Pais
enlutados
recebem
apoio de grupo
do Caism

17/11/2014 - 09:45

Os pais se preparam para receber em casa um bebê. Existe uma grande expectativa em torno desse evento. O berço o aguarda, as roupinhas estão lavadas, a decoração do quarto está pronta. Tudo está no devido lugar. A mãe faz os últimos acertos em casa e segue para o hospital. O parto foi bem. Nasce uma menina. Mas em poucas horas, os pais ficam sabendo que ela é portadora de uma suposta síndrome. Doze dias depois, acontece a morte do bebê. Apesar da dor dos pais, que viveram a incerteza entre dias de melhora e de piora, eles precisam lidar com a perda, até mesmo para prosseguir. 

Esse depoimento reflete um caso da vida real que aconteceu há três meses no Hospital da Mulher "Prof. Dr. José A. Pinotti" – Caism da Unicamp. Jussara Araújo da Silva, 30 anos, e Vanilton Araújo, 27 anos, perderam a filha em agosto último e nesta quinta-feira (13) participaram de uma iniciativa pioneira que está se firmando como modelo no país: o Grupo de Pais Enlutados. O encontro acontece na primeira quinta-feira do mês, em uma das salas da Área de Neonatologia do Caism.

Hoje, graças à resolutividade dos resultados e à atuação do grupo, uma mãe, que perdeu seu filho em outra instituição, está solicitando à justiça uma lei para que as maternidades brasileiras “cuidem” dos pais que passaram por semelhante experiência de luto. A ação está sendo sua bandeira e um abaixo-assinado está sendo divulgado entre pais e profissionais da saúde com vistas a multiplicar as adesões. “Mais importante é que esse assunto entre na pauta das discussões de hospitais que possuem maternidade para que de fato os pais tenham esse tipo de acolhimento”, opina a neonatologista Jussara de Lima e Souza. Responsável pelo Grupo de Pais Enlutados do Caism, a médica atua em sintonia com uma equipe multidisciplinar formada também por residentes, assistentes sociais, psicólogos, enfermeiros e fisioterapeutas.

A assistente social Yolanda Freston, uma incentivadora do grupo, nas primeiras horas do dia da reunião fazia um bolo e juntava algumas rosas colhidas do seu jardim para oferecer aos pais. "É muito gostoso fazer um carinho nesse momento", ressalta. Yolanda conta que os pais são recebidos com um aconchegante café da manhã. “O objetivo é ajudar a diminuir a dor da perda e interferir positivamente no significado de não ter mais o filho. Não é pelo fato de ter morrido ainda bebê que essa criança não deixou vínculos. Por isso procuramos encorajar os pais, para que eles saiam da reunião inclusive com uma expectativa de futuro.”  

Para a mãe Jussara, que tem o mesmo nome da médica do grupo, o momento mais crucial após o nascimento foi saber que a filha tinha nascido com a Síndrome de Edwards, de origem genética, resultante da trissomia do cromossomo 18. Ela já tinha notado que as coisas não caminhavam bem. Chegou um ponto que pedia a Deus que não deixasse mais a menina sofrer. Veio a morte e “a culpa de ter feito esse pedido”. Para o pai, ter sido privado do contato pessoal com a criança, embora não sendo proibitivo, foi o que mais o entristeceu. “Queria ter podido aconchegar o bebê no meu colo. Só que o quadro era crítico e exigia cuidados. Então o contato foi mínimo”, revela.

Pai e mãe vivenciaram juntos os mesmos sentimentos e comentaram que, mesmo com todos os obstáculos, saíram mais fortalecidos ainda. E, agora, já não é mais inimaginável pensar na ideia de ter outro filho. "Mas não antes de passar por um aconselhamento genético", garante a mãe. A consulta inclusive já tem data marcada.

“O encontro com o grupo foi esclarecedor. Estávamos sem coragem de vir até aqui, retornando ao local onde tudo aconteceu. Não sabíamos ao certo o que de fato tinha ocorrido. Entretanto, depois desse encontro, vejo que tiramos um peso dos nossos ombros. É que constatamos que não podíamos fazer nada para mudar a situação”, admite o pai.


Dinâmica

No Grupo de Pais Enlutados, eles vivenciam uma conversa franca sobre como foi a evolução da gravidez e o que houve no processo, discutem os riscos futuros, as doenças que ocorrem e que podem ocorrer, entre elas a hipertensão, uma das principais causas de morte materna no Brasil. A reunião começa com uma intervenção dos pais, uma dúvida, um esclarecimento, um desabafo, suas ansiedades, medos, tristezas, queixas. “O mais comum é que nesse momento eles ainda sintam muita culpa”, salienta a neonatologista. “Muitos deles culpam-se a si mesmos, uns culpam os médicos, outros os profissionais da saúde e outros, ainda, outras pessoas. Certos pais chegam a pedir a separação, porque não conseguem dar conta das suas emoções.”

A médica relata que nem sempre os pais são capazes de iniciar o bate-papo e que então a equipe questiona se eles sabem o que realmente aconteceu com o bebê. “É que essas inquietações, quando não tratadas, tendem a se tornarem crônicas, com os pais arrastando suas dúvidas pelo resto de suas vidas. Eles têm muita dificuldade de relembrar justamente para não darem existência ao desfecho da morte. Alguns casos têm indicação de tratamento psicológico ou são encaminhamos para orientação genética.”

Segundo a médica, as causas mais prevalentes do óbito são a prematuridade e as malformações fetais. Essas situações, esclarece, podem ser até certo ponto evitáveis, quando na vigência de um seguimento periódico e de um pré-natal cuidadoso. Mas a médica reconhece que o ideal, em termos de um sistema de saúde, nem sempre se concretiza. “Muitas mulheres frequentam o pré-natal num serviço possível, não no almejado”, informa.

De acordo com a neonatologista, há 11 anos, surgia o Grupo de Pais Enlutados, quando o assunto sequer era cogitado no país. Nasceu dentro de um outro grupo – o de Cuidados Paliativos do Caism, um hospital-referência no atendimento de nível terciário (de maior complexidade). Como os profissionais da saúde lidavam com muitas situações de perda e tinham dificuldade de fazer essa abordagem, procuraram Elisa Perina, psicóloga em oncologia pediátrica do Centro Dr. Domingos Boldrini, já que o Centro Boldrini também trabalha de rotina com crianças.

Formou-se, em primeiro lugar, um grupo de estudos na Área de Neonatologia para aprimorar esse atendimento aos pais. Esse foi o prenúncio para instituir em 2003 o Grupo de Pais Enlutados. “Nunca tivemos reflexões na época da faculdade para atender os pais e os pacientes, e como comunicar notícias difíceis. Isso não envolve somente a perda. Em nossa profissão, temos que comunicar ao doente que a sua doença é incurável, que estão acontecendo complicações no percurso da atenção à sua saúde, que o hospital não tem vaga ou que vamos recebê-los ainda que não haja vaga alguma, pelo risco que o seu caso oferece”, descreve a médica. "Trabalhar com a perda é como fazer um curativo de uma ferida. É dolorido, mas certamente ajuda a curá-la mais rapidamente", enfatiza.