Potencial do pré-sal depende
de êxito das políticas públicas
05/06/2014 - 15:28
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A exploração de petróleo e gás da camada de pré-sal pode impulsionar um avanço ímpar no desenvolvimento do Brasil se devidamente conduzida por políticas públicas. Entretanto, todo esse potencial pode estar ameaçado por decisões equivocadas de gestores públicos, o que levaria ao esgotamento das riquezas em algumas décadas sem a consolidação de retornos para a população na forma de investimentos em infraestrutura, inovação tecnológica e educação. Esse foi o tom dos debates do Fórum Desafios do Pré-Sal: Riscos e Oportunidades para o País, realizado no dia 4 de junho na Unicamp.
Durante o evento realizado no Centro de Convenções da Unicamp, geólogos, engenheiros, economistas e especialistas da área ambiental discutiram as implicações da descoberta de grandes reservatórios de óleo na costa entre os Estados de Santa Catarina e Espírito Santo, anunciadas em 2007. O petróleo proveniente do pré-sal deve mais do que dobrar as reservas brasileiras, sendo que já representam cerca de 20% do que é produzido pela Petrobras.
José Alberto Bucheb, gerente geral da Universidade Petrobras, ressaltou que a produção da empresa passará dos atuais dois milhões de barris por dia para mais de quatro milhões de barris por dia em 2020. As dificuldades logísticas e tecnológicas, no entanto, são enormes, segundo Bucheb, já que os campos estão a 300 km da costa - quase o dobro da distância média para extração na Bacia de Campos - e a uma profundidade de até 7.000 metros. "Mas junto aos desafios vêm as oportunidades nas áreas industriais, principalmente de inovação tecnológica, o que já é uma realidade", disse o executivo da Petrobras, lembrando do crescimento do polo científico e tecnológico da empresa na Ilha do Fundão. O Centro de Pesquisas e Desenvolvimento da Petrobras (CENPES), na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), já conta com sete empresas e pelo menos outras quatro estão planejando se instalar.
Antonio Cláudio de França Corrêa, assessor de Planejamento Estratégico da Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA), mostrou em sua palestra que a descoberta do pré-sal foi a grande novidade entre os campos gigantes encontrados no mundo nos últimos dez anos. As estimativas de reservas provadas do pré-sal variam entre 80 e 110 bilhões de barris, segundo o geólogo Guilherme Estrella, ex-diretor de exploração da Petrobras. "O Brasil passou a integrar um grupo de nações muito pressionadas geopoliticamente. É importante que tenhamos a consciência de que, com o pré-sal, o Brasil finalmente assumiu uma postura não mais de coadjuvante na cena geopolítica mundial, mas de protagonista", opinou Estrella, reconhecido como um dos "pais do pré-sal" por ter coordenado a equipe que descobriu as reservas.
Estrella lembrou o economista Luiz Gonzaga Belluzzo ao afirmar que o Brasil não discute estratégia, baseando decisões sempre no tripé econômico, formado por inflação, câmbio e responsabilidade fiscal. "Temos mania de misturar estratégia com economia. Ela é importante, mas a estratégia nacional tem que se libertar um pouco disso." Estrella defende a necessidade de o Brasil ter um plano estratégico de segurança energética, com uma perspectiva de 50 anos. "Libra [primeiro campo leiloado do pré-sal, em 2013] foi leiloado com base no tripé econômico. Isso tudo foi uma decisão de governo, que seguiu a nova lei do petróleo, mas poderia ter sido mais discutido".
O professor Adílson de Oliveira, da UFRJ, classificou a descoberta do pré-sal como "oportunidade histórica" para mudar o país, mas considerou que há desafios, não somente tecnológicos, que trazem riscos ainda não seguramente mensurados. "O pré-sal é um imenso laboratório de inovações tecnológicas na área de offshore global. Tudo que será desenvolvido aqui - e já existe pioneirismo da Petrobras em offshore -, será utilizado em outras regiões do mundo. Temos que sedimentar isso com empresas brasileiras e com capacitação tecnológica brasileira", defendeu Oliveira, acrescentando que a cláusula de pesquisa e desenvolvimento (P&D) prevista em lei garante recursos volumosos de investimento.
Esses desafios exigem decisões importantes, que compreendem a continuidade da atual trajetória tecnológica em petróleo e gás ou a sua ruptura, apontou o docente da UFRJ. Com uma logística complicada de exploração, reservatórios com condições geológicas complexas e necessidade de produção no fundo do mar, serão exigidos pesados investimentos em inovação, que incluem naturalmente alto risco, segundo Oliveira.
"Apesar de querermos criar essa capacitação nacional, nosso parque industrial é extremamente frágil e não é competitivo. Temos gargalos enormes na capacidade produtiva, faltam insumos e quadros técnicos." Para ele, o país necessita de uma política industrial articulada para o pré-sal, que integre os ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). "Não existe nenhuma articulação clara entre esses agentes."
Rodrigo Bacellar, superintendente de Insumos Básicos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), indicou que a Coreia do Sul e a Noruega foram os países cujas políticas públicas industriais para o setor de óleo e gás obtiveram maior êxito. Na outra ponta, México, Reino Unido e Indonésia registram resultados mais modestos no estímulo ao setor. Segundo Bacellar, o BNDES calcula que, entre 2014 e 2017, o setor de petróleo e gás receberá um investimento de R$ 488 bilhões, 45% do total da indústria nacional.
Considerando a opção de manutenção da matriz energética baseada em hidrocarbonetos, há que se discutir a gestão democrática dos recursos do pré-sal, calculando-se os impactos socioambientais, afirmou a bióloga Ingrid Furlan Oberg, ex-chefe do Escritório Regional do Ibama em Santos. "Não podemos pensar só no capital econômico, mas também no capital natural e no capital social, temos que contrabalancear esses três pontos. O desafio é fazer com que esse potencial econômico se transforme também em potencial natural e social". Durante o evento, o advogado Paulo Romeiro, do Instituto Pólis, enumerou uma série de impactos provocados pelo crescimento econômico no litoral paulista nas últimas décadas, que podem ser amplificados com a exploração do pré-sal.
Também participaram do Fórum Desafios do Pré-Sal os economistas Fernando Sarti, do Instituto de Economia da Unicamp, que discutiu como o Brasil pode se tornar uma referência em petróleo em águas profundas, e Rodrigo Serra, especialista em Regulação da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), que abordou a questão dos royalties. O evento, realizado pelo Fórum Pensamento Estratégico (PENSES) e pela Pós-Graduação do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp, contou ainda com a presença do coordenador geral da Unicamp, Alvaro Crósta, do coordenador geral do PENSES, Julio Cesar Hadler Neto, do diretor associado do IG, Lindon Fonseca Matias, e da coordenadora geral da Pós-Graduação do IG, Maria Beatriz Bonacelli.