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A
ideologia da segurança urbana
Juiz vê na chamada tolerância
zero uma repetição do que ocorreu na ditadura,
quando a sociedade ficou submissa às forças de
repressão
JOÃO
MAURÍCIO DA ROSA
A
ideologia da segurança nacional, em vigor
durante o regime militar entre 1964 e 1985, está renascendo
com uma nova roupagem: a da segurança urbana. Enquanto
a primeira, a pretexto de combater o comunismo, deu todo o poder
às Forças Armadas, a segunda, propagando o fim
da violência, está caminhando no sentido de entregar
os direitos dos cidadãos ao controle das forças
policiais de repressão, ou seja, às polícias
estaduais.
Tudo
vai sendo repetido: a lei e a ordem querendo comandar os nossos
dias. Hoje é a chamada tolerância zero,
desde que seja para a classe subalternizada, alerta o
juiz José Henrique Rodrigues Torres, do Tribunal do Júri
e diretor do Fórum de Campinas. Ele se refere à
classe dos moradores da periferia das grandes cidades, atualmente
estigmatizados como fonte de crescimento da violência,
pré-julgamento que ele vê com sérias reservas
do alto de sua experiência profissional.
Integrantes
da classe subalternizada, principalmente, acabam sendo demonizados
por esta ideologia que impõe um processo penal seletivo,
cruel e excludente. E esta guerra contra a violência acaba
elegendo a segurança urbana como um bem único,
que justifica o sacrifício de todos os demais e de todas
as garantias constitucionais, advertiu Torres durante
seu pronunciamento no simpósio Segurança
Urbana: Desafio Regional e Nacional, realizado na Unicamp
em 13 de março.
O
juiz questiona se a violência realmente cresceu ou se
ela ocupa as manchetes por ter atingido a classe dominante,
através de seqüestros e latrocínios (homicídio
seguido de roubo). A violência aumentou mesmo ou
será que o que incomoda é o deslocamento geográfico
desta violência? Enquanto estava restrita à periferia
e não nos atingia, ninguém se importava com quem
era morto ou violentado nas favelas, observa, lembrando
que, como presidente do Tribunal do Júri de Campinas,
julga cerca de 200 casos de homicídios ou tentativas
anuais, atuando também junto ao sistema penal há
mais de 20 anos.
Há
dez anos eu venho dizendo isso. É grande o número
de homicídios em Campinas nas áreas marginais,
mas a questão só se torna preocupação
quando ousa sair da periferia para atingir a classe privilegiada,
analisa. Esta preocupação, além do alarde
jornalístico, está estampada na mobilização
do Poder Legislativo. Torres lembra que a lei dos crimes hediondos
foi elaborada no Congresso Nacional quando a elite começou
a ser atingida pelos seqüestros. Uma lei que obteve
um efeito pífio, ridículo, define.
Repressão
A votação de leis repressivas é
o que leva o juiz a se preocupar com a volta das restrições
dos direitos impostas pelos militares. Há um pedido,
quase todos os dias, para o recrudescimento do sistema penal,
para o aumento das penas, pelo fim das garantias. E se fala
na adoção de pena perpétua e até
pena de morte, adverte.
As
leis repressivas, segundo Torres, já chegam ao cúmulo
de criminalizar pessoas que incitem outras a fazer vasectomia.
Há uma preocupação em se criminalizar
tudo quanto é conduta, o que pode resultar no aniquilamento
absoluto de todas as garantias constitucionais, em nome de uma
ideologia de segurança urbana.
Este
recrudescimento da repressão, à moda do militarismo
recentemente banido do Brasil, é entendido por Torres
como um paradoxo do neoliberalismo em vigor. O Estado se minimaliza
na política social e se agiganta na repressão
penal. É um Estado vigilante e onipresente, que
busca os bodes expiatórios da criminalidade e da violência,
que procura encontrar fantasmas para legitimar esta ideologia
de inimigos públicos da segurança urbana,
acusa.
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