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Bióloga avança na caracterização genética
de vírus encontrado em animais e humanos
Estudo sobre ação do PBV obtém sequências inéditas na literatura
Pesquisa conduzida pela bióloga Maria Clara Duarte Fregolente é responsável por um avanço significativo na caracterização genética do picobirnavírus
(PBV), detectado em amostras fecais de diferentes hospedeiros como cachorros,
cavalos, coelhos, roedores e cobras. O fato de existir uma semelhança
entre PBV encontrado em animais e humanos acende uma “luz amarela”
no que diz respeito a possíveis casos de zoonose – doenças transmissíveis
do animal para o homem. A transmissão se dá por via fecal-oral, portanto
trata-se de um vírus entérico, que é
eliminado e detectado nas fezes e que
tem penetração pela boca. “Se a pessoa
tiver contato manual com as fezes de
animais infectados e não fazer a higiene
correta, pode ter os vírus introduzidos
em seu organismo”, afirmou a bióloga.
Identificado pela primeira vez em
estudos realizados para a detecção de
rotavírus em fezes de crianças, o PBV
é um patógeno que, aparentemente, não
possue uma associação com a diarréia.
No entanto, em indivíduos imunocompromissados, como pacientes HIV-positivos ou transplantados, essa associação
fica mais evidente. “O que parece é que o
PBV é um patógeno oportunista, porque
se está presente e associado com outros
agentes e/ou fatores pode agravar o
quadro de diarréia. Porém, sozinho, não
compromete”, garantiu a bióloga. Por
isso, alertou, o cuidado com a higiene é fundamental, já que os estudos ainda estão em fase inicial e não existem vacinas
tampouco medicamentos antivirais específcos. O trabalho resultou na tese de doutorado de Fregolente, orientada pela
professora Maria Silvia Viccari Gatti, do
Instituto de Biologia (IB) da Unicamp.
A ligação da pesquisadora com o PBV surgiu ainda na graduação, na
iniciação científica, quando também
trabalhou com cultura de células para
produção de rotavírus e adenovírus. O
que era para ser mestrado passou direto para o doutorado e, num primeiro momento, o objetivo foi fazer o sequenciamento completo do PBV. Trata-se
de uma espécie que tem genoma de
RNA dupla-fita com dois segmentos.
A pesquisadora chamou a atenção
para o fato de que apenas PBV de humanos têm seus segmentos genômicos
com sequenciamento completo publicado na literatura. A partir daí – e pelo
fato de o laboratório ter muitas amostras de animais – surgiu o interesse de
fazer o sequenciamento dos segmentos
genômicos e comparar as sequências
de nucleotídeos de PBV de humanos e
animais. Porém, vários protocolos foram
testados e nenhum deles permitiu obter
as sequências completas. “Conseguimos
sequências menores, de 200 pares de bases de um dos segmentos e a análise foi
feita a partir dessa informação”, disse.
Mesmo não obtendo o sequenciamento completo, a pesquisadora comentou que os resultados obtidos foram não
só importantes como também muito interessantes. Ela ressaltou que encontrou
uma variação na sequência de nucleotídeos dos PBV muito grande e em alguns
animais foi constatado que estavam sendo infectados por dois tipos diferentes de
PBV. “São tão diferentes que fca difícil a comparação entre eles”, reforçou.
Existem, de acordo com Fregolente,
poucas sequências totais disponíveis
em bancos de dados sobre PBV. Para
ampliar essa quantidade é necessário
ter uma sequência base e, a partir dela,
desenhar os iniciadores. Porém, como
se trata de um vírus RNA, é preciso
antes fazer uma transcrição reversa,
transformando-o em DNA. A bióloga
explicou que a partir das sequências
disponíveis não foi possível estabelecer
nenhum iniciador capaz de funcionar
nas sequências de PBV de animais.
Isso porque a informação existente nos
bancos de dados é de PBV de humanos
e pode existir alguma diferença para o
PBV de animal que impeça o alinhamento correto do iniciador nas sequências. “Como existe muita diversidade,
isso é possível. As técnicas que estão
disponíveis na literatura eu não consegui fazer funcionar”, lamentou. Além
disso, é bem possível que, pelo fato da
amostra ficar armazenada por muito
tempo, ocorra a degradação do RNA.
A bióloga esclareceu ainda que a sequência que todos os pesquisadores conseguem amplificar – e na qual ela baseou seu estudo – é de uma enzima do vírus.
O desafo está agora em sequenciar o
outro segmento que codifica as proteínas
externas, que formam o capsídeo viral. “Os anticorpos que os animais produzem
são exatamente contra essa proteína que
fca exposta. Conhecer a sequência da
proteína externa será muito importante
para obter novas informações”, advertiu.
Contribuição acadêmica
Fregolente considera que foi fundamental apresentar novas sequências de
PBV identificados em outros animais
e até então inexistentes na literatura.
“É importante disponibilizar esses
dados já que são poucos os grupos
que trabalham com esses agentes que
têm despertado interesse para estudos
em outros continentes, recentemente”
disse. Ela ressaltou ainda que o Comitê Internacional de Taxonomia Viral
aceitou a proposição para um sistema
de classifcação para o PBV, enquanto
família, gênero e espécie. No entanto, as
espécies tipo existentes são apenas PBV
de humanos e de coelhos, porque foram
os primeiros a serem sequenciados.
Além da classificação até o nível de espécie, os PBV também são
classificados em genogrupos, o que é
considerado inadequado pela pesquisadora. Para se fazer uma classificação
correta é importante que se tenha uma
maneira de conseguir detectar todos os
tipos de PBV por métodos de biologia
molecular e, a partir do sequenciamento, poder separar as diferenças
e as igualdades visando montar um sistema de classificação mais efciente.
“Sugerimos também a existência de
quasiespécies, que é um fenômeno natural que ocorre em vírus de RNA, especificamente”, disse a bióloga. Trata-se de
um momento da evolução dos vírus, no
qual eles produzem diferentes mutantes
para conseguir se estabelecer. Todas as
possíveis mutações são realizadas pelo
vírus até que ele encontre aquela que
melhor se adapte ao meio. Fregolente
revelou que foram encontradas essas
mutações de ponto em cada uma das
sequências analisadas. “Isso caracteriza
variados genomas dentro de uma única população viral”, concluiu.
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Artigos
■ Molecular characterization of picobirnaviruses from
new hosts., Fregolente MC, de Castro-Dias E, Martins
SS, Spilki FR, Allegretti SM, Gatti MS., Virus Res. 2009
Jul;143(1):134-6.
■ Nomenclature proposal for picobirnavirus., Fregolente
MC, Gatti MS., Arch Virol. 2009;154(12):1953-4.
Publicação
Tese de doutorado “Caracterização genética de
picobirnavírus detectados em amostras fecais de
diferentes hospedeiros”
Autora: Maria Clara Duarte Fregolente
Orientadora: Maria Silvia Viccari Gatti
Unidade: Instituto de Biologia (IB)
Fonte de fnanciamento: Fapesp
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