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Obra de docente da FCM aborda consolidação
de práticas alternativas ao longo das últimas décadas

Medicina complementar é tema de livro

EDMILSON MONTALTI
Especial para o Jornal da Unicamp

O sociólogo Nelson Filice de Barros, professor da FCM: "O sincretismo entre os modelos parecia-me absolutamente aceitável" (Foto: Antoninho Perri)O sociólogo Nelson Filice de Barros acaba de lançar o livro A construção da medicina integrativa: um desafio para o campo da saúde (Hucitec). A obra é fruto de sua tese de doutorado, “Da medicina biomédica à medicina complementar: um estudo dos modelos de prática médica”, defendida na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp em 2002. O assunto chamou a atenção do autor na época em que ele ainda desenvolvia sua dissertação de mestrado, na década de 1990. Barros, que é professor do Departamento de Medicina Preventiva e Social da FCM, observou, durante sua investigação, que diversos profissionais da área da saúde trabalhavam com a alopatia e a homeopatia ao mesmo tempo.

Obra é desdobramento de tese de doutorado

“Do ponto de vista da ciência, a prática com mais de um modelo configura-se, em alguns casos, um absurdo lógico. Porém, do ponto de vista da clínica, o ‘sincretismo’ entre os modelos parecia-me absolutamente aceitável. Eu queria compreender como era possível a cura pelo contrário – por meio da halopatia – e a cura pelo semelhante – no caso da homeopatia”, explicou Nelson Filice.

Capa da publicação (Foto: Reprodução)A biomedicina – ou alopatia – é a medicina ensinada nas escolas médicas, sendo adotada oficialmente na maioria dos países ocidentais. De acordo com o sociólogo, as práticas tradicionais de cuidado e cura são muito anteriores às práticas da medicina biomédica, modelo que ganhou importância nas últimas décadas do século XIX com o advento da bacteriologia, expandindo-se nos anos 1930 e no pós-guerra com o desenvolvimento de tecnologia terapêutica e diagnóstica.

A contracultura dos anos de 1960 e 1970, marcada pelo movimento hippie e pelo feminismo, colocou as práticas da medicina alternativa na moda, entre as quais a homeopatia e a acupuntura. Esse modelo de cura começou a ganhar adeptos, opondo-se à medicina biomédica. Já no fim dos anos 1980, para que diferentes práticas pudessem coexistir no campo da saúde, foi cunhado o conceito de complementaridade, de acordo com a lógica da ciência física.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) define medicina tradicional (MT) como as diversas práticas usadas por uma determinada população a fim de tratar, diagnosticar ou prevenir doenças, por meio de plantas, animais, minerais, terapias espirituais, técnicas manuais e exercícios. No caso da medicina alternativa complementar (MAC), a OMS a define como um conjunto de práticas de cuidado à saúde que não fazem parte da tradição própria do país ou não estão integradas ao sistema de saúde predominante.

O conceito de medicina integrativa, no entanto, surgiu no fim dos anos de 1990, a partir do reconhecimento pela OMS de que 80% da população dos países em desenvolvimento utilizava práticas da medicina tradicional nos cuidados básicos de saúde. Deste universo, 85% utilizavam plantas ou preparados.

O Brasil tem ampla tradição de uso das plantas medicinais e tecnologia para validar, cientificamente, este conhecimento. Por isso, o Ministério da Saúde, acatando a uma resolução do OMS para estimular o desenvolvimento de políticas públicas com o objetivo de inserir a MAC no Sistema Único de Saúde (SUS) realizou, de 13 a 15 de maio, o “1º Seminário Internacional de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde – 20 anos de SUS – Ampliando acesso, possibilitando escolhas”.

O objetivo do seminário foi comemorar os dois anos da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no SUS e discutir aspectos relevantes relacionados aos avanços e desafios da inserção de práticas como homeopatia, acupuntura, fitoterapia, medicina antroposófica, plantas medicinais e outras práticas no atendimento de rotina dos hospitais públicos brasileiros.

Coordenador do Laboratório de Práticas Alternativas, Complementares e Integrativas em Saúde (Lapacis), Nelson Filice de Barros representou a Unicamp no encontro. Antes de embarcar para Brasília, Nelson concedeu a entrevista que segue ao Jornal da Unicamp.

Jornal da Unicamp – Quais são os principais eixos temáticos do seu livro?

Nelson Filice de Barros – Na primeira parte da obra, resgatei as bases da história da medicina no Ocidente até chegar ao modelo de prática atual. Após esta construção, tive vários encontros com um grande mestre da medicina alopática para discutir os elementos filosóficos, epistemológicos, científicos e sociológicos da prática médica. Na segunda parte, desenvolvi uma análise do movimento da contracultura dos anos de 1960, para identificar os elementos fundadores da lógica alternativa daquele contexto, que influenciou, também, a medicina.

Após este percurso na literatura, educação e comportamento, fui construindo o modelo da medicina alternativa, com as informações dos documentos e das entrevistas que realizei com um profissional que assumiu esta perspectiva para a sua prática médica. Já na terceira parte do livro, elaborei uma versão do modelo de medicina complementar a partir da vasta literatura sobre o tema e das diversas entrevistas que realizei com cinco profissionais médicos alopatas e, também, homeopatas, acupunturistas, fitoterapeutas etc.

JU – Há um choque de valores entre esses modelos? Como fica a noção de saúde-doença?

Nelson – Há conflitos de interesse e disputas. Porém, as críticas ao modelo biomédico foram tomando volume na medida em que ficavam claros, para a população, seus efeitos e limites. Algumas práticas colocavam-se como saídas possíveis. Assim, o processo de saúde-doença passa ter uma versão reducionista da ciência médica e diferentes versões holísticas, produzidas a partir do cuidado integral – biológico, psicológico, sociológico e espiritual – de diferentes modelos.

JU – Quando se deu, no Brasil, a fusão do modelo biomédico com o modelo alternativo?

Nelson – Fundamentalmente, quando se desenvolve a medicina complementar. Mas ela ainda é muito incipiente, tanto no setor público quanto no privado.

JU – O pode público incentiva esse tipo de prática médica? Se sim, de que maneira?

Nelson – Desde 1999, as consultas de homeopatia e acupuntura são pagas no âmbito do SUS, mas o grande passo foi dado em maio de 2006, quando foi criada a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS, que pretende implementar serviços de homeopatia, acupuntura, fitoterapia e termalismo em todo o SUS.

JU – Quais são os benefícios para os pacientes?

Nelson – Além de acrescentar novas ferramentas ao trabalho, incluindo a comunicação, o trabalho em equipe e maior autonomia do paciente, há melhoria na relação terapêutica, na abordagem do paciente como um todo, na orientação para a cura e na participação do paciente no tratamento.

JU – De forma prática, quais são as situações em que a medicina complementar é adotada e recomendada?

Nelson – Em qualquer tratamento agudo ou crônico, de acordo com o momento de desenvolvimento e agravo do processo da doença e da saúde.

JU – As escolas de medicina brasileiras estão preparadas para formar médicos generalistas com uma visão, digamos, mais holística?

Nelson – Muitas escolas procuram adotar o modelo integral de cuidado, mas poucas situam-no na discussão epistemológica do cuidado holístico e, para isso, seria necessário trazer para o interior dos cursos elementos de outros campos, principalmente, sociológico e religioso.

JU – E a FCM, como está nesse cenário?

Nelson – A reforma curricular promoveu a inserção dos alunos na rede pública e saúde, de maneira precoce, criando a possibilidade dos debates sobre as dimensões sociais e éticas do trabalho em saúde, o que já é um grande diferencial. Há, também, na FCM, a Liga de Homeopatia, sob a responsabilidade do professor Milton Lopes de Souza e com a participação de ex-alunos e estudantes dos diferentes cursos da Faculdade, que muito contribui com a formação sobre esta outra racionalidade médica.

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