele foi preso em 1971, aos 16 anos, na companhia do pai, o metalúrgico Joaquim Alencar de Seixas, que acabou assassinado por torturas na Oban (Operação Bandeirantes). “Por conta de muitas bobagens escritas, pensou-se que a luta contra a ditadura foi feita por estudantes, da classe média, brancos. Mas o perfil dos mortos e desaparecidos aponta que pouco mais de 20% eram estudantes e mais de 50%, trabalhadores de todos os segmentos (operários, comerciantes, médicos, advogados); e mais de 20% de militares que também se empenharam na luta. Os estudantes eram parte da história.”
Ressaltando que falava com base em documentos aos quais se teve acesso após a abertura dos arquivos dos órgãos de segurança, e não em interpretações, Ivan Seixas observou que a visão que se tem repressão é a mais aparente: a tortura, os mortos, os desaparecidos e os torturadores. “O fato é que tivemos no Brasil a atuação de um serviço de repressão absolutamente completo, uma ampla rede que se estendia a todos os cantos da sociedade. Ao mesmo tempo, a ideia que se faz do DOI-Codi é de uma entidade única, restrita às ruas Tutoia em São Paulo e Barão de Mesquita no Rio de Janeiro, quando a rede de repressão era muito maior, monumental.”
Seixas lembra que dentro de universidades, empresas estatais e autarquias havia redes de espiões, as Divisões de Segurança e Informação (DSIs), ligadas aos ministros das pastas respectivas como Educação, Trabalho, Indústria e Comércio, Minas e Energia. “Essas redes de espiões se reportavam às AESIs (Assessoria Especial de Segurança e Informação), e todos se reportavam a um único órgão central, o SNI [Serviço Nacional de Informações]. Durante anos pensamos que o órgão máximo de repressão era o Estado Maior das Forças Armadas. Agora vemos que o Estado Maior, na verdade, se reportava ao SNI, encarregado de parte importante do planejamento da repressão, que por sua vez se reportava apenas ao ditador, o presidente.”
O que Ivan Seixas procurou mostrar é que os “porões da ditadura”, que tanto fizeram parte do nosso imaginário, não existiram. “Não havia nada escondido, que fugisse ao controle da ditadura. O ditador sabia o que acontecia e determinava com o seu staff o que a repressão deveria fazer. Exatamente hoje [dia 20], o jornal O Dia, do Rio, publicou uma entrevista com o coronel Paulo Malhães, do Centro de Informações do Exército (CIE). Ele conta que o corpo do deputado Rubens Paiva foi enterrado no Alto da Boa Vista e depois retirado, devido ao risco de ficar exposto pela obra de uma avenida, para ser escondido sob a areia da praia do Recreio dos Bandeirantes. Até que o Ministério do Exército ordenou que se livrassem do corpo para nunca mais ser encontrado. Coube a Malhães, com uma equipe de vinte soldados, localizar a ossada, que seria colocada dentro de uma lona jogada em alto mar. Ou seja, não havia ‘porões da ditadura’, havia uma grande rede com um comando central.”