Conexão Cultural na FCA: grupo indígena traz cantos, danças e roda de conversa à Faculdade
Grupo indígena Sabuká Kariri-Xocó em apresentação na Faculdade, promovida pelo projeto Conexão Cultural |
"Quando olho pra vocês, tenho até pena. Vocês tem uma vida de escravo. Entram muito cedo na vida do burro: é só trabalho, trabalho, trabalho. Estão aqui estudando na faculdade pra depois ter essa vida dura, esse massacre. Parece que vocês só estudam pra trabalhar, desde pequeno. Vocês sofrem e nós também. Vocês sofrem mas pelo menos vocês moram como gostam, comem a comida que estão acostumados, vivem no lugar onde nasceram, mas a gente não. A gente não consegue nem isso mais". Esta afirmação, feita por Pawanan Crody, líder do grupo indígena Sabuká Kariri-Xocó, durante apresentação cultural na Faculdade nesta semana, é um "tapa com luva de pelica": surpreende, causa estranheza, espanta e, por isso mesmo, faz pensar.
Fazer pensar é o objetivo do projeto Conexão Cultural, que promoveu o evento e faz parte do programa Campus Tranquilo - Universidade Viva. Segundo Malu Arruda, funcionária da Universidade e responsável pela iniciativa, a ideia é favorecer o convívio entre as pessoas através de ações que fomentem a arte, a cultura e, além disso, impulsionem ou favoreçam momentos de discussões importantes para a sociedade, como, por exemplo, a questão da demarcação das terras indígenas ou da necessidade de criação de ciclovias nas cidades.
O grupo indígena pertence a tribo Kariri-Xocó,localizada na região do baixo São Francisco, no município alagoano de Porto Real do Colégio. Eles vieram à FCA para realizar uma apresentação cultural de danças e músicas de sua tradição e proporcionar um momento de conversas e trocas com todos aqueles que acompanhavam o evento – alunos, professores, funcionários e demais interessados que vieram à faculdade.
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Durante o evento foram expostos também vários objetos e artesanatos confecionados pelo grupo |
Um dos expectadores, o aluno Rafael Thomaz de Aquino, 21 anos, estudante de Engenharia de Manufatura, se surpreendeu positivamente com a oportunidade de entrar em contato, pela primeira vez na vida, com a cultura indígena. "Achei interessante o que ele disse sobre muita gente teruma ideia errada do que é ser índio no Brasil de hoje. Quando vão falar do índio batem com a mão na boca e fazem um barulho, mas na verdade não é isso", observou.
Durante a roda de conversa, após a apresentação das torés (cantos e danças indígenas), Pawanan disse aos presentes que as escolas ensinam um conhecimento sobre a cultura indígena que está 500 anos atrasado. "A realidade do nosso presente, aquela que o índio brasileiro está vivendo hoje, não tem nada a ver com aquela que é apresentada nos livros. Nas escolas se ensina ainda que o indígena brasileiro vive de caça e pesca, mas não é mais isto que acontece. Nós ainda plantamos, pescamos e caçamos, pois gostamos muito destas atividades e elas fazem parte da nossa cultura. Mas, infelizmente, nós não conseguimos mais viver da nossa caça, da nossa pesca e nem mesmo manter nossa forma tradicional de morar. A minha aldeia, com 3 mil índios, não consegue mais fazer suas casas de acordo com a nossa cultura – temos que fazer casas de alvenaria porque não há mais a matéria-prima para fazer a cobertura de palha de junco ou arroz, como era feito tradicionalmente", explicou o cacique do grupo Sabuká.
Ele ainda contou que quando era criança e dizia a seu avô que queria comer um certo tipo de peixe, era bem rápido e fácil conseguir pescar – diferente do que ocorre atualmente. "Ele voltava rapidinho do rio, com tucunaré, camarão, tilápia, o que fosse. Hoje eu levo quase um dia inteiro pra pescar um kilo de peixe pra minha família". Os alunos ouviam atentamente, faziam perguntas e alguns até mesmo pegaram os contatos do grupo para programar futuras visitas à aldeia.
Pawanan fez questão de explicar que os índios não querem ser donos de todas as terras do Brasil. "Não é isso que queremos. Nós só queremos ter direito à terra que é nossa – no caso da minha tribo, estamos lutando para ter de volta os 5 mil hectares que nos pertencem por direito. Atualmente temos somente 600 hectares, para 600 famílias viverem. É possível isso? Não é. O índio precisa da terra pra morar, pra viver, pra plantar, pra criar os animais, pra ter a mata – é ela que nos dá a medicina, a matéria-prima pra construírmos nossas casas. Hoje temos somente 100 hectares de mata para mais de 3 mil membros da tribo".
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Aluno da Faculdade se arrisca na flauta confeccionada artesanalmente pelos Kariri-Xocó |