Fórum defende efetividade das
ações afirmativas na universidade

14/11/2014 - 13:07

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Julio Cesar Hadler Neto, coordenador do Penses

Julio Cesar Hadler Neto, coordenador do Penses

Edmundo Capelas de Oliveira, coordenador executivo da Comvest

Edmundo Capelas de Oliveira, coordenador executivo da Comvest

Lucilene Reginaldo, professora do IFCH

Lucilene Reginaldo, professora do IFCH

Wilmar Rocha D'Angelis, professor do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp

Wilmar Rocha D'Angelis, professor do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp

Laura Sterian Ward, assessora da Pró-Reitoria de Graduação da Unicamp

Laura Sterian Ward, assessora da Pró-Reitoria de Graduação da Unicamp

Ângela Soligo, professora da Faculdade de Educação da Unicamp

Ângela Soligo, professora da Faculdade de Educação da Unicamp

Patrícia Teixeira Santos, professora da Unifesp

Patrícia Teixeira Santos, professora da Unifesp

Petronilha Gonçalves e Silva, professora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

Petronilha Gonçalves e Silva, professora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

Luciano Ariabo, graduando do Curso de Letras da UFSCar

Luciano Ariabo, graduando do Curso de Letras da UFSCar

Luiz Felipe de Alencastro, professor da Fundação Getúlio Vargas

Luiz Felipe de Alencastro, professor da Fundação Getúlio Vargas

Participantes do fórum

Participantes do fórum

Mesa de abertura: Julio Cesar Hadler Neto, do Penses; Lucilene Reginaldo, professora do IFCH, e Edmundo Capela (Comvest)

Mesa de abertura: Julio Cesar Hadler Neto, do Penses; Lucilene Reginaldo, professora do IFCH, e Edmundo Capela (Comvest)

"A discriminação dos negros e os mecanismos criados durante a escravidão, e logo depois, deformaram tanto a sociedade brasileira que a correção dessa discriminação beneficia a sociedade brasileira inteira". A frase do historiador e cientista político Luiz Felipe de Alencastro embasou sua defesa das cotas étnico-raciais na universidade durante a palestra de encerramento do Fórum Inclusão e Diversidade, realizado no dia 13 de novembro no Centro de Convenções da Unicamp.

Alencastro, que é professor da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, foi convidado em 2010 a dar um parecer sobre as ações afirmativas durante o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que decidiu, dois anos depois, pela constitucionalidade das cotas. Segundo o historiador, a questão não se limita pela "simples lógica indenizatória, destinada a quitar dívidas da história e a garantir direitos usurpados", pois a garantia constitucional das políticas afirmativas contribui para o "aperfeiçoamento da democracia". No mesmo ano de 2012, a lei nº 12.711 uniformizou os programas de acesso e inclusão criados desde 2004 em instituições federais de ensino superior.

As ações afirmativas são consideradas, na maioria das vezes, uma "concessão" aos grupos sub-representados na academia, sejam negros, indígenas ou "empobrecidos" pelas estruturas sociais. Entretanto, para a professora Petronilha Gonçalves e Silva, doutora em educação e docente da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), a "ação afirmativa é uma garantia de direito", e não uma "concessão". "Um dos entraves para a implantação da política de cotas e para o não cumprimento do Estatuto de Igualdade Racial é esse projeto de sociedade que se fortalece mantendo as desigualdades", declarou Petronilha, ressaltando a falta de espaço de afrodescendentes nos espaços de decisão das universidades.

Para a docente da UFSCar - que foi relatora de um parecer sobre as diretrizes curriculares nacionais das relações étnico-raciais no Conselho Nacional de Educação, onde atuou entre 2002 e 2006 -, um grupo sozinho não pode ter a prerrogativa de decidir o que é melhor para todos no ambiente acadêmico, sendo necessário alcançar o conceito de "pluriversidade" do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos. Durante sua palestra, que abriu o evento, ela defendeu um projeto em que a universidade "reconstrua seus alicerces e seus fundamentos com equidade, diversidade, inclusão e justiça social" para que todos os grupos possam participar coletivamente da vida acadêmica, em pé de igualdade. "É uma luta constante e firme para nós negros, que estamos aqui na universidade, para não deixarmos de ser aquilo que nós somos."

Os reflexos da escravidão no Brasil - que recebeu 43% do tráfico negreiro mundial ou 4,8 milhões de africanos, segundo Alencastro -, ainda são visíveis na organização da sociedade atual. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010 apontam que os brancos representam 73% das pessoas com ensino superior completo no país, enquanto pretos e pardos somam menos de 25%. Durante a mesa "Ações afirmativas para o acesso e a permanência na universidade", a psicóloga Ângela Soligo, docente na Faculdade de Educação da Unicamp, abordou a política de cotas no país e o racismo. Ela destacou que a "questão racial não é uma questão dos negros", mas de toda a sociedade brasileira. "Nós, aqueles que se identificam como brancos, nos favorecemos do racismo e nos limitamos por viver em uma cultura racista", concluiu.

Ângela Soligo criticou o chamado "mito do baixo rendimento" dos cotistas; segundo ela, uma crença ideológica de que alunos beneficiados por ações afirmativas não iriam acompanhar o rendimento dos não cotistas. Entretanto, afirma a psicóloga, dez anos depois que as primeiras ações foram adotadas no Brasil, os dados mostram que isso não ocorre, já que o rendimento desse alunos é compatível com os demais da universidade. Segundo ela, enfrentar a questão das cotas vai além das questões formais, já que é preciso enfrentar os preconceitos dentro das instituições.

O graduando do Curso de Letras da UFSCar Luciano Ariabo, estudante originário da tribo Umutina, destacou a importância de os alunos indígenas trazerem para o ambiente acadêmico sua vivência e suas culturas como forma de enriquecer o convívio e consolidar a presença desses grupos em um espaço de produção de conhecimento em que outrora eram ignorados. Sobre os índices de evasão de indígenas, Ariabo apontou que muitos alunos desistem porque a universidade acaba por negligenciar esses estudantes. Para ele, essa desistência poderia ser considerada também como um tipo de expulsão. "Esse conceito de inclusão contrapõe o conceito de diversidade. Para os representantes indígenas, ingressar na universidade, na maioria das vezes, é para acrescentar, mas parece que o termo inclusão dá a ideia de que nós vamos deixar distanciada nossa originalidade de visão de mundo e sermos incluídos em um espaço que foi construído, para aceitarmos uma ideia", disse Ariabo.

Nos últimos dez anos, diferentes iniciativas foram adotadas no contexto das políticas de ações afirmativas nas três universidades públicas paulistas, seja para atender às demandas criadas dentro e fora das instituições, seja para oferecer alternativas às medidas adotadas em âmbito federal. A primeira delas foi o Programa de Ação Afirmativa e Inclusão Social (PAAIS), instituído pela Unicamp em 2004, que prevê uma bonificação nas notas do vestibular. A professora Laura Sterian Ward, assessora da Pró-Reitoria de Graduação e da Vice-Reitoria Executiva de Relações Internacionais (VRERI) da Unicamp, avalia que o impacto do programa tem sido positivo, mas não é equânime em todos os cursos. Além de contar com Programa de Formação Interdisciplinar Superior (ProFIS) - voltado  para a inserção dos estudantes que cursaram o ensino médio em escolas públicas de Campinas -, a Unicamp também está discutindo a questão da reserva de vagas étnico-raciais e sociais e deve apresentar em breve uma proposta ao Conselho Universitário, destacou Laura Ward, que é docente da Faculdade de Ciências Médicas (FCM).

A historiadora Maria Helena Machado, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP), discutiu sobre a resistência da mais antiga das instituições estaduais paulistas de ensino superior à adoção de cotas raciais ou para alunos de escolas públicas. “Apesar da resistência, as mudanças têm sido feitas, e os dados timidamente mostram isso, sobretudo porque a mentalidade de grande parte das escolas vai se transformando”, disse a historiadora.

Apesar do Programa de Inclusão Social da USP (INCLUSP), sistema de bônus que incide sobre a segunda fase do vestibular, há ainda uma grande disparidade na presença entre os pretos, pardos ou indígenas (PPI) em comparação com brancos e asiáticos, dependendo do curso, explicou Maria Helena, citando alguns com baixa representatividade dessa categoria, como engenharias e medicina. “Embora o bônus do INCLUSP tenha aumentado o ingresso de alunos de escola pública na USP, a representação demográfica da população não ocorre. E o mínimo de alunos PPIs que ingressavam era de escola privada, portanto, de classe média”, destacou, com base em números de 2012, concluindo que há uma necessidade de se rediscutir a política.

O Fórum Inclusão e Diversidade foi organizado por professores do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) e do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp e pelo Fórum Pensamento Estratégico (Penses), espaço acadêmico vinculado ao Gabinete do Reitor responsável por promover discussões que contribuam para a formulação de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento da sociedade em todos os seus aspectos.