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Joyce
e as memórias de sua infância com Lobato
A neta do escritor venerava o homem aventureiro e
divertido, mas revela
que ele não era um avô do tipo afetuoso, apesar
de escrever para crianças: Nunca me pôs no colo
TATIANA
FÁVARO
Cncravada
numa estrada vicinal da Rodovia Anhangüera, em Americana,
a chácara de Joyce Campos, neta de Monteiro Lobato, em
nada se parece com o Sítio do Picapau Amarelo. Cães
ferozes latem no portão, mas a casa é envolta em
calmaria, sem a algazarra de crianças. Ali é um
lugar real, não há fantasia. E Joyce, apesar dos
71 anos de idade, do amor incondicional ao neto, do cuidado com
a natureza e dos cabelos brancos, tampouco lembra
Dona Benta.
De estilo
mais moderno que o da personagem famosa, Joyce veste bata branca
e calça da mesma cor, em tecido leve de algodão.
Nos pés, tênis floridos. E, no semblante, olhos atentos
e um sorriso que não se apaga. De criança reinadeira
a avó dedicada, sempre carregou o peso de um sobrenome
que sequer está no papel. Exigiam que a neta de Lobato
fosse a melhor, e isso é muito cansativo, reclama.
É uma das profissões mais difíceis
do mundo: ser parente dele. Ofício que ela compartilha
com o marido, Jerzy Kornbluh que prefere ser chamado de
Jorge e hoje administra o patrimônio deixado
pelo escritor à família, inclusive os direitos autorais
sobre suas obras.
Assim como
sua chácara não é o Sítio do
Picapau Amarelo, Joyce não é personagem do
legado lobatiano.
Sua relação
com o avô não se deu como a maioria das pessoas imagina.
Além de viajar muito, como durante a campanha do petróleo,
Lobato não era do tipo afetuoso.
Nunca
me pôs no colo. A falta de um avô que a embalasse,
contudo, não impediu Joyce de respeitar e venerar a figura
de um homem aventureiro e divertido. Só tive noção
da dimensão da obra dele depois de sua morte.
A gente
admira o avô porque é avô, não porque
é Monteiro Lobato, argumenta. Lembra-se do escritor
como um sujeito que não se abalava e cuja teoria era simples:
Remédio pra tudo, é chapéu, dizia
ele, quando, diante de um problema, protegia a cabeça do
sol e saía para caminhar e pensar na vida.
Joyce,
ao lado de Jorge, mostrou para o Jornal da Unicamp um pouco mais
sobre o Lobato escritor, fotógrafo, pintor e eterno amante
do progresso. Sob o olhar serelepe da senhora, que quando menina
entrava naqueles caixotes de madeira onde eram guardados os livros
do avô, a cada mudança de residência, a cada
viagem. Ao invés da sala de estar de Dona Benta, a entrevista
ocorreu em uma varanda cheia de gaiolas de tamanhos diversos,
com aves coloridas, mas feitas de durepox ou madeira.
Sempre gostei de gaiolas, mas só como enfeite. Os
passarinhos devem viver fora delas. A simpatia de Joyce
e suas histórias contadas sem pressa iluminaram de fantasia
a manhã de domingo.
Ao som
de passarinhos, sim, que cantavam do lado de fora da casa, longe
das gaiolas, como ela gosta.
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Jornal da
Unicamp O que levou a família a doar o acervo
pessoal de Lobato?
Jerzy (Jorge)
Kornbluh Um dia, a professora Marisa Lajolo (da Unicamp)
apareceu em casa porque precisava consultar o arquivo que Dona Purezinha
tinha preservado. Pusemos a papelada à disposição
e, quando ela terminou a consulta, disse: Isso é um
tesouro. Vocês deveriam preservá-lo. Como nossa
filha mora nos Estados Unidos teve o mau gosto de se casar
com um gringo (sorri com ironia) , nós achamos que
não seria má idéia. Resolvemos fazer a doação
para a Unicamp depois de uma visita ao Cedae, com o período
probatório de cinco anos para que a Universidade demonstre
com fatos o cumprimento do que está escrito em contrato.
O material estava em nossa casa, em São Paulo. Dona Purezinha
morreu em 1958 e a papelada ficou com sua filha mais nova, Ruth
Monteiro Lobato, que faleceu em 1972. Daí passou para dona
Marta (Lobato Campos), minha sogra, a melhor sogra do mundo, porque
tinha maravilhoso senso de humor.
Joyce Campos
Dona Purezinha teve um cuidado que nem minha tia Ruth, nem
minha mãe e nem eu tivemos, quando herdamos tudo isso. Com
a morte de meu pai, herdei toda a papelada dele, de minha tia e
da minha mãe. Era muita coisa. Realmente, eu enfiei num lugar,
fechei a porta e nunca mais olhei. Essa é a verdade. Fora
isso, existe toda a mobília que foi do Visconde de Tremembé
(avô do meu avô), que também vai para a Unicamp
após a nossa morte. Não quero deixar para minha filha
ou outro herdeiro, pois eles não estão afinados com
nossa idéia de que isso não é para ser vendido.
Era a mobília da Fazenda Buquira, que acompanhou Monteiro
Lobato depois da morte do Visconde.
JU
A senhora ficou com parte do acervo?
Joyce Fiquei com seis aquarelas, que me lembram coisas.
A de uma torre da igreja de Campos do Jordão, outra que mostra
um urubu secando as asas em cima de um telhado. Esta ficou comigo
porque houve um episódio em São José dos Campos
com meu avô, que me marcou. Fomos ao mercado e ele me comprou
uma fieira de lambaris aquela armação de bambu,
redonda, onde os peixes ficam espetados. Ele amarrou uma cordinha
e eu vim puxando pela terra, como se fosse um carrinho. Nisso fui
atacada por um bando de urubus, que queriam meus peixinhos. Meu
avô morria de rir, foi realmente uma cena muito engraçada.
Os urubus tentavam voar, puxavam de um lado e eu do outro. E não
é que eles ganharam? Foi o maior escândalo. Chorei,
chorei e ganhei um pedaço de rapadura para chupar. Fiquei
também com alguns álbuns e espero que, até
a minha morte, um dos herdeiros se interesse em ficar com eles.
Até agora, ninguém foi ver.
JU
No acervo doado à Unicamp, há uma foto em que Lobato
está na Graded School, em São Paulo, numa apresentação
da montagem do Sítio do Picapau Amarelo, onde
a senhora é a Tia Nastácia. Quando foi isso?
Joyce
É imperdoável, mas eu nasci nos EUA (risos),
quando meu avô estava como adido comercial em Nova York. Meus
pais se conheceram e se casaram lá e não pretendiam
voltar ao Brasil. Mas, por conta da Revolução de 32,
resolveram voltar. Eu tinha dez meses. Meu pai (Jurandir Ubirajara
Campos) ainda queria retornar aos EUA. Começou a segunda
guerra, ficamos e, nesse tempo, estudei numa escola americana em
São Paulo. Em 1941 saí e fui para o Mackenzie, onde
me formei arquiteta. No último ano na American Graded School,
encenamos uma peça. Eu tinha uma professora de português,
dona Olga, que era fã de Monteiro Lobato e descobriu que
eu era neta dele. Resolveu ensaiar uma peça na qual fui obrigada
a fazer o papel de Tia Anastácia, porque já era maiorzinha
que as outras crianças. Os desenhos, os figurinos, foram
todos desenhados por mim. E convidaram meu avô para assistir.
Continua...
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