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A
aparição do Saci
Crítico da europeização da cultura
brasileira, Lobato compôs o negrinho
perneta e endiabrado a partir de pesquisa popular
JOÃO
MAURÍCIO DA ROSA
Em 28 de janeiro
de 1917, o jornal O Estado de São Paulo a-nunciou, na primeira
página, que estava iniciando uma pesquisa. Sobre o
futuro do presidente da República? Não. Sobre o Saci,
informava o texto. A pesquisa foi idealizada pelo escritor Monteiro
Lobato, inconformado com a europeização da cultura
brasileira, o que havia comprovado em uma visita ao Jardim da Luz,
em São Paulo, onde esculturas de anões e duendes,
vestindo grossos casacos de inverno polar, ornamentavam os canteiros
de flores.
Na pesquisa,
perguntava-se aos leitores: 1) sobre a sua concepção
pessoal do Saci: como a recebeu na sua infância?; de quem
a recebeu?; que papel representou tal crendice na sua vida?, etc.;
2) qual a forma atual da crendice na zona em que reside?; 3) que
histórias e casos interessantes, passados ou ouvidos, sabe
a respeito do Saci?
Choveu cartas
no jornal, especialmente de Minas Gerais, Rio de Janeiro e do interior
de São Paulo. De comum, as cartas revelavam que o Saci era
fruto de relatos dos negros, ex-escravos empregados em fazendas
dos pais ou avós dos leitores. Habitava a zona rural, dançava
e fazia diabruras. É vivo, esperto, assobia, guincha,
pula, salta, dá gargalhadas que doem até na medula.
Gora ninhadas, queima balões, come o piruá da pipoca,
roupa espigas, quebra o pé do milho, bebe o conteúdo
dos barris de vinho ou de refresco, deixa as porteiras abertas e
fuma o pito da preta velha. Brejeiro, cheio de artifícios,
capturá-lo não é tarefa das mais fáceis.
Sua estirpe africana, enfatizada, permanece em quase todos os depoimentos,
observou Lobato.
Durante dois
meses, enquanto a Europa explodia em guerra, o Saci tornou-se uma
polêmica estrela da imprensa paulistana. No embalo da pesquisa,
o jornal promoveu um concurso voltado aos artistas plásticos
para escolher a melhor pintura do perneta. E Monteiro Lobato editou
seu primeiro livro, O Sacy Perêrê: resultado de
um inquérito, com 2 mil exemplares e 300 páginas,
acreditando que seria um best-seller.
Em carta enviada
ao amigo Godofredo Rangel, com quem se correspondeu por toda a vida,
o escritor destila sua ironia: De modo que minha estréia
literária será um livro não assinado e feito
com material dos outros. Meu Saci está pronto. Isto é,
composto. Meto-me livro a dentro a corcovear como burro bravo em
prefácio, proêmio, dedicatória, notas, epílogo:
em tudo com o maior desplante e topete deste mundo, confessou
sobre a edição.
Para que se
pagasse a impressão, o próprio Saci atuou como garoto
propaganda do chocolate Lacta Mulata, minha mulata/
ouve dizer o Saci/ chocolate como o Lacta/ nunca houve por aqui
, dos cigarros Castellões Por este abandono
eu o meu pitinho e até da máquina de
escrever Remington.
Em 1918, quando
lançava a obra, Lobato a classificou como um contraponto
à carnificina européia, referindo-se à
guerra que já durava quatro anos: Por várias
semanas alvorotastes meio mundo, oh infernal maroto, e desviastes
a nossa atenção para quadro mais ameno que o trucidar
dos povos. Bendito seja!.
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